Opinião
- 18 de agosto de 2023
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O(s) lugar(es) da vida devocional
A sua companhia é mais preciosa do que qualquer resposta
Por Cayo César Santos
No início da noite daquela quinta-feira, que hoje parece longínqua, dia 18 de março de 2020, eu dirigia de volta para casa, quando ouvi a estranha notícia de que o governador do Distrito Federal havia decretado lockdown. Nenhuma atividade não essencial poderia acontecer de forma presencial. A solução para a crise na saúde pública mundial que, esperávamos, demandaria alguns dias, passou a ser o pesadelo global do isolamento sanitário da Covid-19.
Enquanto os meses se sucediam sem a perspectiva de tratamento ou vacina, a angústia tomava conta das pessoas em todo mundo. Proibiram-se os abraços, os afetos entre netos e avós. Pais e filhos separados pelas grades da distância, isolados pelos muros do temor verdadeiro de contaminação. Os sorrisos se perderam atrás das máscaras assombradas, único recurso de uma limitada proteção. As perguntas cresciam nos corações, sem respostas.
Mas aquele tempo de recolhimento trouxe a oportunidade para a reflexão. O desejo de contribuir de algum modo para minimizar o sofrimento aterrorizado das pessoas, levou-me ao enfrentamento dos questionamentos, à busca de respostas. Mera ilusão! Gerou dúvidas ainda mais contundentes. Aprendi que, por vezes, o melhor é estacionar nas perguntas, aprofundá-las, e calar-se em discernimento humilde. Aprendi que, às vezes, resta-nos o mistério, o não saber. Resta-nos o lamento.
As mortes chegavam aos milhões ao redor do mundo e nos perguntávamos, então, até quando Senhor? Da reflexão no texto bíblico, na companhia de outros autores, Tolentino de Mendonça, Osmar Ludovico, Eugene Peterson, Henri Nouwen, dentre outros, e oração, surgiam evidentes, quase que incandescentes, as perguntas que viriam a me conduzir às metáforas que configurariam o Geografia do Recolhimento — o lugar da vida devocional. Não te importa que pereçamos? Que queres que eu te faça? Que fazes aí nesta caverna? Podem ossos retornar à vida? Qual é o teu nome? Senhor, se és mesmo tu? Saltavam aos olhos e ao coração, a partir dos lugares bíblicos da devoção.
A perda do jardim da inocência, as incertezas do caminho e a aridez dos desertos, as dúvidas nos vales e a depressão nas cavernas, encanto e o horror diante do mar, ao mesmo tempo belo e aterrador e, por fim, a escalada gradual, cansativa e cheia de expectativas da montanha do discernimento, da epifania, encontro com Deus! Eventos e pessoas, tempo e espaço, perda de gente querida que tombava pela enfermidade, alívio pelos que se recuperavam, insegurança quanto ao futuro que porventura nos aguardava, depois da curva da estrada, na virada das marés. Sentimentos que se misturavam em minha mente e coração, que ganhavam contornos de atualidade e presença enquanto meus olhos percorriam as jornadas da leitura devota da palavra revelada, face ao horror da realidade que nos cercava.
O desejo de proporcionar consolo e esperança aos corações ganhou concretude nas aulas ministradas em ambientes virtuais para a nossa pequena comunidade de fé. Ali foi gerado o esboço inicial do livro que, no decorrer dos anos da pandemia foi gestado, se desenvolveu e, agora, está pronto para nascer.
Espero que suas páginas façam brotar uma percepção crescente, ainda que inicialmente tímida ou singela, de que a vida é uma jornada que nos leva a muitos lugares, nos leva à dor, ao medo e ao sofrimento; nos conduz à esperança, ao deslumbramento e ao contentamento, mas, seja como for, se tivermos sensibilidade e atenção no caminho, perceberemos que há uma constante imutável nessa equação complexa do viver, a presença, sútil e ao mesmo tempo inegável, daquele que guarda nosso coração e nos diz: Não temas, estou aqui! E essa companhia é mais preciosa do que qualquer resposta.
