Opinião
- 19 de fevereiro de 2021
- Visualizações: 6222
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
Olhar a morte nos olhos – reflexões de um médico cristão
Por Jorge Cruz
A morte é um mistério infinito. São poucos os que podem falar dela na primeira pessoa e escassos os relatos de quem se recuperou de um diagnóstico confirmado de morte clínica. Para o evangelista Billy Graham, “ninguém está verdadeiramente preparado para viver enquanto não estiver preparado para morrer”.
A minha reflexão pessoal acerca da morte começou durante a adolescência, após a morte súbita de pessoas que me eram próximas. Prosseguiu durante o curso de medicina, especialização em cirurgia vascular e coordenação de colheita de órgãos e transplantes de doador cadáver. Na minha dissertação de mestrado em bioética investiguei o conceito de morte encefálica e suas implicações médicas, éticas e legais. Porém, as respostas mais relevantes que encontrei sobre o problema da morte não foram obtidas a partir de filósofos, teólogos, sociólogos ou profissionais de saúde. Foram o resultado da minha fé em Jesus Cristo, o único que pode declarar com toda a autoridade que está vivo e tem poder sobre a morte e sobre o mundo dos mortos (Apocalipse 1:17b-18).
Martin Luther King Jr., ativista pelos direitos civis dos negros e pastor batista, escreveu: “Foi através de Cristo que Deus nos libertou do aguilhão da morte. A nossa vida terrestre é o prelúdio de um novo despertar, e a morte é a porta que se abre para a nossa entrada na vida eterna”.
A morte é considerada uma realidade dramática da existência humana e o principal tabu dos tempos modernos. É um acontecimento único, irreversível e irrepetível para cada pessoa. A verificação da morte é um ato médico e o seu diagnóstico resulta quase sempre de uma parada cardiorrespiratória irreversível, sendo utilizados os seguintes critérios: ausência de batimentos cardíacos e de movimentos respiratórios; ausência de resposta a estímulos; presença de pupilas fixas e dilatadas e um traçado isoelétrico no monitor cardíaco.
O rei Davi recorda-nos no Salmo 49.21 o caráter universal e inevitável da morte – “Juntar-te-ás na morte aos antepassados, que não voltarão mais a ver a luz” (A Bíblia Para Todos). O escritor inglês C. S. Lewis constatou que, num certo sentido, a guerra não aumenta a morte, pois a morte é total em cada geração. A morte é também o acontecimento mais igualitário da existência humana, pois não faz discriminação entre homens e mulheres, entre ricos e pobres, ou entre celebridades e gente comum. Na hora da morte, somos todos iguais.
A morte é também imprevisível, embora possamos condicionar a nossa longevidade pela forma como vivemos. A maioria das doenças, como as cardiovasculares e oncológicas (as duas principais causas de morte no mundo) são influenciadas por fatores de risco comportamentais relacionados com o estilo de vida. Estudos recentes revelaram que a adoção de comportamentos saudáveis como não fumar, controlar o peso, fazer exercício físico diariamente, evitar bebidas alcoólicas e fazer uma alimentação saudável, rica em vegetais, podem contribuir para uma menor incidência de doenças cardiovasculares, câncer e diabetes, e um aumento da esperança de vida.
Os enormes progressos médicos e tecnológicos alcançados nas últimas décadas, na área da saúde, levaram a um aumento considerável da esperança média de vida. No Brasil, passou de 57,6 anos em 1970 para 76,6 anos em 2019. Para este aumento da longevidade contribuiu mais a prevenção do que a possibilidade de tratamento de muitas doenças, através da melhoria das condições higiênico-sanitárias e alimentares, vacinação eficaz e acesso generalizado aos serviços de saúde. É uma história de sucesso uma vez que, ao longo da história da humanidade, a maioria das pessoas não ultrapassava os 35 anos. Mas apesar de todos os êxitos no combate à doença, mais cedo ou mais tarde chega sempre o momento da morte.
Porém, a morte não é o fim do ser humano, pois cada um de nós é uma entidade biopsicossocial e espiritual, constituída por um corpo e uma alma e/ou espírito. A dimensão espiritual do ser humano é eterna e, por isso, não desaparece nem é aniquilada pela morte corporal.
O Dr. Pablo Martinez, psiquiatra espanhol, chama “aspirinas existenciais” às formas que as pessoas encontram para não pensarem na morte nem no sentido da vida, como por exemplo o jogo, a televisão e outras formas de entretenimento, porque isso iria levá-las certamente a modificar comportamentos e atitudes.
O Dr. Pablo Martinez, psiquiatra espanhol, chama “aspirinas existenciais” às formas que as pessoas encontram para não pensarem na morte nem no sentido da vida, como por exemplo o jogo, a televisão e outras formas de entretenimento, porque isso iria levá-las certamente a modificar comportamentos e atitudes.
