Opinião
- 22 de outubro de 2012
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Governo: para que serve?
No início de setembro levei minha esposa para o aeroporto aqui em Charlotte, nos Estados Unidos, onde estamos residindo desde abril. Ela iria visitar nossos netos. O aeroporto estava diferente naquele dia. Havia muitas pessoas da área de segurança e pessoas fazendo campanha política. É o ano de eleição presidencial nos Estados Unidos e estava acontecendo na minha cidade a Convenção Democrata Nacional. Na semana anterior, os republicanos realizaram sua convenção em Tampa. A eleição será no dia 06 de novembro e as notícias todas giram em torno disto. Ora a atenção é dada aos republicanos, ora aos democratas. Normal. No entanto, percebo uma diferença desta eleição com as outras.
Eu acostumava pensar (e falar) que a diferença entre os partidos dos democratas e dos republicanos não era tão grande em comparação com as diversas ideologias representadas pelos partidos brasileiros. Afinal, no Brasil, as ideologias variam desde a “esquerda” passando pelo “centro” até chegar à “direita”. Até mesmo por esta nomenclatura comum, eu sempre considerava os partidos brasileiros ideologicamente mais variáveis que os estadunidenses. As últimas eleições presidenciais estadunidenses pareciam confirmar esta pouca diferença entre democratas e republicanos em comparação com os partidos brasileiros. Pois ambos os partidos abrandavam o seu discurso a fim de conquistar os poucos indecisos que iriam fazer a diferença entre quem ganha e quem perde. Não víamos candidatos “radicais”, mas sim “de centro”. Mas na última eleição isso já não era mais assim. E na atual está mais patente ainda. Uma diferença fundamental e ideológica entre os dois partidos é: o conceito do papel do governo no bem-estar da população.
Há diferenças entre partidos e, mais especificamente, plataformas que precisam ser levadas em conta quando elegemos um candidato. Infelizmente muitos ainda se encantam com as aparências, quer físicas, oratórias ou até mesmo religiosas. Projetos e propostas específicas são mais importantes, assim como os meios propostos para executá-los. Aqui, nesta reflexão, quero sugerir que por trás dos projetos partidários há (ou deverá haver) um conceito de papel de governo.
Por um lado, especialmente nos Estados Unidos que se iniciou com um protesto contra impostos tidos como abusivos (“Boston Tea Party”), existe uma pré-disposição contra governos centralizados. Aliás, essa era a mesma pré-disposição por trás da Guerra da Secessão em meados do século 19 (tanto quanto, talvez até mais, que a questão da escravidão em si). O Partido Republicano explora esta tendência advogando tipicamente a redução dos impostos (geralmente mais para os ricos). A ideia geral é de pouco envolvimento de governo e maior iniciativa privada. Por exemplo, certo dia o candidato republicano ironizou a ideologia do atual presidente: “O presidente Obama prometeu começar a diminuir a ascensão dos oceanos...” (neste momento, a audiência republicana deu risadas) “... e sarar o planeta. Minha promessa... é ajudar você e a sua família”. É uma ideologia de não interferência governamental que zomba da tentativa de transformar o mundo e prioriza o ganho pessoal como o melhor meio para alcançar o bem maior.
Isto nos leva a pensar sobre o papel bíblico do governo. Existe uma perspectiva bíblica? Sim. Não que isto determine qual deva ser sua preferência partidária, mas a Bíblia nos apresenta uma perspectiva que deverá pesar bastante na avaliação do seu apoio partidário. Vejamos.
O ensino mais explícito e extensivo no Novo Testamento sobre o propósito do governo se encontra em Romanos, capítulo 13. No versículo 4, Paulo diz que o propósito das autoridades civis é duplo: por um lado, “fazer o bem” e encorajar as pessoas e as entidades que fazem o bem, e, por outro lado, restringir o mal castigando quem o pratica. Logo, o governo é “ministro de Deus para o seu bem”. “Fazer o bem” era um valor comum e conhecido na cultura romana, manifesto através do sistema de benfeitoria.1 Podemos concluir que o propósito e o foco do governo devem ser o “bem comum”.
Portanto, o propósito do governo é proteger e promover. Proteger do mal e promover o bem, e Paulo ainda nos diz que devemos pagar impostos para estes fins. Portanto, uma ideologia que caracteriza governo, isto é, o fenômeno do governo como o problema central da sociedade, simplesmente se contrapõe à perspectiva bíblica. Vejamos um pouquinho mais.
Primeiro, o governo existe para proteger o povo. Isto inclui a segurança dos seus cidadãos. Inclui a luta e a punição de todas as formas de crime e violência. Mas a proteção também deve ser judicial. É a responsabilidade do governo assegurar que os sistemas judiciários e legais sejam justos. Os profetas frequentemente criticavam decisões de tribunais injustos e sistemas onde os ricos e poderosos manipulam os processos legais para o seu próprio benefício e colocam os pobres cada vez mais em dívida e aflição. O profeta Amós (5.15) denuncia diretamente os tribunais corruptos e exorta: “Odeiem aquilo que é mau, amem o que é bom e façam com que os direitos de todos sejam respeitados nos tribunais.”
Num país de tantos partidos como o Brasil, para conseguir governar, é necessário a criação de alianças. Dessa forma, pelo menos algumas diferenças entre alguns dos partidos entram em negociação ainda antes da eleição. Num sistema efetivamente bipartidário como nos Estados Unidos, a briga se dar não só até a eleição em si, mas continua de um jeito ou de outro ao longo dos mandatos, o que torna, muitas vezes, difícil governar e faz com que o sistema pareça conturbado e estranho para que os que olham de fora.
Nota:
1 Para mais informações e um exemplo de como Paulo está cooptando este valor comum do império, veja o meu “A missão social da igreja: desde Romanos 13.1-7 até Constantino” em “Teologia e Sociedade” (dezembro de 2005) n 2, p 38-49.
teólogo, missionário da Igreja Presbiteriana Independente, capelão d’A Rocha Brasil e surfista nas horas vagas. Pela Editora Ultimato, é autor de O Propósito de Deus e a Nossa Vocação, A Visão Missionária na Bíblia e Trabalho, Descanso e Dinheiro. É blogueiro da Ultimato.
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