Opinião
- 29 de janeiro de 2021
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Lectio divina: uma maneira afetiva de ler a Bíblia
Por Luiz Fernando dos Santos
“Não deixe de falar as palavras deste Livro da Lei e de meditar nelas de dia e de noite, para que você cumpra fielmente tudo o que nele está escrito. Só então os seus caminhos prosperarão e você será bem sucedido” (Js 1.8).
“Meditarei nos teus preceitos e darei atenção às tuas veredas” (Sl 119.15).
Volta e meia algumas práticas seculares do cristianismo antigo retornam como moda no variado mercado da espiritualidade. Meditação, oração do coração (hesequía), jejum, direção ou mentoria espiritual e por aí vai. O mesmo acontece com a Lectio Divina, uma maneira de ler as Escrituras herdada da tradição monástica. Já na Regra de São Bento, elaborada no quinto século, então ainda dentro do período patrístico, se fala dessa modalidade de abordagem bíblica. A Lectio Divina não menospreza, como pensam alguns, o texto em sua língua original, em seu sentido literário, histórico e gramatical e menos ainda se apoia em interpretações alegóricas e subjetivas. A Lectio é uma leitura sapiencial e orante da Palavra de Deus. É sapiencial porque o seu intento primeiro é abastecer o coração da sabedoria das Escrituras. Para esse fim, claro, a mente já está abastecida das regras exegéticas e hermenêuticas indispensáveis. Todavia, o que se busca é envolver agora os afetos e a memória para que o coração se prenda à Palavra recebida.
Um dos elementos mais importantes na Lectio Divina é o ‘decorar’ o texto. Vale ressaltar que a expressão ‘decorar’ vem do latim de córdis, que quer dizer, do coração. Decorar na Lectio divina é um processo que os primeiros praticantes desta maneira de ler a Bíblia chamavam de ruminação. Sim, é preciso ruminar as Escrituras até extrair todo o sabor e todo o nutriente espiritual do texto. O processo de ruminação ajuda a fixar o texto nas paredes da memória afetiva, uma maneira de prender a Palavra nos meandros do coração.
Os afetos são mais despertados na Lectio Divina quando a leitura deixa de ser feita na ‘terceira pessoa’, isto é, quando o leitor deixa de ser um mero expectador distante do texto bíblico. A Lectio Divina nos obriga a ler o texto na primeira pessoa, o que significa, que o drama, o enredo do texto deve encontrar pontos de contato com a minha história pessoal. Eu devo assumir, dentro do processo, a minha participação ativa e efetiva no texto como um dos personagens que sofrem a ação redentora. Assim, para ficar em exemplos mais fáceis, os encontros de Jesus com a mulher pecadora, o publicano sentado na coletoria de impostos, o endemoninhado, o confronto com Tomé ou a restauração de Pedro, são encontros do Senhor comigo. De certa maneira, a leitura passa a ser também ‘sacramental’, porque posso e devo sentir os seus efeitos graciosos em minha vida concreta. Eu e meu coração prostituto somos confrontados e redimidos pelo Senhor. Eu e o meu coração fraudulento somos perdoados e libertados pelo Senhor. Eu e o meu coração idolátrico e escravo das forças do inferno somos purificados e santificados pelo Senhor. Eu e, precisamente, eu e meu coração somos restaurados de nossa incredulidade e como Pedro, de nossa desafeição pelo Senhor.
A Lectio nos proporciona a deixar o texto ler a nossa alma e esquadrinhar o nosso coração. Mas, essa maneira de ler a Bíblia exigirá uma resposta imediata e concreta. Essa resposta é a oração. Por isso a Lectio é uma leitura orante, pois é preciso orar com o texto lido e as suas implicações sobre o coração. Então, a oração deixa de ser um movimento espontâneo, casual e muitas vezes sem substância, sem uma ‘gramática’, e se torna um movimento provocado, uma resposta às interpelações da Palavra de Deus. O texto mesmo nos fornece uma substância, uma gramática, Palavras cujo fonema, o idioma, é aquele mesmo ‘falado’ por Deus quando se dirigiu a nós no texto divinamente inspirado. Nesse momento de oração, o coração já está abastecido de significados espirituais, os afetos já estão aquecidos pelos toques ‘sacramentais’ da graça pela ação do Espírito Santo.
Esse momento de oração é vívido, pois os afetos formam imagens em nossa mente que nos levam ao gozo, ao contentamento, a vibrantes ações de graças e também a sofridos gemidos de quebrantamento. Não somente a mente ora, mas coração, corpo e mente se entregam ao momento e envolvem todo o nosso ser. A Lectio Divina como disciplina espiritual envolve todos os aspectos centrais da formação espiritual: leitura, meditação, oração, contemplação e como diziam os antigos, “praticação”, uma atitude de mudança em face do gentil convite renovado em cada Lectio de se seguir o Cordeiro por onde quer que ele vá. Acostume-se à leitura orante e sapiencial das Escrituras.
• Rev. Luiz Fernando dos Santos é pastor na Igreja Presbiteriana Central de Itapira.
