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Opinião

“Se quisermos orar de verdade, talvez seja necessário orarmos contra o nosso próprio coração”

Por William Lane

Em tempos de calamidades e tragédias, somos levados a nos dedicar mais à oração. Isso pode ser uma indicação de pelo menos duas realidades. Primeira, não temos hábito ou uma prática saudável de oração. Segundo, temos uma visão limitada da oração. Vemos a oração principalmente como súplica ou intercessão, a manifestação de nossos anseios, desejos, apelos e pedidos a Deus para que ele nos responda.

De fato, em momentos como os que estamos vivendo, temos suplicado a proteção de Deus aos mais vulneráveis, intercedido pelos enfermos, pelos enlutados e por quem está na linha de frente do combate a essa enfermidade, profissionais e cuidadores que estão expostos ao vírus. Rogamos ainda a misericórdia e livramento de Deus para que essa pandemia passe e voltemos a vida normal. E devemos orar assim. Temos maravilhosos exemplos de orações de súplica e do livramento de Deus não só na Bíblia, mas também no testemunho de cristãos ao longo dos séculos.

Contudo, quando olhamos para a oração apenas como súplica e intercessão, ainda não compreendemos sua dimensão total. Dietrich Bonhoeffer, em seu livro Orando Com os Salmos, diz que “Se quisermos orar de verdade, talvez seja necessário orarmos contra o nosso próprio coração. Pois não importa o que nós desejamos orar neste momento, mas, sim, aquilo pelo qual Deus quer ser invocado por nós. Se dependêssemos unicamente de nós mesmos, com certeza acabaríamos reduzindo muitas vezes o Pai-Nosso à quarta prece, ao pedido pelo ‘pão nosso de cada dia’”1.

Essa visão restrita da oração também revela uma compreensão míope, certamente equivocada, de Deus, como a que às vezes é resumida pela expressão “o Deus do vazio”. É uma visão secularizada de Deus. Buscamos a Deus quando não conseguimos resolver nós mesmos os nossos problemas. Vivemos nossa vida sem precisar de Deus, até que nos deparamos com algo que está muito além de nossas capacidades de solução. Deus, então, nos serve para realizar ou alcançar o que é impossível a nós. Deus preenche o vazio. Essa é a espiritualidade moderna. Deus se torna necessário quando o que está ao nosso alcance não é mais suficiente para atingir os nossos objetivos.
 
 
Peter Berger (1929-2017), um sociólogo austríaco-estadunidense que dedicou parte de sua carreira aos estudos da religião, reconheceu próximo ao fim da vida que a tese da secularização, dominante nas ciências sociais do século XX2, pela qual se entendia que a religião seria extinta à medida que a sociedade se desenvolvesse, as ciências solucionassem os problemas humanos, e os indivíduos não tivessem que recorrer a Deus para atender aos seus anseios. Berger reconheceu a necessidade de rever esse princípio, pois, apesar de grandes avanços científicos, humanos e sociais, todas as religiões no mundo continuam crescendo.

Ouvindo isso vejo que, apesar de que como cristão não coaduno com essa tese, é preciso reconhecer que nossa oração e espiritualidade limitam-se muito a buscar a Deus para atender às nossas necessidades e reflito sobre como deveria ser a oração em momentos como este.

Novamente, Bonhoeffer sugere um caminho: “Nossa oração deve ser determinada pela riqueza da Palavra de Deus, jamais pela pobreza de nosso coração”.

Notas
1. BONHOEFFER, Dietrich. Orando com os Salmos. Curitiba: Encontro Publicações, 1995, p. 14.
2. Peter Berger on the failure of the secularization hypothesis. Disponível
aqui, e Dr. Peter Berger on Religion & Modernity. Disponível aqui.

>> Conheça o livro A Oração Nossa de Cada Dia, de Carlos Pinheiro Queiroz.

Leia mais:
» A Oração que Deus ouve e a oração que Deus não ouve
Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
  • Textos publicados: 63 [ver]

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