Opinião
- 09 de janeiro de 2017
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Descanso para sentir. Silêncio para ouvir
Por Gladir Cabral
Depois de um ano inteiro de correria, de trabalhos acumulados e estendidos, de rotina exaustiva de tantas buscas, metas a serem alcançadas, produção e mais produção, trabalho e mais trabalho, eis que chegamos ao tempo das férias de verão. Nosso corpo cansado e nossa cabeça atucanada já se haviam desacostumado a descansar. Sentimos que falta algo. Incomodam-nos o ócio, o tédio e a improdutividade. Diria até que uma pitada de culpa vem empanar o brilho destas tão merecidas férias.
No entanto, é preciso lembrar que o descanso entra nas Escrituras primeiramente como parte do movimento criativo de Deus que, após criar o mundo e tudo o que nele há, em seis dias, escolheu o sétimo para descansar, dando-nos um grande exemplo. Como bem lembra Jacques Ellul, a história humana começa quando Deus resolve descansar. E não por acaso, as Escrituras colocam o descanso como mandamento para nossas vidas. Está nas tábuas divinas concedidas a Moisés: “Lembra-te do dia de sábado...”.
Não precisamos de pressa nem de morosidade. Vivamos com atenção o presente, pois afinal “esse é o tempo que importa” (Leon Tolstoy). Aprendamos com a natureza. Os ursos hibernam a cada inverno, assim como vários tipos de árvores, que deixam amarelar e cair suas folhas, à espera do ressurgimento da vida na próxima primavera. Não apenas nosso dia é intercalado com períodos preciosos de descanso (o sono), mas também nossa semana de trabalho é intermeada por dias de repouso e devoção (Sabath). Num ciclo mais longo, precisamos ao fim de um ano de lutas, encontrar lugar e tempo para descanso.
Thomas Merton disse certa vez: “Se não temos nenhum descanso, Deus não abençoa nosso trabalho”, tão importante é o descanso para nossa vida. E assim, aproveitamos o período de repouso para renovar nossa vida espiritual e refletir sobre a caminhada até aqui e os próximos passos a serem trilhados. O descanso é oportunidade para exercício da contemplação, da oração, da meditação. Como sugere filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, o tempo livre contribui para nosso alimento espiritual. Ou como me disse certa vez um amigo meu, mecânico de caminhão, “no domingo a gente sente a vida”.
O descanso é também uma oportunidade para escapar do poder encantatório do tempo planificado, regulado pela modernidade e pelo mercado. Esse é um grande desafio, já que até mesmo o tempo de lazer está comprometido pela lógica do consumo e do controle. Há, portanto, um quê de resistência no ato de descansar. Configura-se num gesto político autêntico, que rejeita até mesmo a sedução do mercado turístico e da indústria do lazer. O filósofo protestante Jacques Ellul denuncia o caráter idolátrico, religioso do mercado e suas prerrogativas absolutas.
O descanso torna-se mais significativo ainda quando acompanhado de silêncio e arte. No silêncio, na pausa, podemos contemplar a beleza da criação e saborear o mistério da vida. É preciso parar para pensar. É preciso parar para sentir. É preciso parar para digerir o que se passa. Sem silêncio não há palavra, nem poema, nem música. Sem pausa não há movimento nem direção. Como diria Josef Pieper, “o tempo livre é uma condição da alma”.
Em seu livro sobre a arte do silêncio, Pico Iyer escreve que “só os que estão em silêncio podem ouvir”. Parece óbvio, mas no dia a dia acabamos nos esquecendo desse princípio e perdendo pouco a pouco a capacidade de silenciar e, portanto, de ouvir. A própria leitura se enriquece com o descanso, como recomenda Thomas Merton: “Penso que preciso desta colina, deste silêncio, desta geada, para realmente entender este grande poema, viver nele”.
O descanso é providencial também para fertilizar nossa criatividade e inspirar nossa imaginação. É nesse contexto de relaxamento que a arte se torna possível. Nascem canções, quadros, poemas, livros. E ouvimos Mário Quintana ao dizer: “O que prejudica a minha preguiça prejudica o meu trabalho”, pois não há como ser criativo sem certa medida de ócio santo.
Talvez a melhor definição de descanso seja esta de Thomas Merton: “Para esta tarde tornar-se minha própria eternidade, ela deve ser minha própria tarde, e eu devo possuir a mim mesmo nela, não ser possuído por livros, por ideias que não são minhas, por uma compulsão para produzir o que ninguém necessita. Mas simplesmente glorificar a Deus ao aceitar seu dom e seu trabalho. Servi-lo é trabalhar de modo que eu mesmo possa viver”.
*****
Comece sua semana ouvindo a canção “Lindrin”, de Gladir Cabral, interpretada por Airô Barros:
Além da canção, Gladir tem outras duas indicações: o livro Meditatio, de Osmar Ludovico, publicado pela Mundo Cristão (2007), e O Caminho do Coração, de Ricardo Barbosa de Sousa, publicado pela Encontro (2004).
Leia também
Para que descansar? [Esly Regina Carvalho]
O ritmo da criação [Valdir Steuernagel]
Férias de que? O desafio de desplugar-se [Taís Machado]
Problema espiritual ou falta de fperias? [John Stott]
Trabalho, Descanso e Dinheiro – Uma abordagem bíblica [Timóteo Carriker]
Foto: Blickpixel/Pixabay.com.