>> Conheça e baixe grátis o e-book Conversando sobre a Bíblia
Leia mais:
» Prática da Leitura da Bíblia [estudo bíblico]
“Não deixe de falar as palavras deste Livro da Lei e de meditar nelas de dia e de noite, para que você cumpra fielmente tudo o que nele está escrito. Só então os seus caminhos prosperarão e você será bem sucedido” (Js 1.8).
“Meditarei nos teus preceitos e darei atenção às tuas veredas” (Sl 119.15).
Volta e meia algumas práticas seculares do cristianismo antigo retornam como moda no variado mercado da espiritualidade. Meditação, oração do coração (hesequía), jejum, direção ou mentoria espiritual e por aí vai. O mesmo acontece com a Lectio Divina, uma maneira de ler as Escrituras herdada da tradição monástica. Já na Regra de São Bento, elaborada no quinto século, então ainda dentro do período patrístico, se fala dessa modalidade de abordagem bíblica. A Lectio Divina não menospreza, como pensam alguns, o texto em sua língua original, em seu sentido literário, histórico e gramatical e menos ainda se apoia em interpretações alegóricas e subjetivas. A Lectio é uma leitura sapiencial e orante da Palavra de Deus. É sapiencial porque o seu intento primeiro é abastecer o coração da sabedoria das Escrituras. Para esse fim, claro, a mente já está abastecida das regras exegéticas e hermenêuticas indispensáveis. Todavia, o que se busca é envolver agora os afetos e a memória para que o coração se prenda à Palavra recebida.
Um dos elementos mais importantes na Lectio Divina é o ‘decorar’ o texto. Vale ressaltar que a expressão ‘decorar’ vem do latim de córdis, que quer dizer, do coração. Decorar na Lectio divina é um processo que os primeiros praticantes desta maneira de ler a Bíblia chamavam de ruminação. Sim, é preciso ruminar as Escrituras até extrair todo o sabor e todo o nutriente espiritual do texto. O processo de ruminação ajuda a fixar o texto nas paredes da memória afetiva, uma maneira de prender a Palavra nos meandros do coração.
Os afetos são mais despertados na Lectio Divina quando a leitura deixa de ser feita na ‘terceira pessoa’, isto é, quando o leitor deixa de ser um mero expectador distante do texto bíblico. A Lectio Divina nos obriga a ler o texto na primeira pessoa, o que significa, que o drama, o enredo do texto deve encontrar pontos de contato com a minha história pessoal. Eu devo assumir, dentro do processo, a minha participação ativa e efetiva no texto como um dos personagens que sofrem a ação redentora. Assim, para ficar em exemplos mais fáceis, os encontros de Jesus com a mulher pecadora, o publicano sentado na coletoria de impostos, o endemoninhado, o confronto com Tomé ou a restauração de Pedro, são encontros do Senhor comigo. De certa maneira, a leitura passa a ser também ‘sacramental’, porque posso e devo sentir os seus efeitos graciosos em minha vida concreta. Eu e meu coração prostituto somos confrontados e redimidos pelo Senhor. Eu e o meu coração fraudulento somos perdoados e libertados pelo Senhor. Eu e o meu coração idolátrico e escravo das forças do inferno somos purificados e santificados pelo Senhor. Eu e, precisamente, eu e meu coração somos restaurados de nossa incredulidade e como Pedro, de nossa desafeição pelo Senhor.
A Lectio nos proporciona a deixar o texto ler a nossa alma e esquadrinhar o nosso coração. Mas, essa maneira de ler a Bíblia exigirá uma resposta imediata e concreta. Essa resposta é a oração. Por isso a Lectio é uma leitura orante, pois é preciso orar com o texto lido e as suas implicações sobre o coração. Então, a oração deixa de ser um movimento espontâneo, casual e muitas vezes sem substância, sem uma ‘gramática’, e se torna um movimento provocado, uma resposta às interpelações da Palavra de Deus. O texto mesmo nos fornece uma substância, uma gramática, Palavras cujo fonema, o idioma, é aquele mesmo ‘falado’ por Deus quando se dirigiu a nós no texto divinamente inspirado. Nesse momento de oração, o coração já está abastecido de significados espirituais, os afetos já estão aquecidos pelos toques ‘sacramentais’ da graça pela ação do Espírito Santo.
Esse momento de oração é vívido, pois os afetos formam imagens em nossa mente que nos levam ao gozo, ao contentamento, a vibrantes ações de graças e também a sofridos gemidos de quebrantamento. Não somente a mente ora, mas coração, corpo e mente se entregam ao momento e envolvem todo o nosso ser. A Lectio Divina como disciplina espiritual envolve todos os aspectos centrais da formação espiritual: leitura, meditação, oração, contemplação e como diziam os antigos, “praticação”, uma atitude de mudança em face do gentil convite renovado em cada Lectio de se seguir o Cordeiro por onde quer que ele vá. Acostume-se à leitura orante e sapiencial das Escrituras.
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Luiz Fernando dos Santos (1970-2022), foi ministro presbiteriano e era casado com Regina, pai da Talita e professor de teologia no Seminário Presbiteriano do Sul e no Seminário Teológico Servo de Cristo.
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