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Opinião

A escola do Messias: conhecimento e sabedoria cristãs

Por Igor Miguel
 
Onde está a sabedoria que perdemos com o conhecimento? (T.S. Eliot)
 
O movimento evangélico, em termos gerais, teve seus momentos de aversão à vida intelectual e ao envolvimento cristão no campo da cultura. Nas últimas décadas, viu-se uma enxurrada de livros cristãos contrapondo o dualismo sagrado-secular. O problema de uma vida cristã em dois andares vem sendo abordada intensamente em conferências, artigos e palestras em fóruns de cosmovisão cristã.
 
Os efeitos de tal movimento não são desprezíveis. Qualquer pessoa, atenta ao movimento evangélico, perceberá que em muitos segmentos abriu-se uma demanda por literaturas para além de obras devocionais ou de espiritualidade. Há muitos cristãos preocupados em como integrar a vida acadêmica, profissional, cultural ou científica com sua fé, e novas literaturas e iniciativas surgiram para suprir essa lacuna. A Academia ABC2 e o Invisible College são iniciativas que vão nesta direção.
 
Os evangélicos de hoje são mais escolarizados do que quando eu estava no seminário em meados da década de 90. Jovens trazem questões complexas para suas igrejas e seus pastores. O choque geracional é evidente, principalmente quando pastores, treinados para lidar com os dilemas do final do último século, se veem, agora, impotentes ante as novas questões trazidas por seus membros mais jovens.
 
O cenário é de alta conectividade, grande volume de informações, polarização política, hiperpolitzação, bolhas sociais e tribalização. A verdade tornou-se fluida, a guerra é basicamente por persuasão narrativa e não por consistência lógica e argumentativa. Os filósofos pós-estruturalistas já previam o cenário para um ressurgimento do sofismo, exatamente o que levou o filósofo Sócrates à morte por seu compromisso com  a verdade e não com a retórica.
 
Se o desafio evangélico de um passado recente era a integração entre fé e razão, agora, o desafio é recuperar as razões cristãs porque nos ocupamos da vida intelectual. Na verdade, é deixar claro que cristãos têm razões completamente diferentes da modernidade para se ocuparem da reflexão, da cultura e da vida intelectual. Sendo mais direto, a intelectualidade cristã não tem na razão, e tampouco nas afeições, seu ponto de partida para o conhecimento. As faculdades intelectuais e a epistemologia cristãs são contingentes, isto é, são relativas à autorrevelação de Deus.
 
Apenas em caráter de comparação, no ocidente, o conhecimento é uma conquista, resultado de puro empreendimento intelectual, técnico, cálculos complexos e desempenho analítico autônomo. Neste caso, o conhecimento é meio para controle da realidade. No cristianismo, por sua vez, o conhecimento é iluminação, é dádiva. A fé cristã não despreza o cálculo e a investigação técnica, mas os ilumina por sua própria racionalidade. No cristianismo, o conhecimento está a serviço da sabedoria.
 
O conhecimento primário (conhecimento de Deus) ilumina conhecimentos secundários (conhecimentos sócio-culturais). Neste sentido, Alister McGrath, valendo-se do filósofo Alasdair MacIntyre, foi muito feliz quando afirmara que a comunidade cristã tem sua própria racionalidade, uma epistemologia que lhe é própria. Portanto, ela não está em débito com nenhum outro projeto de racionalidade.
 
Herdeiro do monoteísmo judaico e dos documentos pactuais e proféticos da Bíblia Hebraica, o cristianismo lida com Deus como algo dado. A defesa apologética da existência de Deus é completamente secundária e uma tarefa tardia. No fundamento da fé cristã está o fato de que sendo Deus realidade, o que está em questão é o acesso a Ele, e por consequência, o acesso a tudo que ele criou. Para o cristão, o acesso a Deus só é viabilizado pelo próprio Deus, por isso, seu conhecimento se dá por graça.
 
A radicalidade da graça de Deus em se autorrevelar se dá na encarnação do Logos, isto é, em Jesus Cristo. Ele é a consumação de todos os eventos, atos salvadores e revelatórios encontrados no cânon da Bíblia Hebraica. A sabedoria se faz gente em Jesus Cristo e inaugura uma escola de discípulos. Jesus é Salvador e Rabi, aquele que resgata e ensina. Ele não é meramente um mestre moral, ele é o agente da graça, o acesso à Deus, a Sabedoria Encarnada, que por seu Espírito Santo, conforma cada discípulo à sua imagem e os educa a viver no Reino de Deus.
 
A escola do Messias é uma escola de sabedoria que continua matriculando discípulos e vinculando-os a uma “comunidade epistêmica”[1], que chamamos de igreja. Nela, não se formam meros intelectuais, mas gente que conhece a Deus da maneira de Deus. Na igreja local, a vida do discípulo é afetada por uma dinâmica litúrgica e educacional que só acontece pelos meios de graça ali administrados. A igreja forma pessoas cujo conhecimento as equipa a viver uma vida integrada, em que não há ruptura entre ser e conhecer. Assim, a vida do cristão torna-se um contexto de plausibilidade, a moldura onde o Evangelho, ao ser proclamado, encontra coerência.
 
Foi por considerar a especificidade de uma maneira cristã de se conhecer que escrevi A Escola do Messias: Fundamentos Bíblico-Canônicos para a Vida Intelectual Cristã publicado pela Thomas Nelson Brasil. Nela, o leitor se lançará em uma jornada que envolve o conhecimento de Deus, o conhecimento de si mesmo, da realidade, do cânon bíblico, da sabedoria, de Cristo e da própria igreja local como comunidade formativa. Nesta obra, converso com consagrados pensadores cristãos e não-cristãos como Abraham Kuyper, Martin Buber, Herman Dooyeweerd, Kevin Vanhoozer, James K.A. Smith, N.T. Wright, Alasdair MacIntyre e Charles Taylor, e assim, procuro oferecer os contornos gerais do conhecimento sob uma perspectiva que faça jus ao cânon bíblico e à consagrada tradição teológica cristã e evangélica.
 
• Igor Miguel é casado, pais de dois filhos, teólogo, pedagogo e mestre em hebraico pela Universidade de São Paulo. Diretor da ONG e-Missão e pastor na Igreja Esperança em Belo Horizonte (MG). Redes sociais (Facebook/Instagram/Twitter @igorpensar).

Nota
1. MCGRATH, A.
A Ciência de Deus: uma introdução à teologia científica. Viçosa: Ultimato, 2016. p.81.

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