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Opinião

Mesmo em guerra, há racismo escancarado

Século 21 e os negros continuam sendo considerados sub-humanos, mas não deveria ser assim.

Por Jacira Monteiro

Cidadãos africanos têm denunciado que estão sofrendo discriminação e racismo ao tentar atravessar a fronteira e fugir da guerra. Em uma transmissão do Jornal Welt, traduzido e postado no Twitter pelo advogado Joel Luiz Costa, há um relato perturbador de um africano que tentava fugir da guerra. Ele disse ao repórter: “Há muita hostilidade, sobretudo de mulheres brancas. Eu estava em vagão e pediram pra eu me retirar. Eles preferem evacuar animais e bichos de estimação a homens negros e mulheres negras”.

Em meu trabalho de conclusão de curso intitulado “Registros contábeis e escravatura no Brasil oitocentista: uma abordagem histórica”, fiz uma pesquisa da contabilidade no período da escravidão. No contexto de escravidão, no Brasil e no mundo, havia animais (como cavalos, meios de transporte à época) que tinham mais valor que os africanos escravizados. Estamos no século 21, a escravidão foi abolida no século 19, contudo, parece que, no que tange ao tratamento subalterno ao negro, nada mudou.

No dia 28/2, o representante dos países africanos Quênia, Gâmbia e Gabão, Martin Kimani, falou ao Conselho de Segurança da ONU: “Na emergência que se desenrola, houve relatos perturbadores sobre o tratamento racista de africanos e afrodescendentes que procuram fugir da Ucrânia para um local seguro (...). Condenamos veementemente esse racismo e acreditamos que é prejudicial ao espírito de solidariedade que é tão urgentemente necessário hoje. Os maus-tratos aos povos africanos nas fronteiras da Europa precisam cessar imediatamente, seja para os africanos que fogem da Ucrânia ou para aqueles que cruzam o Mediterrâneo”

No mesmo dia, 28/2, a União Africana, que reúne os 55 países da África, divulgou um documento oficial dizendo: “Relatos de que africanos são selecionados para tratamento dissimilar inaceitável são chocantemente racistas e uma violação da lei internacional. Nesse sentido, os presidentes pedem que todos os países respeitem a lei internacional e demonstrem a mesma empatia e apoio para todos aqueles que fogem da guerra, independentemente da sua raça”1.

Em 01/3/22, o Alto Comissário para os Refugiados da ONU admitiu de forma oficial que refugiados africanos estão enfrentando racismo na tentativa de fugir da guerra. Como eu disse em meu livro O Estigma da Cor, falando da valorização igualitária que se deve ter a toda raça humana, “eu não preciso ser branca para ter valor. Ninguém que é não branco precisa. Se Deus quisesse tudo igual, Ele não teria feito tudo diferente” (p. 142). Some à pandemia a guerra, some à guerra a crise de refugiados, some à crise de refugiados o racismo. É deplorável que em um contexto de guerra, pessoas desesperadas tentando fugir da violência estejam sendo discriminadas e rebaixadas à condição de não humanas.

Todos os que estão fugindo da guerra na Ucrânia deveriam ser encaminhados a um local seguro, independente de raça, cor, nacionalidade, cor ou gênero. O foco é a catástrofe e sofrimento da guerra que a Ucrânia está vivendo, portanto, todos os cidadãos, estrangeiros ou não, que estão nesse país deveriam ser igualmente assistidos. É uma questão de ter o mínimo de humanidade e empatia.

Deus condena o racismo, pois ele fez os seres humanos à sua imagem e semelhança, portanto com dignidade e valor. A situação de racismo que os africanos sofrem na Ucrânia não é apenas amoral e uma crise humanitária, mas em uma visão espiritual, é diabólica e pecaminosa. É preciso arrependimento e tratamento igualitário por parte do povo ucrânio, pois Deus ama e protege ao estrangeiro (Sl 146.9) e nós deveríamos fazer o mesmo. O cristão verdadeiro repudia a situação de sub-humanidade que os africanos têm vivido na guerra da Ucrânia, e a igreja ucraniana deveria levantar a voz em favor dos marginalizados.


Notas
1.
Africanos estão sendo impedidos de deixar Ucrânia por "racismo", diz União Africana.

Jacira Monteiro é membro da igreja evangélica batista de João Pessoa, graduada em ciências contábeis pela Universidade Federal da Paraíba e pós-graduanda em teologia bíblica e exegética do Novo Testamento. É autora do livro O Estigma da Cor – como o racismo fere os dois grandes mandamentos de Cristo.


Leia mais: 
» Consciência do Imago Dei, a consciência negra 

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