Por Layla Fischer

Começo esse texto com um breve relato de uma crente-que-congrega-na-igreja-grande.

Era sábado de manhã. Fui para o ensaio da equipe de música, que serviria no culto no dia seguinte. Cheguei, cumprimentei a todos e notei um rosto desconhecido, porém não totalmente estranho. Então disse: “Olá, acho que já te vi em algum lugar, você é o…?”. E a resposta: “Muito prazer! Eu sou um dos pastores aqui da igreja”.

Quase falei: “Reverendo?? Nem te reconheci… tá diferente!”, até ele me explicar que era recém-chegado ali.

Brincadeiras à parte, viver na igreja grande é mais ou menos assim. A principal marca dela talvez seja essa: é quase que impossível conhecer a todos.

Isso impede o “ser igreja”? Ou seja, o viver a plenitude da comunhão do corpo de Cristo, que corrobora as suas finalidades?

Carrego essa pergunta comigo há tempos. Mas é você, leitor, quem vai respondê-la.

É possível ser Igreja na igreja grande desde que ali se proclame a verdadeira mensagem do Evangelho. Da boca do ministro aos corações. Essa mensagem que, quando pregada fielmente, confronta, denuncia vícios e desordens. Mas também conforta e encoraja.

É a fonte para uma vida ordenada e diante de Deus. É a Verdade que vivifica.

Não pode haver distorções. Não pode ser outra a fonte de autoridade que não as Sagradas Escrituras, inspiradas por Deus.1

A igreja existe para cumprir a missão de anunciar a mensagem do Evangelho ao mundo. Se a instrução fiel da Verdade não ecoar por todos os cantos da congregação (por maior que seja sua membresia!), ela jamais ecoará no mundo. E aí não será possível ser Igreja na igreja grande. Nem na pequena.

Questione-se: ouço desse verdadeiro Evangelho em minha igreja? O quanto sou nutrido por ele a ponto de abençoar outros?

Também é possível ser Igreja na igreja grande desde que todos entendam o papel da responsabilidade. Aquela que gera o rasgar de corações: a confissão de pecados, a exortação e a disciplina. Pois sabemos que as imperfeições coexistem na convivência. São as partes vivas e em processo de santificação do velho homem, que ainda habita nos crentes. Mas que precisam ser reconhecidas para que haja cura e perdão.2

Já conheci uma igreja assim: a igreja de Corinto. Gente problemática, cheia de imoralidades e divisões, mas objeto do cuidado do apóstolo Paulo. Foi ele quem chamou a atenção para necessidade de pureza na igreja a fim de que essa refletisse a santidade de Deus.3.

A Igreja, ao manter-se pura e piedosa, zela pelo nome do Senhor e levanta os que caem.4. Com isso, santifica a si mesma e ensina a todos sobre o impacto da responsabilidade.

Pergunte-se: quando foi a última vez que fui exortado/disciplinado ou confessei um pecado a alguém e provei do perdão e da cura?

E, por fim, é possível ser Igreja na igreja grande desde que ali haja um convite para nutrir verdadeiros relacionamentos, por meio da comunhão e do discipulado. Não pode ser um lugar para aqueles que apascentam a si mesmos. É lugar onde todos assumem o compromisso de dedicar suas vidas uns aos outros.5

Compromisso que também é selado pela pura administração dos sacramentos: o batismo – que marca a aliança da família com a comunidade -, e a mesa do Senhor – que não deixa ninguém esquecer do corpo partido e do sangue vertido, que nos tornou filhos do mesmo Pai.

Mas também onde se fazem presente as disciplinas espirituais, como a oração comunitária, por meio da qual as necessidades são verdadeiramente conhecidas. Semelhantemente àquela igreja na qual ninguém ficava desamparado: a igreja descrita em Atos. 6 E onde, juntos, por meio do culto público, os corações centralizam suas afeições em Cristo e firmam os laços da eternidade.7

Muitos sustentam que a igreja grande impede a comunhão. Mas comunhão vai além de saber o nome daqueles que encontramos aos domingos (ou sábados, nos ensaios da equipe de música!).

Ao assumir o compromisso do relacionamento, a Igreja reestabelece a fragmentação e o individualismo presente na sociedade. É o compromisso com Deus que se desdobra no compromisso com o próximo (discipulado e missão). E reflete o Ser do Deus Trino – Pai, Filho e Espírito Santo -, que habitam na plena comunhão e celebram suas diferenças.8

 Se houver a negativa da dependência e o aceite do “venha e viva sozinho, fique na sua!”, não é possível ser Igreja na igreja grande. Nem na pequena.

Questione-se: tenho me esforçado para transpor as barreiras da superficialidade com os meus irmãos em Cristo? Quão real tem sido meu compromisso com eles?

E é assim, por meio da instrução, da responsabilidade e do relacionamento selado pelos sacramentos e disciplinas espirituais9, que a Igreja cumprirá a sua gloriosa finalidade: ir para fora.10 Anunciar o Evangelho de vida, santificar e reestabelecer a fragmentariedade. Levando, sempre, o nome de Cristo.

Como dito, é possível ter todas essas características na igreja grande ou na igreja pequena. Mas tem que ter, caso contrário, fechem suas portas. Será qualquer igreja, mas não a com “i” maiúsculo, a Igreja do Senhor.

Afinal, não é nem sobre número ou tamanho. É sobre o quanto há de Cristo nos corações de seus membros.

 

Layla Fischer, 25 anos, é assessora jurídica e congrega na Igreja Presbiteriana Central de Curitiba, PR.

 

Notas

  1. 2 Timóteo 3:16-17
  2. Efésios 5:25-27 e Tg. 5:16
  3. 1 Coríntios 5
  4. Lopes, Augustos Nicodemus. Mantendo a igreja pura. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
  5. 1 João 3:16.
  6. Atos 2:42-47 e 20:28
  7. Hebreus 10:25
  8. DULCI, Pedro Lucas [et al]. Igreja sinfônica: um chamado radical pela unidade dos cristãos. 1ª ed – São Paulo: Mundo Cristão, 2016.
  9. Essas três marcas foram extraídas do artigo 29 da Confissão Belga, acerca das marcas da verdadeira igreja, e podem ser melhor exploradas em seus comentários.
  10. A expressão é extraída da palavra original, “ekklesia”, que é formada por duas partes: “ek”, que significa “fora”, e “kaleo”, que significa “chamar”. Portanto, “ekklesia” literalmente significa “chamados para fora”.

 

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A igreja dos obesos espirituais, por Layla Fischer

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