Opinião
- 05 de setembro de 2013
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Cientistas vocacionados
A ciência envolve pessoas em um enorme espectro de carreiras: ensino, indústria, escrita, medicina, agricultura... Eu gastei boa parte do meu tempo, na “Christians in Science”, interagindo com cientistas no contexto da universidade. Tem sido interessante perguntar o que atraiu as pessoas para a pesquisa em primeiro lugar. As razões principais parecem ser a sede pelo conhecimento e o desejo de tornar o mundo melhor: a maioria dos cientistas compartilha ambas as motivações, embora em extensões diferentes.
Completei meu PhD em genética na Universidade de Edimburgo, na Unidade de Genética Humana do Conselho de Pesquisa Médica (financiado pelo governo). A instituição era baseada em um hospital, o que sempre nos lembrava da razão pela qual estávamos ali. Quando eu andava pelo corredor de acesso, o cheiro de hospital me atingia e eu via pessoas sendo transportadas ao longo do corredor. Isso era chocante em alguns momentos, pois lembrava que o que eu fazia ainda estava longe de contribuir concretamente com a cura de alguma coisa.
A escolha do meu tema de PhD deveu-se, em partes, ao meu pensamento de que ele poderia gerar um impacto nas pessoas e não apenas nos ricos ocidentais. Eu pesquisava poluentes ambientais e sua influência em crianças não-nascidas. Um embrião que carrega um gene doente pode ser perfeitamente sadio até que um distúrbio ambiental, como um agente químico tóxico, dispare o processo de uma doença (genética). Eu procurava um “mecanismo de disparo” biológico específico, o qual era considerado importante em níveis muito baixos de exposição a perigos ambientais. Encontramos evidências de que esse mecanismo tinha certo efeito em peixes e, agora que deixei a pesquisa, caberá a outros verificar se isso também acontece em seres humanos.
Cientistas motivados por uma sede pelo conhecimento muitas vezes se veem realizando pesquisas que, por muitos anos, não terão impacto algum sobre as pessoas. Às vezes, eles se sentem culpados por não alimentarem os famintos diretamente, curarem os doentes ou praticarem “serviço cristão em tempo integral”. Uma nota repetida, nas histórias de muitas pessoas, é o sentimento sutil de culpa por ter um trabalho tão interessante. Os cientistas sentem às vezes que deveriam ter uma carreira mais “espiritual”. Ghillean Prance, por exemplo, foi aceito para ordenação na Igreja Anglicana antes de seu futuro sogro encorajá-lo a continuar empregando seus talentos científicos. E ele acabou compreendendo que a ciência pode ser um chamado tão importante quanto trabalhar na igreja. Deveríamos nos alegrar com sua escolha, pois ele foi um dos primeiros a apontar os problemas causados pelo desmatamento de vastas áreas da floresta Amazônica.
Muitos dos cientistas com os quais me encontro precisaram passar por um processo de aprendizado até ver o seu trabalho como vocação ou como chamado e, assim, encontrar o seu nicho na ciência, podendo adorar a Deus diariamente por meio do que fazem. Fazer pesquisa quando os desdobramentos são de certo modo desconhecidos é, às vezes, mais difícil do que trabalhar em uma profissão que afetará as pessoas de forma mais direta. De fato, é muito difícil prever os benefícios que a pesquisa básica poderá trazer à humanidade em longo prazo. Porém, não é algo de menos valor e eventualmente pode afetar um número maior de pessoas ao longo do tempo.
Como, então, um cristão que também é cientista deve viver além do laboratório? As pessoas têm, muitas vezes, a imagem de cientistas solitários que lutam com suas pesquisas durante todas as horas do dia e da noite. A parte de todas as horas é algumas vezes verdadeira, mas na realidade muitos laboratórios estão lotados de gente como latas de sardinhas: cada um tem o seu assento num espaço de sessenta centímetros. Compartilhar equipamentos caros e organizar os turnos de limpeza é parte do empreendimento. E é possível encontrar todo tipo de gente na pesquisa – classificadores, pessoas de ideias, pessoas visuais, perfeccionistas, amantes da tecnologia, matemáticos, filósofos, solitários, socialites e assim por diante.
