Opinião
- 20 de junho de 2013
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Ideias para um manifestante cristão
Primeiro, o óbvio. Os brasileiros não são mundialmente conhecidos por sua capacidade de sair às ruas e protestar. Os fatos recentes contrariam essa percepção. Será que, ainda que tarde, realmente nos despertamos para um exercício consciente e saudável de cidadania? Também para os cristãos, é natural que se levantem perguntas em seu meio sobre o que diz sua fé sobre o tema, se é legítimo ou não, e, em especial, como deve ser a atitude diante de autoridades constituídas.
No mês passado escrevi um artigo exatamente sobre isso, buscando refletir na relação de Paulo com as autoridades de sua época. Um leitor entendeu que eu defendia o poder das autoridades. Curioso, já que o objetivo havia sido o de relativizar a obediência cega às mesmas, apontando para uma autoridade maior, divina, e para a sua justiça. Esse deveria ser o contexto onde aspiramos, intercedemos e fazemos o que está ao nosso alcance para que essa justiça mais perfeita esteja disponível a todos. Então aqui volto ao tema, sugerindo alguns breves princípios, ideias, para o discípulo de Jesus que deseja sair às ruas ou engajar-se em qualquer outro tipo de cidadania responsável.
Ideia 1: É legítimo manifestar-se
Os cristãos não só podem como devem ser cidadãos conscientes que fazem ouvir sua voz na sociedade. É só ler com calma esses dois textos clássicos (Rm 13.1-7 e 1 Pe 2.13-17) para observar que a honra, o respeito a todos, a prática do bem e da justiça, são a moldura para o tema da submissão às autoridades. Ou seja, é como um manual de desobediência civil, justamente ao dar as pautas mais importantes que devem sempre ser buscadas, o bem e a justiça. A intercessão e a honra às autoridades se dão nesse contexto de buscar levá-las a que cumpram bem o seu papel.
Ideia 2: Busque o direito do outro antes que seu próprio direito
Algo interessante parece acontecer agora quando, por exemplo, quem não usa o transporte público também protesta pelo preço alto dessas tarifas. Se for assim, e se permanecer essa tendência, é um bom sinal. Na verdade, isso deveria ser uma regra para os cristãos. Saio para protestar e demandar - ou ao menos deveria fazê-lo - sempre buscando em primeiro lugar o direito e o bem do outro, e não priorizando o meu direito particular; em especial, os menos favorecidos e os sem voz (Pv 31.8-9), aqueles que sofrem injustamente, os excluídos. É primeiramente em nome destes que devo levantar minha voz. Devo proteger e preservar a vida daqueles que, por diferentes razões, estão limitados ou cerceados para fazê-lo.
Ideia 3: Não confie demasiado no poder das massas
Ainda que o despertar da cidadania seja lindo, a adrenalina da multidão algo impressionante e o envolver-se neste movimento tão amplo seja algo único e emocionante, peço licença para fazer algumas ressalvas. Os esperançosos que me perdoem, mas permaneço um pouco cético, expectante, com o tal “despertar do gigante”. Talvez seja a distância. Vivo fora do Brasil há quase 7 anos.
Quando os protestos se expandiram, eu estava sobrevoando o Brasil de volta ao Uruguai, depois de uma visita à Venezuela. É possível que na Venezuela eu tenha aprendido a ser ainda mais cético sobre o poder de uma mentalidade de massas, seja à direita ou à esquerda. Parece que quando me identifico com um bando, com uma massa, resulta que aparentemente meu juízo autocrítico e minha capacidade de discernimento diminuem. Defendo tanto minhas bandeiras que parece que não escuto argumentos que possam vir “do outro lado”. É como se os outros fossem inimigos, a quem preciso derrotar. Quem são os outros? As generalizações costumam acompanhar os movimentos de massas. Foi no nosso vizinho ao norte, lendo um livro para entender melhor o fenômeno de Chávez, que li essa citação: “Para entender uma revolução e seus participantes, há que observá-los de perto. Para julgá-los, há que vê-los à distância”. Possivelmente se refira à distância do tempo, aquela que nos permite julgar melhor a que veio determinado movimento social. De quem é a citação? Simón Bolívar, o libertador referência para o “comandante”. Uma doce ironia, não? O próprio Bolívar diria que para julgar a que Chávez veio haverá que esperar um bom tempo. Uma palavra sábia tanto para seus partidários como para seus críticos.
Ideia 4: A cidadania é um exercício contínuo
Será que os apóstolos ou o próprio Cristo pensavam que bastaria mudar um César por outro ou um império por um novo para que a justiça de Deus se cumprisse na terra? Ao que parece, essas não eram suas agendas ou expectativas. Nada contra quem milita em algum partido político ou em quem confia em algum novo projeto político para a sociedade. Que continuem a trabalhar bem com a referência do bem, da correção e da justiça para todos. Mas a tarefa principal, a meu ver, não se dará em dias de empolgantes e dramáticas saídas às ruas. Será algo mais entediante, difícil, tortuoso, no árduo caminho do compromisso e da participação em todos os níveis de uma sociedade organizada. Tampouco seja o caso de somente “buscar votar melhor da próxima vez”. De nada adianta esse ou aquele no poder, se o “gigante desperto” continua dormindo na maior parte do tempo, quando o que passa na tela da tevê exerce menos fascínio e sedução. Quando se requer diálogo, longas negociações, criatividade, meter a mão na massa, sujá-la em serviço digno aos demais, talvez nessas horas não tenhamos uma multidão tão ávida. Ou talvez sim, o tempo dirá. Como cristãos, espero que estejamos na frente da fila desse trabalho penoso de um exercício contínuo da cidadania.
