Opinião
- 18 de maio de 2016
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Evangélicos que abusam de crianças
Lá longe, aqui perto, o problema está em todo lugar! É possível combater o abuso sexual de crianças perpetrado por pessoas envolvidas em ministério pastoral ou ministerial? Nós, evangélicos, acreditamos com facilidade nas denúncias de abusos cometidos por padres católicos que usam de sua posição de autoridade e confiança comunitária para comprar o silêncio de suas vítimas e perpetuar a situação abusiva. Será que tal comportamento é prerrogativa apenas dos religiosos não evangélicos? É evidente que não! Assim como é também evidente que algo mais preventivo precisa ser feito, como via de regra, em nossas comunidades de fé para proteger as crianças dos lobos que por aqui se vestirem de ovelhas!
A ABWE (Association of Baptists for World Evangelism), uma agência missionária norte-americana, acaba de publicar um relatório no qual ela admite que as alegações de assédio e abuso sexual de crianças que circularam por anos contra o missionário Donn Ketcham eram, de fato, verdadeiras. O missionário trabalhou como cirurgião em um hospital mantido pela missão no Bangladesh entre os anos 1961 e 1989. Sua vítimas incluem 4 mulheres e 18 crianças.
“Todo o remorso, culpa ou vergonha do mundo não seriam suficientes para reverter o sofrimento e dor que causamos,” afirmou Al Cockrell, presidente interino da ABWE, ao anunciar a publicação do relatório. “Nos dispomos a nos encontrar com as vítimas pessoalmente para expressar nosso pedido de perdão com um coração contrito; queremos custear o aconselhamento delas, e garantir para elas que estamos implementando as medidas necessárias para prevenir que comportamento tão deplorável venha a acontecer novamente.”
As meninas, todas filhas de missionários da mesma missão, hoje já são mães e em alguns casos avós. Esperaram por décadas para que suas histórias fossem ouvidas e reconhecidas como verdadeiras. Este novo capítulo está sendo escrito pela ação cada vez mais insistente de alguns grupos de filhos de missionários, em sua maioria, egressos de internatos mantidos por agências missionárias nos países onde mantinham suas bases de operação. Wess Stafford, presidente emérito da Compassion International, compartilhou em 2010 numa reportagem de capa da “Christianity Today” sobre os abusos sofridos quando criança e estudante de internato semelhante na África Ocidental. [leia aqui o testemunho de Wess em português]. No caso da ABWE, todas as crianças moravam com seus pais numa base missionária.
Uma outra agência missionária, a New Tribes Mission, com atuação global entre povos tribais, operou por várias décadas escolas para filhos de missionários norte-americanos em regime de internato. Como o trabalho que realizam é focado nas aldeias de povos indígenas onde não havia sequer a oferta de educação formal, sempre acharam justificável oferecer para seus filhos uma educação mais compatível com a que teriam nos Estados Unidos. Outras missões fizeram o mesmo, mas não com uma duração tão extensa transpondo várias gerações. Há casos de filhos de missionários egressos destas escolas que, hoje adultos, demandam o reconhecimento de que foram abusados ali e entendem que a agência missionária mantenedora é responsável em parte pelos abusos sofridos. Eles acreditam também que internatos onde as crianças são retiradas da família protetora para viverem segmentadas por idade, longe inclusive de seus irmãos, são ambientes propícios ao abuso. No Brasil, um destes internatos fechou, há vários anos, o outro continua em funcionamento.
O Brasil também está neste mapa. Em 2013, o missionário Warren Scott Kennel , 45, na época atuando como enviado da New Tribes Mission, que traduzia a Bíblia para a etnia Katukina no Norte do país, foi interceptado ao entrar no Aeroporto Internacional de Miami. A polícia aduaneira vasculhou seus pertences e encontrou em seu computador e pendrives mais de 940 imagens pornográficas envolvendo crianças. Em algumas delas Kennel era o próprio abusador. O missionário foi preso, respondeu processo e cumprirá 58 anos na cadeia por abuso sexual e participação na exploração sexual comercial de crianças.
Para qualquer líder de ministério ou agência missionária, este é o seu pior pesadelo! Muitos têm dificuldade em aceitar que seus próprios colegas possam ter uma vida dupla tão grotesca. E nós, cristãos em geral, temos dificuldade em não taxar o grupo todo como responsável pelas ações de uma pessoa, que oprimiu vidas inocentes anos a fio. É por isto que iniciativas como a da Junta de Missões Mundiais (JMM) da Convenção Batista Brasileira são tão relevantes e imprescindíveis. A junta publicou no ano passado sua Política de Proteção da Criança. Tais políticas são documentos que preconizam as ações com as quais todos em uma organização devem se comprometer para garantir a proteção de suas crianças. A recente publicação da política interna de proteção à criança da JMM é fruto de um trabalho sério de sua liderança que inclui prever ações que protejam as crianças que serão tocadas pela ação missionária em toda a sua rede. O manual aborda ações desde o recrutamento do candidato a missões até a sua manutenção no campo. A ideia é ajudar os missionários nos campos a agirem com mais clareza e rapidez quando suspeitam algum comportamento danoso de um colega ou associado e também formar nestes uma consciência de agentes de defesa das crianças em primeiro lugar, acima inclusive, da imagem de sua instituição.
