Opinião
- 09 de fevereiro de 2023
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A ética daqueles que são “do Caminho”
Por Davi Daniel de Oliveira
É possível pensarmos em termos de uma “ética cristã” sem apelarmos para avaliações simplistas do tipo “pode ou não pode fazer isso ou aquilo”? No mundo plural e pós-moderno que vivemos, paradoxalmente, o clamor por pessoas com uma conduta socialmente ética é exigida nas mais diversas facetas da vida. As ramificações são várias: ética empresarial, ética médica, ética social... E se incluirmos o conceito de “moral” à essa reflexão, as possibilidades ficam ainda maiores, pois “ética” e “moral” são usadas de maneira plenamente intercambiável no senso comum. Contudo, a rigor, há uma diferença entre os termos e adotaremos “moral” como a conduta dos seres humanos propriamente dita e a “ética” como a reflexão filosófica sobre essas condutas.
O fato é que buscar meios para se regular a ação entre os homens sempre foi uma preocupação presente nas sociedades. Do Código de Hamurabi da Antiga Mesopotâmia, aos Dez Mandamentos retratado no livro do Êxodo, chegando à moderna Declaração Universal dos Direitos Humanos; preceitos, comandos, normas de conduta, e proibições sempre foram pautas de reflexão. Toda a sociedade, por mais primitiva que seja, têm suas leis morais e por elas são pautadas.
Ética, como objeto de reflexão das condutas da humanidade, talvez tenha ganhado cores mais vívidas a partir do pensamento dos grandes filósofos clássicos. Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant, os estoicos, os cínicos, os epicureus, cada um à sua maneira e com sua abordagem, pensaram ética dentro de termos racionalistas e cognitivos. Poderíamos adicionar São Tomás de Aquino e Santo Agostinho como os grandes proponentes da ética cristã fundamentada em Aristóteles e Agostinho, respectivamente.
A ética no mundo bíblico: história e relacionamento
Ao mudarmos o foco de nossa atenção para o que se usualmente se categoriza como “ética cristã”, consideremos que o que buscaremos propor é diferente das reflexões filosóficas, pois ela é pautada na revelação e não na racionalidade e cognição. Contudo, temos de considerar que tanto no Antigo Testamento (AT) quanto no Novo Testamento (NT), temos heranças desse pensamento filosófico, tanto de raiz deontológica-socrática (i.e.: fazer algo porque é o certo e o que se deve fazer) quanto de raiz teleológica-aristotélica (i.e.: fazer algo tendo por consideração seu fim).
Uma reflexão sobre a Lei Ética dos Dez Mandamentos é salutar na nossa construção. É no contexto de quando Jeová separa um povo maltrapilho para Si, o salva das crueldades do Faraó e o conduz ao longo de uma jornada pelo deserto que ele estabelece suas normas de conduta: “Eu sou o Senhor, o Teu Deus, que te tirou do Egito, da terra de escravidão” (Êxodo 20:2). Tudo o que estaria por vir dependia dessa afirmação e dela não se dissociaria de nenhuma maneira. A ética no mundo bíblico, portanto, é uma ética que nunca é dissociada do contexto e história do povo de Deus. Consideremos nós, leitores posteriores dos textos fundantes da fé, que a Bíblia nos ensina ética através de histórias. E embora a tentação de encontrar respostas fáceis e “textos-prova” nas Escrituras para legislarmos sobre o que se deve ou não fazer seja grande, nos parece que a Bíblia, por ser um livro essencialmente de histórias, busca nos ensinar ética de uma forma muito mais relacional e encarnada do que cognitiva.
Não somente Deus nos ensina ética através de histórias, mas também devemos considerar que conhecimento no mundo bíblico, sobretudo no AT, não tem a ver com racionalidade e cognição, mas com relacionamento. O chamado para se conhecer a Deus é um chamado para com Ele se relacionar, andar com Ele segundo seus passos, guardar Seus conselhos e observar sua palavra. Os inúmeros exemplos de personagens que “caminharam com Deus” (Gênesis 5.22; I Reis 3.14; II Reis 22.2) nos apontam para um paradigma relacional de homens e mulheres de Deus cuja ação no mundo era refletida a partir dos conselhos divinos.
Considerando esses dois aspectos, história e relacionamento, gostaríamos de propor uma ética menos cognitiva e racional, fundamentada na jornada peregrina do cristão, a “ética do Caminho”.
