Opinião
- 11 de janeiro de 2021
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A igreja e a pandemia em 2020. O que aprendemos? O que mudar em 2021?
Não é raro ouvir que vamos nos esquecer rapidamente do que vivemos em 2020, com a crise global trazida pela Covid-19. A edição de julho-agosto do ano passado – A igreja e a (pós) Pandemia – propõe exatamente o contrário. Aquela edição chama a igreja ao não esquecimento e à mudança.
E, ao longo do ano, publicamos dezenas de experiências, notícias e recursos ministeriais para lidar com a pandemia. Agora, a força do calendário nos leva a juntar a memória com a esperança para avaliar e caminhar melhor em 2021.
Ultimato convidou algumas lideranças da igreja evangélica brasileira, de diferentes lugares e áreas de atuação, para um “Painel sobre a Igreja e Pandemia” em 2020. Acompanhe as perguntas e o olhar dos nossos convidados sobre o ano em que vivemos em perigo.
O que a pandemia mostrou para você ou para sua igreja que antes você não percebia?
Timóteo Carriker: Em março de 2019, depois de ler o livro A terra inabitável, de David Wallace-Wells, fiquei bem mais consciente da gravidade das mudanças climáticas e da necessidade de ouvir o mundo científico, especialmente quando este é enormemente consensual a respeito do problema. Em julho do mesmo ano, li Climate Change and the Health of Nations (A mudança climática e a saúde das nações), de Anthony McMichael, o maior especialista das Nações Unidas na relação entre mudanças climáticas e o surgimento de pandemias ao longo da história humana. Fiquei preocupado. Passaram seis meses e em janeiro de 2020 surgiram as primeiras notícias da Covid-19. De lá para cá, confirmaram-se a precariedade do planeta descuidado, por um lado, e a lentidão da humanidade em fechar a equação, isto é, deduzir o que os cientistas estão nos dizendo há mais de 30 anos. Percebi, que a situação tênue do planeta é real e mais urgente do que imaginei, e que, grosso modo, a humanidade ainda não se responsabiliza por aquilo que Deus a responsabilizou: o cuidado do planeta. Pior, em conversa com importantes missiólogos no Brasil, descobri que o "óbvio" bíblico desta responsabilidade não só é nada óbvio, como também percebi que em congressos nacionais são convidados palestrantes/missiólogos que combatem piedosamente esta responsabilidade da igreja como se fosse uma ameaça a "missões" ao invés de componente fundamental dela.
Barbara Fahur: Sem dúvida, a pandemia mostrou como não temos controle de absolutamente nada e como precisamos estar preparados para mudanças. Entendi que essa é a única certeza que temos. Poucas vezes revisamos, refletimos, olhamos para onde estamos caminhando, saímos do automático, aprendemos a confiar verdadeiramente em Deus independente das circunstâncias e, com a pandemia, tivemos essa oportunidade.
Daniel Theodoro: A pandemia tem me feito refletir sobre vulnerabilidades. A saúde física de todos está ameaçada, assim como a saúde emocional.
Diante da iminência da morte física ou emocional, o sujeito pode ficar extremamente debilitado, refém das más notícias, além de desesperançoso.
A pandemia me mostrou que preciso viver a esperança hoje, trazer o eterno para dentro de casa. A igreja entra como parte integrante da propagação da esperança por meio da comunhão à distância, respeito às autoridades, equilíbrio santo em meio à polarização insana.
Bons cristãos e boas igrejas cristãs sempre se destacam (e se fortalecem) em momentos de profunda crise humanitária.
Tais Machado: A pandemia favoreceu o reconhecimento dos supérfluos e do que é essencial. Percebemos que não precisávamos de muita coisa, antes valorizada. Rever os fundamentos é um bom exercício, que devido a pandemia, tornou-se obrigatório. Do que não podemos abrir mão? E percebeu-se que era possível viver muito com pouco, fazer bastante com pouco, que a partilha favorece a multiplicação. A pandemia contribuiu para lembrarmo-nos de que uma vida simples é possível e o que o mais pode ser repartido, celebrando o Reino farto de Deus.