As pessoas precisam ser curiosas, criativas, capazes de se comunicar e, acima de tudo, persistentes. Muitos cientistas têm algo de anarquista em si: estão sempre buscando meios de desafiar antigas ideias, de refutar a teoria preferida de alguém (ou deles mesmos) e de construir alternativas novas. O cientista típico não apenas faz experimentos e produz artigos. Ele também gasta tempo preparando palestras, escrevendo propostas de financiamento, ensinando estudantes, participando de conferências e socializando com seus colegas. Geralmente, há rituais e tradições que compensam todas as noites e todos os finais de semana passados no laboratório: disparar rolhas de champanhe o mais longe possível no corredor, dar boas-vindas a novos estudantes com pizzas, representar peças cômicas na festa de Natal do departamento e fazer as essenciais celebrações quando artigos são publicados, financiamentos são recebidos ou estudantes são aprovados em seus PhDs.
Há aqueles que, no laboratório, encontram dificuldades em enxergar além da série diária de experimentos, tentando escrever seu próximo “paper” ou manter seu financiamento. Alguns podem estar convencidos de que a religião é irracional e de que Deus é uma figura distante ou inexistente sobre a qual não podemos reivindicar conhecimento algum. Mas o laboratório também pode ser um lugar surpreendentemente frutífero em termos espirituais, onde alguém se encontra cercado de pensadores originais que se deparam diariamente com a beleza e a complexidade da criação.
Os cristãos com os quais converso dizem frequentemente que sua fé se desenvolve à medida que seu conhecimento científico aumenta. No livro O Teste da Fé você encontrará uma coleção de histórias que descrevem como o estudo do mundo natural pode revelar mais do poder criativo de Deus e despertar um senso de maravilhamento, de adoração e de reverência.
Nota: texto retirado da introdução do livro O Teste da Fé.
_________
Ruth Bancewicz é geneticista e pesquisadora associada do Instituto Faraday para Ciência e Religião, da Inglaterra, e organizadora do livro O Teste da Fé. Ela visitará várias cidades do Brasil a partir desta sexta-feira, dia 06. Veja aqui a agenda.
Leia mais
Cientista vai discutir relação entre ciência e fé
Blog Teste da Fé Brasil
O ser humano é admirável. Deus é incomparável (revista Ultimato 338)
Crer é também pensar (John Stott)
Completei meu PhD em genética na Universidade de Edimburgo, na Unidade de Genética Humana do Conselho de Pesquisa Médica (financiado pelo governo). A instituição era baseada em um hospital, o que sempre nos lembrava da razão pela qual estávamos ali. Quando eu andava pelo corredor de acesso, o cheiro de hospital me atingia e eu via pessoas sendo transportadas ao longo do corredor. Isso era chocante em alguns momentos, pois lembrava que o que eu fazia ainda estava longe de contribuir concretamente com a cura de alguma coisa.
A escolha do meu tema de PhD deveu-se, em partes, ao meu pensamento de que ele poderia gerar um impacto nas pessoas e não apenas nos ricos ocidentais. Eu pesquisava poluentes ambientais e sua influência em crianças não-nascidas. Um embrião que carrega um gene doente pode ser perfeitamente sadio até que um distúrbio ambiental, como um agente químico tóxico, dispare o processo de uma doença (genética). Eu procurava um “mecanismo de disparo” biológico específico, o qual era considerado importante em níveis muito baixos de exposição a perigos ambientais. Encontramos evidências de que esse mecanismo tinha certo efeito em peixes e, agora que deixei a pesquisa, caberá a outros verificar se isso também acontece em seres humanos.
