Por que amamos histórias comuns? This is Us e o nosso apreço por espetáculos cotidianos
Por Bruno Maroni
Eu não sei o que penso que somos. Só sei que gosto do fato de haver um “nós” para conversar. — Kevin Pearson
This Is Us é uma série original da emissora americana NBC (dramaticamente cômica e comicamente dramática) criada por Dan Fogelman. Essa história extraordinariamente ordinária começou a ser narrada em 2016 e já tem conta com 4 temporadas, com a 5ª para estrear neste ano e mais duas confirmadas.
O elenco, escolhido precisamente, traz Milo Ventimiglia (Jack), Mandy Moore (Rebecca), Sterling K. Brown (Randall), Chrissy Metz (Kate), Justin Hartley (Kevin) e outros atores e atrizes responsáveis por papéis consistentes, convincentes e, claro, cativantes. As atuações primorosas, o roteiro notável e seu entrelaçamento narrativo (emocionante e inteligente), fotografia e cenários acolhedores, trilha cuidadosa e outras várias virtudes, fizeram (e têm feito) de This Is Us uma série querida pelo público e estimada pela crítica, tanto que já conquistou prêmios importantes, como Emmys e Globos de Ouro.
Este texto não é bem uma crítica ao programa então você não se deparará com análises detalhadas de aspectos técnicos da produção. Na verdade, pretendo pensar sobre algo que motiva o sucesso de This Is Us, mas que, penso eu, trata-se de uma característica muito mais nossa, dos espectadores, do que da série.
Portanto, se você já a assistiu, talvez se identifique com os insights que encontrar por aqui. Caso ainda não tenha visto a série, em primeiro lugar, COMECE. E, em segundo lugar, espero que esta reflexão breve sirva para enriquecer sua experiência com essa história tão boa.
Falando em séries, experiências e histórias, aparece a pergunta: por que nós amamos This Is Us? Ou melhor: por que as narrativas comuns — os dramas familiares, histórias de amizade — capturam tão veementemente nosso afeto e imaginação? Pense bem: boa parte dos TV shows de maior audiência e importância para a cultura popular nos últimos anos movem-se primordialmente por tramas corriqueiras: Wonder Years, Friends, Gilmore Girls… além dos dramas médicos e policiais, telenovelas e sitcoms animados.
A reconciliação que acontece mais de vinte e dois minutos em uma comédia, a cura que acontece em menos de uma hora em uma série médica e a justiça que é promulgada antes do final do episódio em um drama policial (sem mencionar os arcos dos personagens. intrínsecos à vida de uma série) contribuem para as maneiras pelas quais a televisão funciona significativamente no mundo contemporâneo. — Kutter Callaway
Claro, o apreço humano por histórias é certo. A gente sabe disso: somos seres narrativos, narrados e narradores. Mas… por que o apreço especial por esse tipo de história?
A indústria do entretenimento poupa cada vez menos recursos para confeccionar e vender para o público universos (e multiversos) narrativos que propõem mundos e vidas alternativos, cientificamente elaborados, onde as personagens se beneficiam ou são oprimidas pela tecnologia, interagem com outras dimensões místicas e realidades interplanetárias. Megainvestimentos em filmes de super-heróis, distopias e épicos fantásticos estão aí para mostrar o quanto todo esse espetáculo é valioso para os produtores e consumidores de cultura.
Nesses casos, nós, espectadores, imergimos em contextos assustadoramente em contraste com os nossos próprios cenários: fatalmente bagunçados, cansativos, decepcionantes, monótonos, previsíveis e uniformes — com tudo do que não tem nada de impressionante.
É justamente por isso que amamos histórias comuns: porque é o são as nossas histórias. Somos aficionados por séries, mas antes, nossa fixação é assistir nossa vida, alternadamente, na vida de outro(s) alguém e bem de frente para nós — a gente ama se ver na tela. Por quê? Porque os dramas televisionados, extraordinariamente comuns como This Is Us, funcionam como diários para confissões, planos e descobertas.
Assistimos encenações que confessam nossos próprios problemas, vícios e derrotas. Acompanhamos arcos que interpretam e orientam nossa própria caminhada. Descobrimos ali o que há de belo e feio, feliz e triste, não no que a série narra, mas no que há em série no dia a dia aqui. Fato é que consumimos tantos espetáculos, e por eles somos tão consumidos, que na ansiedade por coisas surpreendente, perdemos de vista a densidade que constitui nossas relações ordinárias, com as pessoas e com o mundo.
Vontade de ser família, frustração aguda, maternidade e paternidade, obesidade, crise profissional, nascimento, doença e morte. Ansiedade e depressão. Desgaste relacional e emocional. Choro e riso. Complicações financeira, racismo e desigualdade. Alcoolismo e outros vícios. Insegurança e problemas de autoestima. Instabilidade amorosa. Encontros, partidas e saudade. This Is Us tem tudo isso e muitas outras sensações, eventos e estações que perpassam a experiência humana ordinária. Quem nunca viu uma dessas coisas logo na casa ao lado ou vivenciou alguma delas dentro do próprio lar?
Os momentos mais felizes também serão um pouco tristes. — Rebecca Pearson
A vida comum é repleta de alegrias e lamentos, que se atrevem na agenda e invadem nossas rotinas, sem licença alguma. Nesses ritmos que as histórias – os nós entre nós e os outros – acontecem e se entrelaçam, sempre com a constante recordação de que teremos gente ao lado – um “nós” – para conversar, chorar e celebrar.
Amamos This Is Us e todo espetáculo cotidiano porque é o que encenamos todos os dias.
O cerne da nossa formação está na monotonia anônima das nossas rotinas diárias. – Tish Harrison Warren
• Bruno Maroni. Teólogo formado pela FTBSP, trabalha como editor no Ministério Razão Para Viver e serve na equipe pastoral da Comviver, igreja batista em Jundiaí-SP. Autor do recém-publicado Cristianismo & Cultura Pop, aluno do Invisible College e colaborador do Coletivo Tangente e IACA Brasil, onde escreve sobre cosmovisão cristã, cultura e música popular.