Eleny Vassão: Creio que sempre soubemos de nossa fragilidade, mas em palavras, na teoria. Quando enfrentamos enfermidades ela se torna mais evidente. Com a pandemia da Covid-19 a insegurança foi generalizada, causando momentos de ansiedade, inquietude e pensamentos depressivos. A falta de perspectiva quanto ao fim da pandemia, o número crescente de contaminados e a morte ceifando amigos próximos nos abalou bastante.
O que ficou mais forte na sua memória deste período de pandemia?
Eleny Vassão: A necessidade de conhecer a Deus mais intimamente, através do estudo mais profundo da Sua Palavra e de orar em cada detalhe. A identificação com Davi, no fundo da caverna, durante o isolamento social e a perplexidade diante das suas reações (Salmos 3 e 4), podendo dormir em paz e com gratidão diante do Senhor, mesmo em meio à perseguição, à fome e ao desconforto. A sua transparência diante do Senhor e sua fé. A busca por direção do Senhor para adaptações, aprendizados de novas estratégias e técnicas para alcançar as pessoas aflitas, dando continuidade ao ministério de capelania hospitalar, mesmo que em alguns dos nossos hospitais a visita não pudesse ser presencial e, a partir disso, a criação do podcast “Medicina para a alma”, de lives e a preparação de novos livros.
Daniel Theodoro: Minha sogra Maria Brasilina testou positivo para Covid-19 em junho de 2020 e foi internada em estado grave. Poucos dias depois, Madalena, melhor amiga da família - e que se voluntariara para cuidar minha sogra - também testou positivo. Eram amigas cúmplices, dividiam tudo, irmãs de dores e alegrias.
Brasilina teve uma parada cardiorrespiratória de 5 minutos e sobreviveu depois de muitos dias na UTI. Madalena deu entrada no hospital de campanha do Pacaembu, em São Paulo, a respiração dela estava levemente ofegante, chegou caminhando ao saguão central de atendimento. O quadro de saúde dela piorou rapidamente. Morreu semanas depois.
Tenho o contato de WhatsApp da Madalena salvo no meu celular. Comecei a escrever uma mensagem para ela no final de junho. Queria agradecer a ela por ter cuidado da minha sogra. Achei uma atitude muito corajosa. Madalena faleceu dia 2 de julho. Nunca terminei de escrever a mensagem de texto.
Timóteo Carriker: A morte de pessoas conhecidas e amigas de Covid-19 e o trágico descaso e minimização da pandemia pelos governos federais do Brasil e dos Estados Unidos, e isto, ao custo das maiores taxas mundiais de casos e mortes.
Rute Salviano: A neurose coletiva de evitar contato, passar álcool em gel sobre as luvas, o medo estampado na face de muitos. Algumas vezes tentei me aproximar mais de pessoas e elas recuavam, não aceitavam e até mesmo temiam meu contato. É triste. Sei que faz parte do distanciamento social, mas nos faz sentir leprosos, contagiados, pessoas não desejáveis.
Estamos saindo mais fortes/resilientes desta quarentena?
Timóteo Carriker: Enquanto internalizamos a crise individualmente para nosso bem-estar psíquico, estamos saindo mais fragilizados e sujeitos às próximas pandemias que estão por vir.
Barbara Fahur: Com certeza eu estou! Posso dizer que eu cresci e aprendi em alguns meses o que talvez não teria aprendido em uma vida inteira.
Eleny Vassão: Mais fortes e resilientes, mais dependentes do Senhor e pedindo que Ele abra os nossos olhos para ver o que quer que façamos, em um mundo perplexo.
Imagine a vacinação em massa da população e o fim da pandemia. O que você mudaria no seu ministério, na sua igreja? Ou não mudaria nada?
Barbara Fahur: Como cristãos precisamos aprender a ouvir mais as pessoas. O nosso senso crítico de julgamento é muito alto e percebi que, de fato, há pessoas sofrendo e não conseguem ajuda porque têm medo de expor suas dificuldades. Então, eu mudaria a forma de ouvir as pessoas e seus sentimentos reais.