Depois de um ano inteiro de correria, de trabalhos acumulados e estendidos, de rotina exaustiva de tantas buscas, metas a serem alcançadas, produção e mais produção, trabalho e mais trabalho, eis que chegamos ao tempo das férias de verão. Nosso corpo cansado e nossa cabeça atucanada já se haviam desacostumado a descansar. Sentimos que falta algo. Incomodam-nos o ócio, o tédio e a improdutividade. Diria até que uma pitada de culpa vem empanar o brilho destas tão merecidas férias.
No entanto, é preciso lembrar que o descanso entra nas Escrituras primeiramente como parte do movimento criativo de Deus que, após criar o mundo e tudo o que nele há, em seis dias, escolheu o sétimo para descansar, dando-nos um grande exemplo. Como bem lembra Jacques Ellul, a história humana começa quando Deus resolve descansar. E não por acaso, as Escrituras colocam o descanso como mandamento para nossas vidas. Está nas tábuas divinas concedidas a Moisés: “Lembra-te do dia de sábado...”.
Não precisamos de pressa nem de morosidade. Vivamos com atenção o presente, pois afinal “esse é o tempo que importa” (Leon Tolstoy). Aprendamos com a natureza. Os ursos hibernam a cada inverno, assim como vários tipos de árvores, que deixam amarelar e cair suas folhas, à espera do ressurgimento da vida na próxima primavera. Não apenas nosso dia é intercalado com períodos preciosos de descanso (o sono), mas também nossa semana de trabalho é intermeada por dias de repouso e devoção (Sabath). Num ciclo mais longo, precisamos ao fim de um ano de lutas, encontrar lugar e tempo para descanso.
Thomas Merton disse certa vez: “Se não temos nenhum descanso, Deus não abençoa nosso trabalho”, tão importante é o descanso para nossa vida. E assim, aproveitamos o período de repouso para renovar nossa vida espiritual e refletir sobre a caminhada até aqui e os próximos passos a serem trilhados. O descanso é oportunidade para exercício da contemplação, da oração, da meditação. Como sugere filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, o tempo livre contribui para nosso alimento espiritual. Ou como me disse certa vez um amigo meu, mecânico de caminhão, “no domingo a gente sente a vida”.
O descanso é também uma oportunidade para escapar do poder encantatório do tempo planificado, regulado pela modernidade e pelo mercado. Esse é um grande desafio, já que até mesmo o tempo de lazer está comprometido pela lógica do consumo e do controle. Há, portanto, um quê de resistência no ato de descansar. Configura-se num gesto político autêntico, que rejeita até mesmo a sedução do mercado turístico e da indústria do lazer. O filósofo protestante Jacques Ellul denuncia o caráter idolátrico, religioso do mercado e suas prerrogativas absolutas.
O descanso torna-se mais significativo ainda quando acompanhado de silêncio e arte. No silêncio, na pausa, podemos contemplar a beleza da criação e saborear o mistério da vida. É preciso parar para pensar. É preciso parar para sentir. É preciso parar para digerir o que se passa. Sem silêncio não há palavra, nem poema, nem música. Sem pausa não há movimento nem direção. Como diria Josef Pieper, “o tempo livre é uma condição da alma”.
Em seu livro sobre a arte do silêncio, Pico Iyer escreve que “só os que estão em silêncio podem ouvir”. Parece óbvio, mas no dia a dia acabamos nos esquecendo desse princípio e perdendo pouco a pouco a capacidade de silenciar e, portanto, de ouvir. A própria leitura se enriquece com o descanso, como recomenda Thomas Merton: “Penso que preciso desta colina, deste silêncio, desta geada, para realmente entender este grande poema, viver nele”.
O descanso é providencial também para fertilizar nossa criatividade e inspirar nossa imaginação. É nesse contexto de relaxamento que a arte se torna possível. Nascem canções, quadros, poemas, livros. E ouvimos Mário Quintana ao dizer: “O que prejudica a minha preguiça prejudica o meu trabalho”, pois não há como ser criativo sem certa medida de ócio santo.
Talvez a melhor definição de descanso seja esta de Thomas Merton: “Para esta tarde tornar-se minha própria eternidade, ela deve ser minha própria tarde, e eu devo possuir a mim mesmo nela, não ser possuído por livros, por ideias que não são minhas, por uma compulsão para produzir o que ninguém necessita. Mas simplesmente glorificar a Deus ao aceitar seu dom e seu trabalho. Servi-lo é trabalhar de modo que eu mesmo possa viver”.
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Além da canção, Gladir tem outras duas indicações: o livro Meditatio, de Osmar Ludovico, publicado pela Mundo Cristão (2007), e O Caminho do Coração, de Ricardo Barbosa de Sousa, publicado pela Encontro (2004).
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Férias de que? O desafio de desplugar-se [Taís Machado]
Problema espiritual ou falta de fperias? [John Stott]
Trabalho, Descanso e Dinheiro – Uma abordagem bíblica [Timóteo Carriker]
Foto: Blickpixel/Pixabay.com.
É pastor, músico e professor de letras na Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc). É autor, em parceria com João Leonel, do e-book O Menino e o Reino: meditações diárias para o Natal. Acompanhe o seu blog pessoal.
- Textos publicados: 13 [ver]
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Site: http://ultimato.com.br/sites/gladircabral/
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