Cientistas motivados por uma sede pelo conhecimento muitas vezes se veem realizando pesquisas que, por muitos anos, não terão impacto algum sobre as pessoas. Às vezes, eles se sentem culpados por não alimentarem os famintos diretamente, curarem os doentes ou praticarem “serviço cristão em tempo integral”. Uma nota repetida, nas histórias de muitas pessoas, é o sentimento sutil de culpa por ter um trabalho tão interessante. Os cientistas sentem às vezes que deveriam ter uma carreira mais “espiritual”. Ghillean Prance, por exemplo, foi aceito para ordenação na Igreja Anglicana antes de seu futuro sogro encorajá-lo a continuar empregando seus talentos científicos. E ele acabou compreendendo que a ciência pode ser um chamado tão importante quanto trabalhar na igreja. Deveríamos nos alegrar com sua escolha, pois ele foi um dos primeiros a apontar os problemas causados pelo desmatamento de vastas áreas da floresta Amazônica.
Muitos dos cientistas com os quais me encontro precisaram passar por um processo de aprendizado até ver o seu trabalho como vocação ou como chamado e, assim, encontrar o seu nicho na ciência, podendo adorar a Deus diariamente por meio do que fazem. Fazer pesquisa quando os desdobramentos são de certo modo desconhecidos é, às vezes, mais difícil do que trabalhar em uma profissão que afetará as pessoas de forma mais direta. De fato, é muito difícil prever os benefícios que a pesquisa básica poderá trazer à humanidade em longo prazo. Porém, não é algo de menos valor e eventualmente pode afetar um número maior de pessoas ao longo do tempo.
Como, então, um cristão que também é cientista deve viver além do laboratório? As pessoas têm, muitas vezes, a imagem de cientistas solitários que lutam com suas pesquisas durante todas as horas do dia e da noite. A parte de todas as horas é algumas vezes verdadeira, mas na realidade muitos laboratórios estão lotados de gente como latas de sardinhas: cada um tem o seu assento num espaço de sessenta centímetros. Compartilhar equipamentos caros e organizar os turnos de limpeza é parte do empreendimento. E é possível encontrar todo tipo de gente na pesquisa – classificadores, pessoas de ideias, pessoas visuais, perfeccionistas, amantes da tecnologia, matemáticos, filósofos, solitários, socialites e assim por diante.
As pessoas precisam ser curiosas, criativas, capazes de se comunicar e, acima de tudo, persistentes. Muitos cientistas têm algo de anarquista em si: estão sempre buscando meios de desafiar antigas ideias, de refutar a teoria preferida de alguém (ou deles mesmos) e de construir alternativas novas. O cientista típico não apenas faz experimentos e produz artigos. Ele também gasta tempo preparando palestras, escrevendo propostas de financiamento, ensinando estudantes, participando de conferências e socializando com seus colegas. Geralmente, há rituais e tradições que compensam todas as noites e todos os finais de semana passados no laboratório: disparar rolhas de champanhe o mais longe possível no corredor, dar boas-vindas a novos estudantes com pizzas, representar peças cômicas na festa de Natal do departamento e fazer as essenciais celebrações quando artigos são publicados, financiamentos são recebidos ou estudantes são aprovados em seus PhDs.
Há aqueles que, no laboratório, encontram dificuldades em enxergar além da série diária de experimentos, tentando escrever seu próximo “paper” ou manter seu financiamento. Alguns podem estar convencidos de que a religião é irracional e de que Deus é uma figura distante ou inexistente sobre a qual não podemos reivindicar conhecimento algum. Mas o laboratório também pode ser um lugar surpreendentemente frutífero em termos espirituais, onde alguém se encontra cercado de pensadores originais que se deparam diariamente com a beleza e a complexidade da criação.
Os cristãos com os quais converso dizem frequentemente que sua fé se desenvolve à medida que seu conhecimento científico aumenta. No livro O Teste da Fé você encontrará uma coleção de histórias que descrevem como o estudo do mundo natural pode revelar mais do poder criativo de Deus e despertar um senso de maravilhamento, de adoração e de reverência.
Nota: texto retirado da introdução do livro O Teste da Fé.
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Ruth Bancewicz é geneticista e pesquisadora associada do Instituto Faraday para Ciência e Religião, da Inglaterra, e organizadora do livro O Teste da Fé. Ela visitará várias cidades do Brasil a partir desta sexta-feira, dia 06. Veja aqui a agenda.
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