Por Victor Oliveira

É deliciosa toda experiência que, diante dos espaços do cotidiano simples, consegue transmitir beleza e significado, consegue nos fazer lembrar que cada instante desse cotidiano – que às vezes parece tedioso e caótico – é na verdade belo e milagroso. Mais legal ainda é quando isso é presenciado justamente através daquilo que se apresenta nessa mesma simplicidade. É dessa maneira despretensiosa e ao mesmo tempo positivamente surpreendente que o primeiro trabalho de Thiago Bento consegue encantar e nos fazer imergir numa experiência musicalmente familiar. E como já prometido no seu single, seu EP Lucidez, nos faz sentir leves.

Lançado no início do mês de dezembro deste ano de 2019, Lucidez se apresenta como um trabalho tímido, mas objetivo, caindo como uma luva ao estrear a obra de Thiago. Dentre o tempo curto de três canções, é possível imergir em uma simplicidade objetiva que não deixa de propor poesia e ousar do ponto de vista da mensagem. A abordagem bíblica e cristocêntrica das letras, alinhada à criatividade poética, remete a uma musicalidade cristã que se mantém viva na produção independente mesmo diante as mesmices do gospel mainstream congregacional, mas que sabe aproveitar o que há de bom dentro desse mesmo cenário hegemônico. É um trabalho que assume de onde veio, mas que não tem receio em apresentar uma identidade própria.

Em meio às baladas de um pop rock intimista é possível traçar as influências do artista, que vão desde de um Oficina G3 dos tempos de PG à mensagem mais cru de um Resgate ou um Fruto Sagrado – só que bem mais comportado. Ao mesmo tempo em diálogo contemporâneo com a mistura folk/indie/MPB de nomes como Marcos Almeida, Os Arrais, Lorena Chaves, Itagon e afins.

O equilíbrio entre a tranquilidade limpa e a reflexão poética reflete justamente a tônica de canções que utilizam de tais ferramentas para simplesmente fornecer uma boa música que sabe tocar e transmitir as velhas e basilares mensagens da fé cristã de uma forma que é familiar para qualquer um que sabe o que está a ouvir, mas que ao mesmo tempo anseia por não se prender às respostas prontas de uma teologia da certeza, baseada em legalismos e formalismos comuns ao evangelicalismo dominante.

Como deixa claro na letra da faixa Lucidez, que denomina o álbum, a fé trabalhada na mensagem das músicas é uma fé que se propõe madura e que, portanto, abraça a incerteza intrínseca da experiência religiosa, no sentido contrário da rigidez de uma fé perdida. É a consciência de ignorância que mantém a capacidade de encontrar a lucidez
que se apresenta como a preocupação central. Numa alusão sutil à mensagem Kierkegaardiana, a fé não se dá apenas numa corrida constante, mas num salto. Um salto, porém, sem garantias de alçar o voo, o que o faz ser necessariamente um salto de incertezas, de dúvidas.

Tais elementos estão presentes justamente no cotidiano simples e repetitivo de nossos dias, e fundamentam as questões que embasam nosso olhar para a realidade quando levantamos da cama ao amanhecer, e quando voltamos a dormir, sem ter ideia se um dia teremos as respostas. E na simplicidade das baladas de Thiago Bento é possível encontrar esses anseios trabalhados, de uma forma que parece um diálogo aberto entre velhos amigos. De alguém que vive as mesmas questões e que confia na mesma razão.

Entre a dúvida e a certeza, entre a simplicidade e a ousadia, a mensagem clara que fica é de que Cristo é a Lucidez e nesse sentido nada mais importa, ou melhor, tudo é importante, até mesmo o levantar e o se deitar. É nisso que reside qualquer resposta.

Ancorado numa sinceridade artística despretensiosa, tocando nos temas fundamentais da experiência de fé proposta e ao mesmo tempo com observável sensibilidade artística e poética, Thiago Bento nos presenteia com um EP bonito, suave e íntimo, porém ousado e otimista, que satisfaz com precisão aquilo que está inserido na sua proposta. Uma ótima alternativa independente no meio do cenário contemporâneo do pop cristão.

  • Victor Oliveira, 21 anos. É do interior do Rio de Janeiro, estuda de Relações Internacionais e congrega na Igreja Presbiteriana do Brasil.

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