Opinião
- 15 de agosto de 2022
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Convivendo com a dor na liderança
Por Evi Rodemann
A dor e a crise são inevitáveis e muitas vezes prejudiciais à liderança. Como podemos passar a ver a dor como amiga e não inimiga?
Em uma Conferência de Liderança Europeia há alguns anos, o Dr. Michael Oh, diretor executivo global/CEO do Movimento de Lausanne, citou a seguinte frase: “Mais de 60% de todos os líderes não terminam”.
Ele não estava se referindo apenas a não terminar bem, mas a não terminar nada. Mais de 60% dos líderes desistem cedo demais, perdem a fé, cometem erros e desmoronam.
Quando ouvi essa estatística, pensei: “É simplesmente terrível”. Mas então comecei a refletir sobre os líderes que já estiveram prestes a desistir, entre os quais eu me incluo. Muitos líderes ao meu redor desistiram, perderam a fé, deixaram seus cônjuges, tiveram um colapso e, pior ainda, cometeram suicídio.
Liderança e dor são dois lados da mesma moeda. Como líderes, nos envolvemos com outras pessoas e estamos dispostos a carregar o peso da responsabilidade. Independentemente de quantas pessoas possam segui-lo como líder, sempre haverá certa dose de dor.
Enquanto refletia e escrevia sobre esse tema acabei conhecendo o livro Leadership Pain, de Samuel R. Chand, que afirma que, segundo estatísticas nos EUA, apenas 1 em cada 20 pastores permanece no ministério na igreja ao atingir a idade da aposentadoria.
É um número extremamente baixo. Embora alguns talvez tenham partido em busca de oportunidades ministeriais além dos muros da igreja, muitos saem em consequência de situações relacionadas à dor. E cada líder que não termina bem já representa um índice elevado. Quando procuramos seguir a Jesus e edificar seu reino, cada pessoa importa. Todos são necessários!
Estar na liderança não é motivo para se gabar ou se orgulhar. É, na verdade, um imenso privilégio saber que Deus nos confiou uma posição de liderança. Trata-se principalmente de seguir a Deus e, em consequência disso, influenciar outros a fazerem o mesmo.
Se Deus nos chama para liderar, não importa quantas pessoas estejam sob nossa liderança nem quão forte possa se tornar nossa influência, precisamos abraçar esse chamado e continuar liderando, mesmo em meio à dor.
Pedras de tropeço na liderança
Em seu livro Leading with a Limp, Dan Allender descreve seis grandes desafios que os líderes precisarão enfrentar. O fato de você enfrentar desafios logo no início do ministério não altera em nada o seu chamado ou dom de liderança.
Vamos ver de perto as seis realidades mencionadas por Allender:
Crise
A crise é a erupção do caos e nos faz lembrar que não estamos no controle. O que acontece na vida e no ministério nos proporciona oportunidades de crescimento, mas também nos leva ao limite, onde alguns não sobrevivem.
Uma crise pode acontecer internamente, quando não conseguimos lidar de forma apropriada com nossas dúvidas e questionamos a Deus, ou externamente, quando um acontecimento doloroso com nossas famílias e entes queridos nos destrói por completo.
Complexidade
Como líderes, precisaremos lidar com valores, demandas e perspectivas. Todas essas possibilidades são concorrentes. Seu ministério cresce e se torna complexo, seu ministério diminui e você enfrenta outras complexidades.
Isso certamente pode nos deixar inseguros e vulneráveis, e, nesses momentos, muitas vezes é difícil tomar as decisões certas.
Traição
Se você é líder, precisa estar ciente de que sempre haverá um Judas ou um Pedro em sua equipe. Um dia, alguns de seus amigos mais próximos podem se voltar contra você por um motivo qualquer. Isso pode resultar em muita amargura e no questionamento se investir nas pessoas é um desperdício.
Mesmo quando houver perdão, uma cicatriz permanecerá. Essa realidade é um dos maiores obstáculos para os líderes e os levam a abandonar o ministério.
Solidão
Poucas são as amizades capazes de resistir quando um dos dois tem mais poder ou autoridade do que o outro. Geralmente, quanto mais alto você sobe, menos amigos tem. Isso também acarreta mudanças nas relações familiares e nas amizades. Quando você lidera, sempre acaba decepcionando alguém.
Allender escreve que, como líderes, precisamos estar dispostos a ser odiados, pois nunca conseguiremos agradar a todos. Para coroar a solidão, a culpa por ter falhado pode surgir.
Quando reencontro líderes depois de alguns anos, frequentemente percebo que sua aparência mudou. Eles estão mais grisalhos, ganharam mais rugas e têm uma aparência mais cansada.
Os líderes parecem ter um curto prazo de validade. Assumir responsabilidades adiciona estresse à nossa vida. Manter a esperança a despeito das circunstâncias pode nos custar muita energia. Alguns de nós também desenvolveram um complexo de messias e querem salvar o mundo por conta própria.
Glória
Quem recebe a glória no final? Deus, a equipe ou até mesmo o próprio líder?