Para os que ouvem estas coisas e imaginam que o problema é “norte-americano”, cabe uma pergunta: qual é a chance de um missionário brasileiro com o mesmo crime de Kennel, trabalhando no exterior, ser apreendido ao entrar no Brasil, ser encarcerado, julgado e condenado a 58 anos de prisão? Temos o mesmo problema, mas o grau de impunidade que reina no Brasil nos ajuda a negar a sua existência.
• Elsie Gilbert é jornalista e editora do blog da Rede Mãos Dadas.
Imagem: Freeimages.com
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“Todo o remorso, culpa ou vergonha do mundo não seriam suficientes para reverter o sofrimento e dor que causamos,” afirmou Al Cockrell, presidente interino da ABWE, ao anunciar a publicação do relatório. “Nos dispomos a nos encontrar com as vítimas pessoalmente para expressar nosso pedido de perdão com um coração contrito; queremos custear o aconselhamento delas, e garantir para elas que estamos implementando as medidas necessárias para prevenir que comportamento tão deplorável venha a acontecer novamente.”
As meninas, todas filhas de missionários da mesma missão, hoje já são mães e em alguns casos avós. Esperaram por décadas para que suas histórias fossem ouvidas e reconhecidas como verdadeiras. Este novo capítulo está sendo escrito pela ação cada vez mais insistente de alguns grupos de filhos de missionários, em sua maioria, egressos de internatos mantidos por agências missionárias nos países onde mantinham suas bases de operação. Wess Stafford, presidente emérito da Compassion International, compartilhou em 2010 numa reportagem de capa da “Christianity Today” sobre os abusos sofridos quando criança e estudante de internato semelhante na África Ocidental. [leia aqui o testemunho de Wess em português]. No caso da ABWE, todas as crianças moravam com seus pais numa base missionária.
Uma outra agência missionária, a New Tribes Mission, com atuação global entre povos tribais, operou por várias décadas escolas para filhos de missionários norte-americanos em regime de internato. Como o trabalho que realizam é focado nas aldeias de povos indígenas onde não havia sequer a oferta de educação formal, sempre acharam justificável oferecer para seus filhos uma educação mais compatível com a que teriam nos Estados Unidos. Outras missões fizeram o mesmo, mas não com uma duração tão extensa transpondo várias gerações. Há casos de filhos de missionários egressos destas escolas que, hoje adultos, demandam o reconhecimento de que foram abusados ali e entendem que a agência missionária mantenedora é responsável em parte pelos abusos sofridos. Eles acreditam também que internatos onde as crianças são retiradas da família protetora para viverem segmentadas por idade, longe inclusive de seus irmãos, são ambientes propícios ao abuso. No Brasil, um destes internatos fechou, há vários anos, o outro continua em funcionamento.
O Brasil também está neste mapa. Em 2013, o missionário Warren Scott Kennel , 45, na época atuando como enviado da New Tribes Mission, que traduzia a Bíblia para a etnia Katukina no Norte do país, foi interceptado ao entrar no Aeroporto Internacional de Miami. A polícia aduaneira vasculhou seus pertences e encontrou em seu computador e pendrives mais de 940 imagens pornográficas envolvendo crianças. Em algumas delas Kennel era o próprio abusador. O missionário foi preso, respondeu processo e cumprirá 58 anos na cadeia por abuso sexual e participação na exploração sexual comercial de crianças.
Para qualquer líder de ministério ou agência missionária, este é o seu pior pesadelo! Muitos têm dificuldade em aceitar que seus próprios colegas possam ter uma vida dupla tão grotesca. E nós, cristãos em geral, temos dificuldade em não taxar o grupo todo como responsável pelas ações de uma pessoa, que oprimiu vidas inocentes anos a fio. É por isto que iniciativas como a da Junta de Missões Mundiais (JMM) da Convenção Batista Brasileira são tão relevantes e imprescindíveis. A junta publicou no ano passado sua Política de Proteção da Criança. Tais políticas são documentos que preconizam as ações com as quais todos em uma organização devem se comprometer para garantir a proteção de suas crianças. A recente publicação da política interna de proteção à criança da JMM é fruto de um trabalho sério de sua liderança que inclui prever ações que protejam as crianças que serão tocadas pela ação missionária em toda a sua rede. O manual aborda ações desde o recrutamento do candidato a missões até a sua manutenção no campo. A ideia é ajudar os missionários nos campos a agirem com mais clareza e rapidez quando suspeitam algum comportamento danoso de um colega ou associado e também formar nestes uma consciência de agentes de defesa das crianças em primeiro lugar, acima inclusive, da imagem de sua instituição.
Para os que ouvem estas coisas e imaginam que o problema é “norte-americano”, cabe uma pergunta: qual é a chance de um missionário brasileiro com o mesmo crime de Kennel, trabalhando no exterior, ser apreendido ao entrar no Brasil, ser encarcerado, julgado e condenado a 58 anos de prisão? Temos o mesmo problema, mas o grau de impunidade que reina no Brasil nos ajuda a negar a sua existência.
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