Rute Salviano: Acredito que participaria mais das reuniões da igreja, assim como cumpriria mais compromissos de divulgação de meus livros, palestras, aulas, fora de minha cidade.
Timóteo Carriker: No mundo evangélico brasileiro dedicarei mais esforço ainda ao ensino bíblico da missão da igreja quanto ao cuidado da criação e das implicações práticas a nível pessoal, da igreja local e da política nacional.
Eleny Vassão: Fizemos muitas e grandes adaptações no ministério, como: Culto de Natal online para alcançar todos os profissionais da saúde e funcionários dos hospitais; Participação da Equipe Multidisciplinar de Assistência aos familiares de pacientes internados nas UTIs Covid-19; Minutos com Deus (devocionais com os Profissionais da Saúde) também online, entre outros.
A solidão foi um dos temas bastante considerado na pandemia. Vários tiveram medo dela e muitos ficaram e estão realmente sozinhos. O que estes dias revelaram a nosso respeito nesta área?
Timóteo Carriker: Revelam que estamos mais preocupados com o nosso bem-estar individual do que com o bem-estar do planeta do qual dependemos individual e corporativamente. O medo que devemos ter não é da solidão e da decisão de qual série vamos assistir na Netflix da próxima vez. Devemos ter medo da prestação de contas no Dia do Juízo de como desempenhamos a missão de proclamar as boas novas de Jesus a todos os povos, especialmente aos que nunca ouviram, e de cumprir a missão de cuidar da sua criação na manifestação da nova criação – novos céus e nova terra – inaugurada por Cristo e promovida (ou não) por nós.
Barbara Fahur: Que definitivamente não sabemos ficar sozinhos. Tendo Deus ou não, fomos criados para interagir. Proteção, procriação e interação fazem parte da sobrevivência em grupo. Mas eu também acredito que, para algumas pessoas, esse tempo de solidão foi muito importante para revelar o quanto somos vulneráveis e o quanto precisamos da presença de Deus assim como da comunhão, da troca de experiências, de valor, de motivação e de estímulo.
Há, porém, momentos em que a solidão – a reflexão, o autoconhecimento e o quarto secreto com Deus – é necessária. Se soubermos contornar o nosso medo de ficar e estar sozinhos, acredito que podemos ser usados para fazer coisas extraordinárias.
Daniel Theodoro: Nós sentimos solidão por sermos imigrantes, sentimos solidão por não termos ampla rede de apoio familiar, sentimos solidão no longo inverno canadense. Mas jamais nos sentimos desamparados. O cuidado de Deus em nossas vidas é cotidiano, nada tem nos faltado.
Eleny Vassão: Revelam como somos egocêntricos e inseguros, e como precisamos aprender a ir ao encontro do outro em suas necessidades, cuidando de nossa segurança sem deixar de prestar assistência, de formas mais variadas – telefonemas, videochamadas, textos por WhatsApp etc. Dentro do possível, em ambiente ventilado, ter encontros ocasionais. Preparei biscoitos de canela e escrevi cartinhas para os meus vizinhos, colocando-as em suas portas, e o resultado foi muito precioso. Nossas equipes de capelania fizeram homenagens através de cartões, bombons e música aos familiares de pacientes internados e aos profissionais da saúde, e eles relataram como isso os ajudou.
Apesar do distanciamento imposto pela pandemia, fizemos muitas coisas juntos - em família, em comunidade, com organizações e na igreja. Há diversas boas histórias contando resultados de esforços coletivos e doação. Ficamos "melhores", neste sentido?
Barbara Fahur: Houve, sim, movimentos solidários em massa. Pudemos ver o quanto pessoas estão dispostas a ajudar. Mas confesso que, às vezes, ainda fico na dúvida se, de fato, como comunidade, mudamos para melhor.