Quando você é bem-sucedido e alcança os objetivos com sua equipe, lidera um evento fantástico após escalarem montanhas espirituais, a glória e a fama podem provocar conflitos profundos.
Deus, então, muitas vezes nos desafia com outra dificuldade para que permaneçamos humildes e dependentes, reconhecendo quem é verdadeiramente digno de receber toda a honra.
Convivendo com a dor na liderança
Talvez você se pergunte por que sequer deveria estar disposto a liderar ou a continuar a liderar, se precisa enfrentar esses desafios e ferir-se enquanto serve a Deus.
Simplesmente não há nada melhor do que cumprir aquilo que Deus nos chama para fazer. Uma visão voltada para o reino de Deus é o que nos motiva a levantar todas as manhãs. Embora seja o que você fará de mais difícil, espero que também seja muito recompensador. Estar na vontade de Deus nos ajuda a cumprir a Sua vontade – e às vezes nos conduz de volta a ela.
Há vários passos importantes que você pode dar para lidar com a dor na liderança. Não a encare como uma inimiga, mas como uma amiga que o ajuda a crescer. Paulo encoraja seu jovem discípulo Timóteo a confiar em Deus e terminar a corrida (2Tm 4.7) mantendo a fé, acima de tudo. Para Deus, o amor que demonstramos buscando-o em primeiro lugar e amando-o acima de tudo é mais importante do que a liderança que exercemos.
Quatro lições sobre a liderança em meio à dor
Aqui estão algumas das lições que aprendi quando fui obrigada a enfrentar uma grave crise de liderança em 2016, que me derrubou por praticamente um ano inteiro. Experimentei a proximidade de Deus, a ajuda de pessoas e o lento processo de cura, e hoje minhas cicatrizes se tornaram um recurso precioso em minha caixa de ferramentas. Cresci, falhei, estou perdoada.
1. Reavalie sua teologia sobre a dor e o sofrimento.
Embora eu seja cristã desde a infância, muitas vezes me pego carregando comigo um evangelho de bem-estar. Acredito, de forma subconsciente, que se eu trabalhar para Deus, tudo ficará bem. Deus se orgulhará de mim e me abençoará com coisas boas.
A leitura do Novo Testamento mostra que isso está longe da realidade. Por ser influenciada pela mentalidade ocidental, muitas vezes preciso me arrepender dessa forma distorcida de encarar a dor como algo maligno e de pensar que não mereço tanto sofrimento. Os cristãos que seguem a Jesus precisam estar diariamente dispostos a suportar a dor e carregar a cruz.
2. Encontre um companheiro de dor.
Quanto mais entrevisto líderes que enfrentaram com êxito seus desafios, mais fica evidente que eles têm um grupo de amigos líderes comprometidos, que oferecem apoio mútuo nos bons e nos maus momentos.
Esses companheiros de dor se comprometem a enfrentar a vida juntos; estão dispostos a cuidar uns dos outros, a prestar contas e a compartilhar suas alegrias e lutas em um ambiente seguro e sagrado onde a cura acontece.
3. Busque um mentor – não siga sozinho por essa estrada.
À medida que enfrentamos situações de liderança ou desfrutamos de tempos incrivelmente bem-sucedidos, é melhor ter ao seu lado um “guia” (como Ole-Magnus Olafsrud da equipe YLGen os chama).
Um guia ou mentor o ajuda a buscar a Deus em primeiro lugar e a definir as prioridades certas, e desafia a conduta pecadora enquanto sempre acredita no melhor para nós. Ore por alguém que o leve mais perto de Deus de forma contínua e amorosa.
4. Fique firme ao passar por períodos de transição.
Em certos períodos de sua liderança você terá dificuldade em discernir a voz de Deus ou não ouvirá seu sussurro. É nesses momentos de aridez espiritual que Deus pode encontrar-se conosco de forma mais profunda.
Decida permanecer nesse espaço intermediário até ouvir a voz de Deus dizendo: “Siga em frente”. Não busque meios de escapar desse local sagrado onde Deus o convida a tirar os sapatos e apenas estar. A maioria de nós não gosta de esperar, mas são esses períodos de espera que podem produzir grandes mudanças. Não os deixe passar.
Seja o que for que funcione para você, que seu amor por Deus aumente ainda mais. Os obstáculos e os desafios na liderança são oportunidades únicas de crescimento.
Que você se sinta encorajado a aceitar a dor como parte de sua história de liderança e a desenvolver suas próprias estratégias com Deus para lidar com a dor de forma eficaz. A dor pode ser extremamente difícil de suportar, mas Deus está bem no meio dela e a enfrenta ao seu lado.
- Evi Rodemann é presidente da LeadNow e da equipe de grupos e reuniões da Geração de Líderes Jovens do Movimento de Lausanne. É autora do livro [em alemão] Scheitern erwuenscht – warum uns Krisen als Leitende wachsen lassen (tradução livre “Procura-se o fracasso – Por que a crise nos faz crescer como líderes”).
Originalmente publicado por Movimento de Lausanne. Reproduzido com permissão.
É disso que trata a matéria de capa da edição 386 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
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Saiba mais:
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