Leia mais
A baderna de Deus e a baderna dos homens
Imprensa brasileira: a História se repete?
Jesus não iria às manifestações
No mês passado escrevi um artigo exatamente sobre isso, buscando refletir na relação de Paulo com as autoridades de sua época. Um leitor entendeu que eu defendia o poder das autoridades. Curioso, já que o objetivo havia sido o de relativizar a obediência cega às mesmas, apontando para uma autoridade maior, divina, e para a sua justiça. Esse deveria ser o contexto onde aspiramos, intercedemos e fazemos o que está ao nosso alcance para que essa justiça mais perfeita esteja disponível a todos. Então aqui volto ao tema, sugerindo alguns breves princípios, ideias, para o discípulo de Jesus que deseja sair às ruas ou engajar-se em qualquer outro tipo de cidadania responsável.
Ideia 1: É legítimo manifestar-se
Os cristãos não só podem como devem ser cidadãos conscientes que fazem ouvir sua voz na sociedade. É só ler com calma esses dois textos clássicos (Rm 13.1-7 e 1 Pe 2.13-17) para observar que a honra, o respeito a todos, a prática do bem e da justiça, são a moldura para o tema da submissão às autoridades. Ou seja, é como um manual de desobediência civil, justamente ao dar as pautas mais importantes que devem sempre ser buscadas, o bem e a justiça. A intercessão e a honra às autoridades se dão nesse contexto de buscar levá-las a que cumpram bem o seu papel.
Ideia 2: Busque o direito do outro antes que seu próprio direito
Algo interessante parece acontecer agora quando, por exemplo, quem não usa o transporte público também protesta pelo preço alto dessas tarifas. Se for assim, e se permanecer essa tendência, é um bom sinal. Na verdade, isso deveria ser uma regra para os cristãos. Saio para protestar e demandar - ou ao menos deveria fazê-lo - sempre buscando em primeiro lugar o direito e o bem do outro, e não priorizando o meu direito particular; em especial, os menos favorecidos e os sem voz (Pv 31.8-9), aqueles que sofrem injustamente, os excluídos. É primeiramente em nome destes que devo levantar minha voz. Devo proteger e preservar a vida daqueles que, por diferentes razões, estão limitados ou cerceados para fazê-lo.
Ideia 3: Não confie demasiado no poder das massas
Ainda que o despertar da cidadania seja lindo, a adrenalina da multidão algo impressionante e o envolver-se neste movimento tão amplo seja algo único e emocionante, peço licença para fazer algumas ressalvas. Os esperançosos que me perdoem, mas permaneço um pouco cético, expectante, com o tal “despertar do gigante”. Talvez seja a distância. Vivo fora do Brasil há quase 7 anos.
Quando os protestos se expandiram, eu estava sobrevoando o Brasil de volta ao Uruguai, depois de uma visita à Venezuela. É possível que na Venezuela eu tenha aprendido a ser ainda mais cético sobre o poder de uma mentalidade de massas, seja à direita ou à esquerda. Parece que quando me identifico com um bando, com uma massa, resulta que aparentemente meu juízo autocrítico e minha capacidade de discernimento diminuem. Defendo tanto minhas bandeiras que parece que não escuto argumentos que possam vir “do outro lado”. É como se os outros fossem inimigos, a quem preciso derrotar. Quem são os outros? As generalizações costumam acompanhar os movimentos de massas. Foi no nosso vizinho ao norte, lendo um livro para entender melhor o fenômeno de Chávez, que li essa citação: “Para entender uma revolução e seus participantes, há que observá-los de perto. Para julgá-los, há que vê-los à distância”. Possivelmente se refira à distância do tempo, aquela que nos permite julgar melhor a que veio determinado movimento social. De quem é a citação? Simón Bolívar, o libertador referência para o “comandante”. Uma doce ironia, não? O próprio Bolívar diria que para julgar a que Chávez veio haverá que esperar um bom tempo. Uma palavra sábia tanto para seus partidários como para seus críticos.
Ideia 4: A cidadania é um exercício contínuo
Será que os apóstolos ou o próprio Cristo pensavam que bastaria mudar um César por outro ou um império por um novo para que a justiça de Deus se cumprisse na terra? Ao que parece, essas não eram suas agendas ou expectativas. Nada contra quem milita em algum partido político ou em quem confia em algum novo projeto político para a sociedade. Que continuem a trabalhar bem com a referência do bem, da correção e da justiça para todos. Mas a tarefa principal, a meu ver, não se dará em dias de empolgantes e dramáticas saídas às ruas. Será algo mais entediante, difícil, tortuoso, no árduo caminho do compromisso e da participação em todos os níveis de uma sociedade organizada. Tampouco seja o caso de somente “buscar votar melhor da próxima vez”. De nada adianta esse ou aquele no poder, se o “gigante desperto” continua dormindo na maior parte do tempo, quando o que passa na tela da tevê exerce menos fascínio e sedução. Quando se requer diálogo, longas negociações, criatividade, meter a mão na massa, sujá-la em serviço digno aos demais, talvez nessas horas não tenhamos uma multidão tão ávida. Ou talvez sim, o tempo dirá. Como cristãos, espero que estejamos na frente da fila desse trabalho penoso de um exercício contínuo da cidadania.
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Jesus não iria às manifestações
É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP), serve globalmente como secretário adjunto para o engajamento com as Escrituras na IFES (International Fellowship of Evangelical Students) e também apoia a equipe da IFES América Latina.
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