Opinião
- 30 de outubro de 2020
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Como falar sobre a morte com a criança
Por Márcia Barbutti
Era uma manhã de final de inverno quando saí de casa com uma tarefa: contar para três crianças que estavam de passagem na cidade, que o pai havia morrido, vítima de um acidente de carro, e já estava sepultado em outro município. Depois de ter brincado com as crianças, para estabelecer contato e criar algum tipo de vínculo, conversamos e, pela graça do Senhor e atuação do Espírito Santo, a triste notícia foi dada com clareza, honestidade e empatia. Foi um dos momentos mais difíceis do meu ministério como educadora cristã. Eu era uma jovem mãe e, certamente, essa experiência moldou a forma como eu e meu marido viríamos a tratar sobre a morte com as nossas filhas.
Como pais não podemos nos esquivar de falar sobre este assunto em família. Porém, conheço muitos homens e mulheres que preferem não falar ou se esquivam dessa conversa. Até certo ponto isso é natural, pois evitamos falar sobre coisas que nos incomodam ou sobre as quais não temos todas as respostas. Além disso, vivemos em uma sociedade que prefere suavizar todos os temas para as crianças para lhes poupar de qualquer tristeza ou sofrimento. Contudo, nossos filhos precisam saber lidar com a morte e cabe a nós, pais, orientá-los.
Mas antes, gostaria de lhe perguntar: como você encara a morte? Sem dúvida, quanto mais dificuldade o adulto tem de lidar com a morte, mais difícil será conversar com a criança. Por isso, lembre-se que a morte veio como consequência do pecado, logo, faz parte do nosso mundo decaído. Em nenhum momento, a Bíblia tenta disfarçar ou suavizar essa verdade, ao contrário, ela aborda de forma clara e objetiva. Devemos enxergar a morte como ela é: consequência do pecado e uma inimiga que foi vencida pelo nosso Senhor (1Co 15.21-26; 55). Ela não é o fim, pois para os que estão em Cristo, ela transforma-se em lucro, e estar com o Cristo é incomparavelmente melhor (Fp 1.21-25). Se você tem receios ou medos em relação a morte, fale com o Senhor, procure na Palavra o consolo e procure um cristão maduro para conversarem sobre o assunto.
Sabemos que a criança é limitada para compreender o que é a morte e quais são todas as suas implicações, por isso, não deixe para tratar deste assunto somente quando vier o luto.
Veja algumas dicas para lidar com o tema no dia a dia:
1. Utilize circunstâncias do cotidiano para descrever o ciclo de vida que podemos observar nas plantas, animais e pessoas – nascimento, crescimento e morte. Enfatize que é um ciclo natural e universal, pois acontece com todos. É também irreversível, o corpo para de funcionar, ou seja, a pessoa não pode mais ver, ouvir, falar, comer, se locomover, sentir firme, medo, dor... e não volta a funcionar. Essa conversa deve vir de forma tranquila e clara, sem forçar a barra.
2. Não adie a conversa quando o assunto aparecer por causa de alguma notícia ou comentário. Verifique o que seu filho já sabe sobre a morte e se algo precisa ser corrigido.
3. Respeite o nível de compreensão da criança. Observe os estágios do desenvolvimento:
- 3 - 5 anos: considera a morte temporária, reversível e impessoal. A fantasia com elementos mágicos é misturada à realidade, por isso ela pensa que a pessoa que morreu poderá voltar a viver. Não pensa na própria morte.
- 6 – 8 anos: entende que a morte é definitiva. Permanece a noção de impessoalidade. Associa a morte à imagens como a de um esqueleto e, comumente, tem pensamentos negativos e pesadelos com essas imagens associativas.
- 9 anos em diante: começa a compreender que a morte é irreversível e que está sujeita à ela, ou seja, inicia o caráter mais pessoal da morte.
Vale a pena ressaltar que cada criança se desenvolve dentro do seu próprio ritmo, e que as idades apresentadas podem variar.
4. Trate com clareza as narrativas bíblicas que tratam de personagens que lidaram com a morte. Deixe claro que a morte entrou no mundo por causa da pecado e que esse não é o plano original de Deus. Aproveite para anunciar a boa notícia da salvação e da vida eterna que temos em Cristo, e que Ele venceu a morte (1Co 15.26; 55). A criança precisa entender que a nossa vida não está limitada a esta Terra e que há esperança, pois viveremos no lar que o Senhor está preparando para os seus filhos.
Quando tiver que comunicar o falecimento de uma pessoa e trabalhar o luto em família, aproveite algumas dicas acima e também:
1. Fale de forma objetiva sem usar metáforas, do tipo “ele está dormindo”; “nós perdemos a vovó”; “ela virou anjo”; “eles viraram estrelinhas”, etc. A criança pequena percebe o mundo de forma literal e essas metáforas podem confundi-la. Fale a verdade, com cuidado, empatia e amor.
2. De acordo com a idade da criança, apresente informações adequadas. A criança precisa de informações claras, curtas e precisas. Não há necessidade de maiores detalhes, a não ser que a criança faça perguntas específicas.
3. Incentive a criança a expressar seus sentimentos como tristeza, raiva ou confusão. Estimule-a a desenhar ou escrever e deixe o espaço aberto para ela fazer qualquer tipo de pergunta. Não tente mascarar os sentimentos ou menosprezar a dor da criança. Entenda que ela pode expressar seus sentimentos de várias formas, como retração, impaciência, medos, explosões, alterações de apetite, sono e vigor, etc. Em alguns casos, a criança volta a falar e agir como se fosse bem mais nova. Essas reações são normais, porém não devem persistir por muito tempo. Caso isso ocorra, procure ajuda profissional.
4. Ajude seu filho a fazer um caderno de recordações ou caixinha com fotos, objetos, frases, relatos sobre a pessoa amada que morreu. Dessa forma, suas lembranças estarão sempre ao alcance quando a saudade bater forte.
5. Entenda que a criança pode fazer pausas no seu período de luto. Em um dia ela vai brincar normalmente e em outro voltar a chorar e sentir-se como um caracol dentro de sua casca. Deixe claro que tudo bem sentir a alegria e depois tristeza. Com o tempo, essa tristeza enorme vai mudar para uma saudade tranquila e serena.
6. Seja um exemplo para o seu filho. Isso não quer dizer que você precisa ser forte o tempo todo e não demostrar seus sentimentos. Seja sincero em expressar sua dor e saudade, mas também a confiança no amor e cuidado de Deus. É comum a criança pensar que seus pais ou pessoas mais próximas também irão morrer e ela ficará desamparada, por isso, reforce o amor e amparo do Senhor.
Que o Senhor Jesus, aquele que venceu a morte e nos deu a vida eterna e abundante, lhe conceda sabedoria e sensibilidade para que seus filhos cresçam confiantes na presença amorosa e atuante do Deus Pai.
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É editora assistente da Editora Cultura Cristã, responsável pelos materiais infanto-juvenis.
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