A ética do Caminho
Nas ameaças de Saulo ao grupo de seguidores de Jesus que emergiam com força na região de Jerusalém, avisos foram dados às sinagogas de Damasco: caso encontrassem ali homens e mulheres que pertencessem a seita do “Caminho”, deveriam ser presos (Atos 9.1-2). Ser “do Caminho” parece ser uma das nomenclaturas mais antigas dos seguidores de Jesus dentro da Igreja Primitiva, mais antigo que meramente “cristãos”.
Muito mais que uma escolha meramente poética, ser “do caminho”, implica nos identificarmos com Jesus naquilo que ele fez, em como ele andou. Sou fã daquele ótimo clássico livreto “Em seus passos o que faria Jesus?” de Charles Sheldon, contudo, a segurança do Evangelho está em saber o que Jesus fez. A jornada cristã é mimética, é um convite à imitação (Efésios 5.1). Só conseguimos imitar quem vemos, nos relacionamos, andamos juntos.
É justamente no contexto do cumprimento da profecia de Isaías que Israel seria renovado onde Jesus forma, envolta de si, o núcleo dessa que seria a nação renovada (Lucas 22.30) na figura dos 12 discípulos. Jesus teria que prepará-los para os desafios que viriam e poderia ter feito isso de várias formas, numa sala de aula por exemplo, mas o Mestre escolheu simplesmente caminhar com seus discípulos, estar com eles. Nas palavras de Bartholomew e Goheen1, é no caminho que se aprende a respeito da vida no reino. Estar com Jesus significa observá-lo e vir a conhecer seu modo de vida, a comunhão íntima com o Pai e moldar sua própria vida de acordo com a vida dEle, capacitada pelo Espírito”.
É a caminhada com Jesus que molda a vida redimida. Essa caminhada, contudo, é tortuosa, cheia de buracos e perigos à volta. As verdades do Evangelho são eternas, sim, mas a jornada de cada pessoa é única e carrega uma história particular. Não há respostas fáceis para os dilemas da vida, mas confiamos que o Senhor nos sustenta. O quão mais próximos do “caminho” de Cristo, mais ele revela à nossa consciência o quanto precisamos ser moldados por Ele. Você quer saber se está andando de acordo com a verdade do Evangelho? Compare sua vida com a de Cristo.
Canções antigas geralmente falam ao meu coração. Quando criança vi minha saudosa mãe, por diversas vezes e ocasiões, com olhos marejados, escutar uma canção que retrata, de forma simples, porém poderosa, o poder transformador da jornada com Cristo e como o “caminho” nos molda. Na época não entendia muito, mas hoje é impossível não emocionar-me com Pe. Zezinho em “O Povo de Deus”.
O povo de Deus no deserto andava / Mas à sua frente Alguém caminhava
O povo de Deus era rico de nada / Só tinha a esperança e o pó da estrada
Também sou Teu povo, Senhor, E estou nessa estrada
Somente a Tua graça me basta e mais nada!
O povo de Deus também vacilava / Às vezes custava a crer no amor
O povo de Deus, chorando, rezava / Pedia perdão e recomeçava
Também sou Teu povo, Senhor, e estou nessa estrada
Perdoa se, às vezes, não creio em mais nada!
O povo de Deus também teve fome / E Tu lhe mandaste o pão lá do céu
O povo de Deus, cantando, deu graças / Provou Teu amor, Teu amor que não passa
Também sou Teu povo, Senhor, E estou nessa estrada
Tu és alimento na longa jornada!
O povo de Deus ao longe avistou / A terra querida que o amor preparou
O povo de Deus corria e cantava / E nos seus louvores, Teu poder proclamava
Também sou Teu povo, Senhor
E estou nessa estrada
Cada dia mais perto da terra esperada!
Senhor, seja nosso Destino e nossa Jornada. Amém.
- Davi Daniel de Oliveira é membro da Igreja Batista Maranata, em São José dos Campos, casado com Raquel e pai do Daniel e Benjamim. É mestre é teologia (M.Div) pelo Seminário Teológico Servo de Cristo e licenciado em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano.
A BÍBLIA NÃO ERRA. OS LEITORES, NEM TANTO | REVISTA ULTIMATO
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A matéria de capa desta edição não só incentiva o leitor à leitura regular da Bíblia, mas também o encoraja a aceitar o desafio de olhar reverentemente para as Escrituras como “um diário de Deus”, a partir da “chave” do amor.
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