Existe um trabalho perfeito?
Por Maurício Avoletta Júnior
Santo Agostinho, um dos grandes filósofos da idade antiga e um dos maiores doutores da Igreja cristã, compreendia que o ser humano é direcionado pelos seus afetos para um télos. Télos é uma palavrinha grega que significa finalidade, meta, fim. Nossos amores, portanto, segundo Agostinho, nos guiam para o nosso fim. Nossas afeições são responsáveis por direcionar nossa existência à nossa finalidade.
Ao perceber isso, Santo Agostinho notou que os nossos afetos estão completamente desalinhados. Nós amamos em demasia coisas que muitas vezes não merecem o nosso amor. Nos preocupamos demais com situações ou coisas que não demandam tanta preocupação. Colocamos uma grande importância em coisas que não são, de fato, importantes. Deste modo, para que possamos descobrir e chegar ao nosso télos, ou seja, à nossa finalidade, é necessário, portanto, que reeduquemos os nossos afetos.
O filósofo americano James K. A. Smith em seu fantástico livro Você é Aquilo Que Ama: o poder espiritual do hábito nos diz o mesmo, mas contextualizando o pensamento de Agostinho para os nossos dias. Smith mostra que, se não educarmos os nossos afetos, alcançar nosso télos se tornará uma tarefa dolorosa. Por outro lado, se aprendermos a educar os nossos amores, caminhar em direção à nossa finalidade se tornará algo fluido e natural.
Muitas das nossas frustrações hoje em dia estão ligadas ao trabalho. Não encontramos satisfação em nossos trabalhos e, muitas vezes, acreditamos estar completamente longe de nossas vocações. Isso se dá por um pequeno problema já identificado por Santo Agostinho, lá nos primeiros séculos da era cristã: nossos amores estão desordenados!
Não há como nos satisfazermos em nosso dia-a-dia se depositamos nele uma carga de sentido que ele não possui. Transformamos o nosso trabalho no nosso télos. Nossa finalidade, nosso fim último passou a ser apenas trabalhar e, desse modo, quando não encontramos satisfação em nossos trabalhos, passamos a achar que nossa vida perdeu por completo o sentido.
Não devemos romantizar a realidade e pensar que encontraremos, em algum momento de nossas vidas, o trabalho perfeito. O que devemos fazer, na verdade, é reordenar nossos afetos através da leitura bíblica, da meditação e da busca de um relacionamento mais profundo e maduro com Deus. Ao direcionarmos os nossos afetos para o único que verdadeiramente é o fim de todas as coisas, veremos com mais clareza a finalidade da nossa vida.
Compreender nosso télos, como já percebeu o psiquiatra Viktor Frankl, é extremamente importante e necessário para vivermos uma vida saudável, tanto psicologicamente quanto socialmente, e até mesmo espiritualmente. Quando percebemos que nossos trabalhos não nos definem e nem são a finalidade para a qual existimos, passamos a encará-los de modo distinto. Mesmo quando insistimos em não enxergar, sempre há algo em nosso dia-a-dia que nos direciona ao nosso télos.
Quando nossos amores estão ordenados e começamos a nos importar de modo adequado com as coisas que realmente importam, começamos também a encontrar motivação nos nossos trabalhos, nos nossos afazeres diários e nas nossas obrigações. Sempre existirá algo que faz sentido no seu dia-a-dia e que irá te motivar.
Santo Agostinho, Viktor Frankl, James K. A. Smith e tantos outros pensadores e pensadoras da história da humanidade disseram a mesma coisa e, por algum tempo, nós os demos ouvidos. Com o advento da tecnologia, no entanto, fomos aos poucos abandonando essas verdades. Nossa ânsia para vivermos o melhor da vida do modo mais rápido possível para que, assim, possamos viver mais coisas do que outrora sonhamos, nada mais é do que um modo de autodestruição. Reconhecer nossas limitações e viver um dia de cada vez, não é apenas importante, é necessário.
Você nunca ficará satisfeito com o seu trabalho se ele for o télos da sua vida. Você nunca se saciará se você apenas buscar satisfação em coisas que nunca foram pressupostos para a sua satisfação.
- Maurício Avoletta Junior, 24 anos. Congrega na Igreja Batista Fonte de Sicar (SP). Formado em Teologia pela Mackenzie, estudante de filosofia e literatura (por conta própria); apaixonado por livros, cinema e música; escravo de Cristo, um pessimista em potencial e um futuro “seja o que Deus quiser”.