Opinião
- 12 de junho de 2012
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Legião Urbana, Wagner Moura e o teatro dos absurdos
Arte: o chão de nossa caminhada
Depois de tanto “testo” por aí, me desculpem a “incistência” no assunto. Mas vi algo além do que “si paçou” naquele palco e gostaria de compartilhar com vocês.
Me senti emocionado ao escrever um texto sobre o Tributo a Legião Urbana, com Wagner Moura, realizado pela MTV no dia 29/05/2012, talvez por isso “alguns errinhos” no parágrafo anterior. Mas deixei do jeito que veio a inspiração, afinal, ninguém hoje em dia leva mais em consideração técnica, estética e transpiração. Porque deveria escrever corretamente o português? Língua difícil e pouco usual no mundo. Escrever bem é para “profissionais”. E esses profissionais da língua não entendem nada de emoção e comunicação ao escrever um texto, são uns chatos. Bobagem me preocupar com isso.
Deveríamos parar também de nos preocupar com outros estudos. Teologia, por exemplo. Se a galera disser “amém” para nossa pregação, ela já está valendo. Se já estou apresentando algo que toda a igreja quer, porque deveria me preocupar em ser bíblico ou ter leituras relacionadas aos grandes teólogos? Quatro anos de seminário? Bobagem nos preocuparmos com isso.
Você que é jogador de futebol. Pare de treinar e se preparar. Sinta a plateia ovacionando seu nome no estádio e drible, corra, defenda e ataque. Tenho certeza que conseguirá fazer um gol ou passar o toque certo no momento certo sem treino, sem tática e sem conhecer seus companheiros de time. Não ouça o técnico nem o preparador físico ou outros profissionais mais experientes. Bobagem você se preocupar com isso.
Pessoal da música: parem de estudar, pesquisar, ensaiar. Vocês são loucos? Olha aí o tributo a um dos melhores compositores do rock nacional. É só ser fã, dar uns pulinhos e soltar a voz; nada de técnica, afinação, preparo cauteloso; o mais importante é a emoção do momento, o “revival” dos tempos gloriosos da banda.
Bom, essa crítica não é só minha. A própria família do homenageado disse. Leia a seguir um trecho da entrevista publicada no jornal Correio Braziliense:
“Há atores que cantam muito bem, e cantores que atuam muito bem. O que faltou foi discernimento para saber o que é bom e o que é ruim. Se o Wagner [Moura] não tem um bom ouvido musical, os dois artistas da banda deveriam tê-lo orientado”, criticou a musicista Carmem Teresa Manfredini, irmã de Renato Russo, em entrevista exclusiva ao Correio. A cantora, falando em nome da família, reprovou veementemente aquilo que era para ser uma homenagem; mas, em suas palavras, foi “constrangedor”, “desrespeitoso” e “frustrante”. [...] “Faltou afinação, ensaio, a assessoria de um professor” [...] “Tem que ter cuidado com essa obra. Não é assim que se faz, não é qualquer pessoa que canta essas músicas. Renato tinha uma extensão vocal incrível” [...] “Eu gostaria que a homenagem tivesse sido mais bem feita.”
Ah, fechemos as escolas, conservatórios, seminários, faculdades e abordemos tudo pelo campo do “deixe estar”, “a voz do povo é a voz de Deus”, a “emoção é o que conta”, “coragem é o que importa”, “já que ninguém faz nada, isso aí já está bom” e “os críticos gostariam de estar lá”. Todavia, a questão aqui não é Marcelo Bonfá, Dado Villa-Lobos, Renato Russo ou Wagner Moura. Meu gancho é com o momento que vivemos.
Esse teatro do absurdo não se passa só em um tributo no canal MTV, mas está escancarado nas nossas caras em diversas situações e lugares, inclusive nas igrejas locais. Vamos engolindo o que não é digerível. Achamos “normal” o que é anormal. O que é bom se torna chato, retrógrado (na verdade leia: difícil e demorado para se aprender) e o que era ruim se torna o padrão (leia: fácil e rápido). Em nome do “politicamente correto”, vamos abrindo os braços para tudo e todos, num grande festival de deterioração intelectual. Tudo é relativo e com o tempo, tudo vira “cult”. O pensamento “abandonemos os mestres e num rompante surrealista destruamos tudo para construir um mundo novo” é o que tenho lido nos últimos anos na internet e da boca de alguns artistas e pastores sobre música e outros saberes. Parece-me que eles não percebem o que estão promovendo.
João Alexandre, um dos melhores músicos deste país, disse que “o problema é a padronização da mediocridade”. Também acho. Mas o problema é que um show como este mostra que estamos indo abaixo da mediocridade (do mediano) com tanta gente defendendo o que é ruim. Não me refiro aqui à plateia e sua catarse saudosista naquele momento. Eles poderiam desafinar e errar as notas que quisessem, pois seu momento é o da celebração, mas quem está em cima do palco não acertar pelo menos uma música inteira e ainda sair como herói, é demais.
Por fim, quero dizer que não acho que exista cantor 100% afinado em todas as suas apresentações. E Renato Russo, até onde li e ouvi, nunca foi tratado dessa forma, ou seja, como um grande cantor (se bem que agora...). A questão é que ele tinha pudor e respeito com sua própria arte. Renato não fazia “qualquer letra” (e eu não estou discutindo aqui se todas elas possuem boas mensagens; não defendo todas). Suas melodias não eram “simples”. Por outro lado, uma canção ter dois ou cinquenta acordes não é o mais importante. Veja “Samba da Benção”, de Vinícius e Baden Powell – são apenas dois acordes, apesar de ser uma ótima canção. E em relação ao canto dessa turma, Vinícius, Tom Jobim e tantos outros vultos da música brasileira, citados como excelentes artistas, nunca foram “grandes cantores”. Mas sua obra e apresentações sempre objetivaram qualidade.
A questão para o “fazer arte” não é desafinar ou não desafinar, um acorde ou dez acordes, violino ou ukulele, rock ou sinfonia. A questão é excelência, qualidade, cuidado, respeito, enfim, integridade. Ter consciência de que o que se faz artisticamente hoje tem eco no futuro. Não acho bobagem falar sobre isso.
PS1: Alguns textos que li na internet e em especial a entrevista concedida pela irmã de Renato Russo me levaram a escrever esse texto.
PS2: Aos fãs do Wagner Moura, afirmo: admiro o cara também. Continuarei assistindo seus filmes.
PS3: Uma coisa foi muito válida para minha vida nessa história toda. Fui incentivado a pintar; algo que sempre quis fazer. Abaixo, uma pintura minha: “Menina Subindo a Ladeira”. É um tributo meu à fase rosa do Picasso. Apesar de ter começado a pintar ontem, fiz com coragem e por isso achei digno de publicar. Logo estarei procurando uma galeria ou museu para expor, com o seguinte título: "Menina Subindo a Ladeira (2012), de Sérgio Pereira. Paint (Microsoft)".
É músico, historiador, educador, escritor e revisor pedagógico de História. Seu trabalho musical principal é o Baixo e Voz, que já conta com 21 anos, cinco CD's e um DVD. Mestrando em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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