Saiba mais:
» Geografia do Recolhimento - O lugar da vida devocional, Cayo César Santos
» Práticas Devocionais - Exercícios de sobrevivência e plenitude espiritual, Elben Magalhães Lenz César
» O Caminho do Coração - O sentido da espiritualidade cristã, Ricardo Barbosa
» Um Ano Com Jesus - Leituras e meditações diárias, Eugene Peterson
» Lectio divina - contemplatio
Por Cayo César Santos
No início da noite daquela quinta-feira, que hoje parece longínqua, dia 18 de março de 2020, eu dirigia de volta para casa, quando ouvi a estranha notícia de que o governador do Distrito Federal havia decretado lockdown. Nenhuma atividade não essencial poderia acontecer de forma presencial. A solução para a crise na saúde pública mundial que, esperávamos, demandaria alguns dias, passou a ser o pesadelo global do isolamento sanitário da Covid-19.
Enquanto os meses se sucediam sem a perspectiva de tratamento ou vacina, a angústia tomava conta das pessoas em todo mundo. Proibiram-se os abraços, os afetos entre netos e avós. Pais e filhos separados pelas grades da distância, isolados pelos muros do temor verdadeiro de contaminação. Os sorrisos se perderam atrás das máscaras assombradas, único recurso de uma limitada proteção. As perguntas cresciam nos corações, sem respostas.
Mas aquele tempo de recolhimento trouxe a oportunidade para a reflexão. O desejo de contribuir de algum modo para minimizar o sofrimento aterrorizado das pessoas, levou-me ao enfrentamento dos questionamentos, à busca de respostas. Mera ilusão! Gerou dúvidas ainda mais contundentes. Aprendi que, por vezes, o melhor é estacionar nas perguntas, aprofundá-las, e calar-se em discernimento humilde. Aprendi que, às vezes, resta-nos o mistério, o não saber. Resta-nos o lamento.
As mortes chegavam aos milhões ao redor do mundo e nos perguntávamos, então, até quando Senhor? Da reflexão no texto bíblico, na companhia de outros autores, Tolentino de Mendonça, Osmar Ludovico, Eugene Peterson, Henri Nouwen, dentre outros, e oração, surgiam evidentes, quase que incandescentes, as perguntas que viriam a me conduzir às metáforas que configurariam o Geografia do Recolhimento — o lugar da vida devocional. Não te importa que pereçamos? Que queres que eu te faça? Que fazes aí nesta caverna? Podem ossos retornar à vida? Qual é o teu nome? Senhor, se és mesmo tu? Saltavam aos olhos e ao coração, a partir dos lugares bíblicos da devoção.
A perda do jardim da inocência, as incertezas do caminho e a aridez dos desertos, as dúvidas nos vales e a depressão nas cavernas, encanto e o horror diante do mar, ao mesmo tempo belo e aterrador e, por fim, a escalada gradual, cansativa e cheia de expectativas da montanha do discernimento, da epifania, encontro com Deus! Eventos e pessoas, tempo e espaço, perda de gente querida que tombava pela enfermidade, alívio pelos que se recuperavam, insegurança quanto ao futuro que porventura nos aguardava, depois da curva da estrada, na virada das marés. Sentimentos que se misturavam em minha mente e coração, que ganhavam contornos de atualidade e presença enquanto meus olhos percorriam as jornadas da leitura devota da palavra revelada, face ao horror da realidade que nos cercava.
O desejo de proporcionar consolo e esperança aos corações ganhou concretude nas aulas ministradas em ambientes virtuais para a nossa pequena comunidade de fé. Ali foi gerado o esboço inicial do livro que, no decorrer dos anos da pandemia foi gestado, se desenvolveu e, agora, está pronto para nascer.
Espero que suas páginas façam brotar uma percepção crescente, ainda que inicialmente tímida ou singela, de que a vida é uma jornada que nos leva a muitos lugares, nos leva à dor, ao medo e ao sofrimento; nos conduz à esperança, ao deslumbramento e ao contentamento, mas, seja como for, se tivermos sensibilidade e atenção no caminho, perceberemos que há uma constante imutável nessa equação complexa do viver, a presença, sútil e ao mesmo tempo inegável, daquele que guarda nosso coração e nos diz: Não temas, estou aqui! E essa companhia é mais preciosa do que qualquer resposta.
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