Rute Salviano: Sim. Isso foi muito gratificante e gostoso de ver. Quantas igrejas doaram cestas básicas, artigos de higiene, presentes etc. E quantos se envolveram em costurar máscaras, em colocá-las à disposição de que mais precisa. Nestas horas sentimos orgulho de sermos evangélicos e contribuirmos, mesmo que de forma acanhada, com alguns destes projetos.
Eleny Vassão: Não sei se melhores ou mais conscientes que fizemos muito pouco, e que precisamos nos dispor para fazer muito mais.
Quais serão as 3 tarefas mais importantes para a Igreja no [pós-] pandemia?
Taís Machado: Cuidar da saúde mental me parece uma necessidade que exigirá investimentos, mobilizações e cuidados. Além disso, pode ser um serviço (para fora) estendido ao bairro. É uma oportunidade de criarmos espaços onde nossa humanidade, com suas fragilidades, não precisa ser escondida, mas bem tratada, e onde a grandiosidade da graça de Deus é evidenciada.
Servir melhor o entorno, a cidade. Necessitados e necessidades se ampliam, portanto, uma maior atenção e novas frentes de serviço são bem-vindos. Por exemplo, ajudar e facilitar novas oportunidades de empregos, saúde mental, alimentação, cuidados com a higiene, etc. Enfim, dar-se em novas aberturas ministeriais ou ampliar as que já existiam. Uma, que de maneira geral é negligenciada, é a necessidade de acompanhamento dos enlutados. Um desafio presente.
Celebrar a vida, a comunhão, a comunidade, o Reino de Deus que se expande. A alegria em servir, aprender, existir em missão. Mais conscientes de nossas vulnerabilidades e fraquezas, nossa dependência de Deus.
Eleny Vassão: Promover reuniões de avaliação das reações pessoais na pandemia, tomando providências para equipar melhor os seus membros para atuar de maneira mais efetiva em tragédias e catástrofes. Elaborar um plano de ação para a Igreja no socorro à públicos diferentes, fazendo com que o Evangelho do amor de Cristo possa ser visto e sentido por eles. Incentivar a Igreja a sair de suas 4 paredes e ser mais ativa no socorro aos que sofrem.
Barbara Fahur: Acolher pessoas com afeto genuíno independente das circunstâncias e tipo de fragilidade e dificuldade que elas apresentem. Continuar cuidando de comunidades em necessidade e mostrando o reino de Deus por ações práticas e resolutivas. Ouvir a necessidade real das pessoas.
Rute Salviano: Resgatar a comunhão dos membros, com programações que envolvam a todos e que façam com que se conheçam e compartilhem suas experiências de 2020. Não os cultos de sempre, com louvores extensos e pregações curtas que não alimentam. Mas pregações que alertem para o desapego com a vida, para olhar para Cristo, para pensar nas coisas do Alto, porque o fim dos tempos está próximo.
--
• Bárbara dos Santos Fahur, fisioterapeuta. @drabarbarafahur
• Daniel Theodoro, 33 anos. Cristão em reforma, casado com a Fernanda e pai do Matteo. Formado em Jornalismo e Letras. Colaborador do Blog Jovem Ultimato.
• Eleny Vassão de Paula Aitken, capelã hospitalar há 38 anos, diretora geral da Associação de Capelania na Saúde (ACS), capelã-missionária pelo Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil; especializada em Cuidados Paliativos, mestre em Aconselhamento Bíblico e autora de 33 livros.
• Rute Salviano Almeida, Mestre em teologia e pós-graduada em história do cristianismo, é autora de Vozes Femininas nos Avivamentos (Ultimato), além de Vozes Femininas no Início do Cristianismo, Uma Voz Feminina Calada pela Inquisição, Uma Voz Feminina na Reforma e Vozes Femininas no Início do Protestantismo Brasileiro (Prêmio Areté 2015).
• Tais Machado, psicoterapeuta e pastora em São Paulo.
• Timóteo Carriker, teólogo, missionário da Igreja Presbiteriana Independente, capelão d’A Rocha Brasil e surfista nas horas vagas. Pela Ultimato, é autor de A Visão Missionária na Bíblia e Trabalho, Descanso e Dinheiro.
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