Opinião
- 19 de fevereiro de 2021
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Olhar a morte nos olhos – reflexões de um médico cristão
Por Jorge Cruz
A morte é um mistério infinito. São poucos os que podem falar dela na primeira pessoa e escassos os relatos de quem se recuperou de um diagnóstico confirmado de morte clínica. Para o evangelista Billy Graham, “ninguém está verdadeiramente preparado para viver enquanto não estiver preparado para morrer”.
A minha reflexão pessoal acerca da morte começou durante a adolescência, após a morte súbita de pessoas que me eram próximas. Prosseguiu durante o curso de medicina, especialização em cirurgia vascular e coordenação de colheita de órgãos e transplantes de doador cadáver. Na minha dissertação de mestrado em bioética investiguei o conceito de morte encefálica e suas implicações médicas, éticas e legais. Porém, as respostas mais relevantes que encontrei sobre o problema da morte não foram obtidas a partir de filósofos, teólogos, sociólogos ou profissionais de saúde. Foram o resultado da minha fé em Jesus Cristo, o único que pode declarar com toda a autoridade que está vivo e tem poder sobre a morte e sobre o mundo dos mortos (Apocalipse 1:17b-18).
Martin Luther King Jr., ativista pelos direitos civis dos negros e pastor batista, escreveu: “Foi através de Cristo que Deus nos libertou do aguilhão da morte. A nossa vida terrestre é o prelúdio de um novo despertar, e a morte é a porta que se abre para a nossa entrada na vida eterna”.
A morte é considerada uma realidade dramática da existência humana e o principal tabu dos tempos modernos. É um acontecimento único, irreversível e irrepetível para cada pessoa. A verificação da morte é um ato médico e o seu diagnóstico resulta quase sempre de uma parada cardiorrespiratória irreversível, sendo utilizados os seguintes critérios: ausência de batimentos cardíacos e de movimentos respiratórios; ausência de resposta a estímulos; presença de pupilas fixas e dilatadas e um traçado isoelétrico no monitor cardíaco.
O rei Davi recorda-nos no Salmo 49.21 o caráter universal e inevitável da morte – “Juntar-te-ás na morte aos antepassados, que não voltarão mais a ver a luz” (A Bíblia Para Todos). O escritor inglês C. S. Lewis constatou que, num certo sentido, a guerra não aumenta a morte, pois a morte é total em cada geração. A morte é também o acontecimento mais igualitário da existência humana, pois não faz discriminação entre homens e mulheres, entre ricos e pobres, ou entre celebridades e gente comum. Na hora da morte, somos todos iguais.
A morte é também imprevisível, embora possamos condicionar a nossa longevidade pela forma como vivemos. A maioria das doenças, como as cardiovasculares e oncológicas (as duas principais causas de morte no mundo) são influenciadas por fatores de risco comportamentais relacionados com o estilo de vida. Estudos recentes revelaram que a adoção de comportamentos saudáveis como não fumar, controlar o peso, fazer exercício físico diariamente, evitar bebidas alcoólicas e fazer uma alimentação saudável, rica em vegetais, podem contribuir para uma menor incidência de doenças cardiovasculares, câncer e diabetes, e um aumento da esperança de vida.
Os enormes progressos médicos e tecnológicos alcançados nas últimas décadas, na área da saúde, levaram a um aumento considerável da esperança média de vida. No Brasil, passou de 57,6 anos em 1970 para 76,6 anos em 2019. Para este aumento da longevidade contribuiu mais a prevenção do que a possibilidade de tratamento de muitas doenças, através da melhoria das condições higiênico-sanitárias e alimentares, vacinação eficaz e acesso generalizado aos serviços de saúde. É uma história de sucesso uma vez que, ao longo da história da humanidade, a maioria das pessoas não ultrapassava os 35 anos. Mas apesar de todos os êxitos no combate à doença, mais cedo ou mais tarde chega sempre o momento da morte.
Porém, a morte não é o fim do ser humano, pois cada um de nós é uma entidade biopsicossocial e espiritual, constituída por um corpo e uma alma e/ou espírito. A dimensão espiritual do ser humano é eterna e, por isso, não desaparece nem é aniquilada pela morte corporal.