É minha convicção pessoal, baseada na Palavra de Deus, que em Jesus Cristo, Deus feito Homem, encontramos a resposta para o problema existencial da morte, considerada um inimigo que não fazia parte dos planos originais do Criador. A morte sacrificial e voluntária de Jesus, na cruz do calvário, confere sentido à vida de todos aqueles que, ao longo dos séculos, O aceitam e seguem como o Messias prometido e o único caminho para Deus. Jesus morreu para libertar “os que ao longo de toda a vida estiveram escravizados pelo medo da morte” (Hebreus 2:15). Assim, podemos encarar a morte e o futuro com esperança. O apóstolo Paulo, pouco tempo antes de ser morto por ordem do imperador romano, manifestou essa mesma confiança inabalável nas promessas de Deus (2 Timóteo 4:6-8).
Aprecio muito a história de vida de Bonhoeffer, pastor e teólogo cristão, que permaneceu firme na sua fé em Cristo, na Alemanha nazi, e foi morto por enforcamento. Quando estava a subir para o cadafalso, disse-lhe o carrasco: “Este é o fim”. Respondeu Bonhoeffer: “Para mim é o princípio da vida”!
A maioria de nós não sabe em que momento fará a última viagem e irá, finalmente, ter a oportunidade de “olhar a morte nos olhos”. Pode ser daqui a muitos anos ou nos próximos minutos. Uma coisa é certa: as decisões que tomamos hoje, enquanto vivemos neste mundo, limitados pelo tempo e pelo espaço, terão consequências eternas. Após a morte, não haverá outra oportunidade de arrependimento e de termos paz com Deus, conforme lemos na Carta aos Hebreus 9:27: “está determinado que os homens morram uma só vez e que depois sejam julgados por Deus”.
Eu encontrei a paz com Deus e a certeza da salvação e da vida eterna quando entreguei a minha vida a Jesus Cristo, arrependendo-me dos meus pecados e crendo que Ele morreu na cruz em meu lugar. A partir desse momento nunca mais tive medo da morte, pois sei para onde vou quando morrer. E você?
• Jorge Cruz é Médico especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular, doutor em Bioética, membro do Comitê de Países de Língua Portuguesa da International Christian Medical & Dental Association (ICMDA), membro honorário da Associação Cristã Evangélica de Profissionais de Saúde (ACEPS-Portugal), membro do Conselho Internacional da PRIME - Partnerships in International Medical Education. Reside em Porto, Portugal.
Bibliografia
Antunes, João Lobo. O eco silencioso. Gradiva, Lisboa, 2008.
Ariès, Philippe. Sobre a História da Morte no Ocidente desde a Idade Média. Editorial Teorema, Lisboa, 1989.
Borges, Anselmo. Janela do (In)visível. Campo das Letras, Porto, 2001.
Bryant, Clifton D. (Ed). Handbook of Death and Dying. Sage Publications, Thousand Oaks, 2003.
Cardoso, Manuel Pedro. A morte é o fim? Seminário Evangélico de Teologia, Lisboa, 2000.
Cruz, Jorge. Morte Cerebral: Do Conceito à Ética. Climepsi Editores, Lisboa, 2004.
Davies, Douglas J. A Brief History of Death. Blackwell Publishing, Malden, 2005.
Gawande, Atul. Ser Mortal: Nós, a Medicina e o que realmente importa no final. Lua de Papel, Alfragide, 2015.
Graham, Billy. Death and the Life After. Thomas Nelson, Nashville, 1987.
Graham, Billy. Nearing Home: Life, Faith, and Finishing Well. Thomas Nelson, Nashville, 2011.
Kastenbaum, Robert; Moreman, Christopher M. Death, Society, and Human Experience (12th ed). Routledge, New York, 2018.
Keller, Timothy. On Death. Penguin Random House, New York, 2020.
Mónica, Maria Filomena. A Morte. Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2011.
Osswald, Walter. Sobre a Morte e o Morrer. Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2013.
Rainho, Manuel. O Misterioso Jesus: Procurando a verdade sobre a identidade de Jesus. Grupo Bíblico Universitário, Lisboa, 2010.
Wyatt, John. Dying Well. Inter-Varsity Press, London, 2018.
>> Conheça o livro Surpreendido pela Esperança, de N. T. Wright
Texto atualizado em 4/8/2021.
Leia mais
» Os cristãos e a morte
Texto atualizado em 4/8/2021.
Leia mais
» Os cristãos e a morte
- 19 de fevereiro de 2021
- Visualizações: 6222
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Opinião
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em Últimas
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu há...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e História
- Casamento e Família
- Ciência
- Devocionário
- Espiritualidade
- Estudo Bíblico
- Evangelização e Missões
- Ética e Comportamento
- Igreja e Liderança
- Igreja em ação
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Política e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Série Ciência e Fé Cristã
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Cristã
Revista Ultimato
+ lidos
- Descobrindo o potencial da diáspora: um chamado à igreja brasileira
- Trabalho sob a perspectiva do reino de Deus
- Jesus [não] tem mais graça
- Não confunda o Natal com Papai Noel — Para celebrar o verdadeiro Natal
- Onde estão as crianças?
- Uma cidade sitiada - Uma abordagem literária do Salmo 31
- Exalte o Altíssimo!
- Ultimato recebe prêmio Areté 2024
- C. S. Lewis, 126 anos
- Paciência e determinação: virtudes essenciais para enfrentar a realidade da vida