O Dr. Pablo Martinez, psiquiatra espanhol, chama “aspirinas existenciais” às formas que as pessoas encontram para não pensarem na morte nem no sentido da vida, como por exemplo o jogo, a televisão e outras formas de entretenimento, porque isso iria levá-las certamente a modificar comportamentos e atitudes.
O Dr. Pablo Martinez, psiquiatra espanhol, chama “aspirinas existenciais” às formas que as pessoas encontram para não pensarem na morte nem no sentido da vida, como por exemplo o jogo, a televisão e outras formas de entretenimento, porque isso iria levá-las certamente a modificar comportamentos e atitudes.
É minha convicção pessoal, baseada na Palavra de Deus, que em Jesus Cristo, Deus feito Homem, encontramos a resposta para o problema existencial da morte, considerada um inimigo que não fazia parte dos planos originais do Criador. A morte sacrificial e voluntária de Jesus, na cruz do calvário, confere sentido à vida de todos aqueles que, ao longo dos séculos, O aceitam e seguem como o Messias prometido e o único caminho para Deus. Jesus morreu para libertar “os que ao longo de toda a vida estiveram escravizados pelo medo da morte” (Hebreus 2:15). Assim, podemos encarar a morte e o futuro com esperança. O apóstolo Paulo, pouco tempo antes de ser morto por ordem do imperador romano, manifestou essa mesma confiança inabalável nas promessas de Deus (2 Timóteo 4:6-8).
Aprecio muito a história de vida de Bonhoeffer, pastor e teólogo cristão, que permaneceu firme na sua fé em Cristo, na Alemanha nazi, e foi morto por enforcamento. Quando estava a subir para o cadafalso, disse-lhe o carrasco: “Este é o fim”. Respondeu Bonhoeffer: “Para mim é o princípio da vida”!
A maioria de nós não sabe em que momento fará a última viagem e irá, finalmente, ter a oportunidade de “olhar a morte nos olhos”. Pode ser daqui a muitos anos ou nos próximos minutos. Uma coisa é certa: as decisões que tomamos hoje, enquanto vivemos neste mundo, limitados pelo tempo e pelo espaço, terão consequências eternas. Após a morte, não haverá outra oportunidade de arrependimento e de termos paz com Deus, conforme lemos na Carta aos Hebreus 9:27: “está determinado que os homens morram uma só vez e que depois sejam julgados por Deus”.
Eu encontrei a paz com Deus e a certeza da salvação e da vida eterna quando entreguei a minha vida a Jesus Cristo, arrependendo-me dos meus pecados e crendo que Ele morreu na cruz em meu lugar. A partir desse momento nunca mais tive medo da morte, pois sei para onde vou quando morrer. E você?
• Jorge Cruz é Médico especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular, doutor em Bioética, membro do Comitê de Países de Língua Portuguesa da International Christian Medical & Dental Association (ICMDA), membro honorário da Associação Cristã Evangélica de Profissionais de Saúde (ACEPS-Portugal), membro do Conselho Internacional da PRIME - Partnerships in International Medical Education. Reside em Porto, Portugal.
Bibliografia
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Ariès, Philippe. Sobre a História da Morte no Ocidente desde a Idade Média. Editorial Teorema, Lisboa, 1989.
Borges, Anselmo. Janela do (In)visível. Campo das Letras, Porto, 2001.
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Cruz, Jorge. Morte Cerebral: Do Conceito à Ética. Climepsi Editores, Lisboa, 2004.
Davies, Douglas J. A Brief History of Death. Blackwell Publishing, Malden, 2005.
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Graham, Billy. Death and the Life After. Thomas Nelson, Nashville, 1987.
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Rainho, Manuel. O Misterioso Jesus: Procurando a verdade sobre a identidade de Jesus. Grupo Bíblico Universitário, Lisboa, 2010.
Wyatt, John. Dying Well. Inter-Varsity Press, London, 2018.
>> Conheça o livro Surpreendido pela Esperança, de N. T. Wright
Texto atualizado em 4/8/2021.
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» Os cristãos e a morte
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