Quando o silêncio é conveniente e conivente
Por Lucas Meloni
Ser vítima de brincadeiras maldosas ou comentários ofensivos deixa uma marca terrível. Dias atrás, conversava com alguém que me dizia o quanto sofria um sistemático processo de chacota no período escolar, mais especificamente durante o ensino médio. É sempre desagradável porque muitas vezes, o motivo da perseguição acaba sendo por alguma característica física ou comportamental. Ser tímido demais pode ser um inferno para quem está dentro de uma classe de aula.
Te convido agora a ampliar o campo de visão e imaginar alguém que é perseguido por um erro do passado. A consequência dele sempre bate à porta. Isso me veio à mente há algumas semanas após assistir a uma conferência Ted* com a escritora e ativista Mônica Lewinsky, que ficou mundialmente conhecida após vir à tona um suposto relacionamento com o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton. Na época, Mônica era estagiária na Casa Branca.
O título da palestra já evidencia o quanto este assunto é caro para Mônica. “O Preço da Vergonha” sintetiza décadas de perseguição, de violência verbal e de superexposição para todo o planeta. Ao longo de 22 minutos, ela comenta sobre o passado. Explica o porquê demorou tanto para falar a respeito do episódio e se emociona (muitas vezes) ao lembrar como este caso quase a levou ao fundo do poço.
Durante a palestra, me veio à mente o texto de Isaías 43.25: “Sou eu, eu mesmo, aquele que apaga suas transgressões, por amor de mim, e que não se lembra mais de seus pecados”.
A nossa natureza humana e corrompida insiste em nos expor (uns aos outros) à vergonha porque o pecado causa prazer. Há quem sinta-se realizado com a queda e a humilhação do outro. A internet é um exemplo perfeito disso. Por trás da “aparente” proteção dos avatares, muitos xingam, ofendem, condenam, caluniam e ameaçam sem pensar duas vezes.
Uma coisa devemos reconhecer: seja uma pessoa analógica ou um nativo digital, todos os humanos são fluentes na linguagem universal da ofensa. Parece que culpar, apontar e levantar o dedo é mais simples e proveitoso do que ouvir e olhar com dignidade para alguém.
Isaías nos ensina muito sobre consciência. “Ai de mim. Estou perdido! Pois sou um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros” (Is 6.5).
Vivemos em um mundo sem consciência, mas fomos despertados, em Cristo, para uma consciência. Fomos resgatados por um alto preço para que não nos conformássemos com as coisas deste mundo, mas tivéssemos a mente transformada (Romanos 12.2).
Diante desta verdade irrefutável, não é possível aceitar o silêncio dos regenerados em meio a um mundo ofensor. O nosso silêncio, por vezes, pode ser conveniente, mas ele carrega consigo a conivência com a violência e com o desprezo à dignidade humana.
A violência verbal e o cyberbullying são inimigos reais da raça humana. Como pessoas capacitadas e chamadas por Cristo ao ministério da reconciliação (2 Coríntios 5.6-10), nosso dever é ser a mensagem de paz entre as telas raivosas.
Um dos pontos altos da conferência de Mônica foi o relato dela a respeito do apoio que recebeu de sua mãe no ápice do escândalo. Era a mãe quem ficava com ela até que ela conseguisse adormecer, era a mãe quem a acompanhava enquanto tomava banho (com a porta aberta, com receio de que a filha fizesse alguma besteira enquanto estivesse trancada no banheiro).
Todos têm consciência de que erros vêm com consequências. O problema está no fato de querermos, como sociedade, imputar fardos maiores por um farisaico puritanismo.
Infelizmente, muitas pessoas sentem-se presas ao seu pecado e ao seu erro sem entender que Cristo morreu para que elas fossem libertas. Compreender a graça de Deus passa por assimilar o perdão de Deus por nós. Este não é um processo de meritocracia. Como um pastor conhecido meu sempre me faz lembrar, nós merecíamos o inferno. Deus, porém, com o grande amor com o qual nos amou (Efésios 2.4), nos trouxe ao respiro da vida em Cristo.
Uma vida transformada por Cristo não é habitada por fantasmas do passado. Isso não quer dizer que as marcas do pecado não estarão lá, visíveis. Um assassino terá em sua ficha criminal o crime cometido. Uma atriz pornô terá no seu passado tudo o que cometeu. O caluniador será sempre lembrado por aquele que foi caluniado.
A diferença é que os fantasmas do pecado passado não são capazes de nos desestabilizar porque um dia você abriu o seu coração para dizer a Deus: “Senhor, eu estou profundamente arrependido de tudo o que eu fiz. Perdoe os meus pecados e me dê uma nova chance”. Se você ainda não fez esta oração, faça. A Bíblia nos aponta, de Gênesis a Apocalipse, que Deus ama segundas chances. Ele transforma histórias. Ele remodela caráter. Ele te vê a partir do sacrifício de Cristo.
Por mais terrível que o seu pecado seja, o sangue de Cristo o cobriu por completo. Como explicar Deus? Ele é inexplicável para a nossa limitada mente humana. Paulo nos diz em Romanos que “Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores” (5.8). Quão profundo, amplo e singular é o amor de Deus. Você não fica constrangido com essa afirmação? Lá no seu fundo do poço, com seu pecado de estimação, Deus te amou e te ama tanto a ponto de estabelecer um super plano de redenção concretizado em Cristo.
Desta forma, devemos abrir as nossas bocas para refletir o amor e a justiça de Deus, não para dar voz e vez a quem semeia o mal. Todos têm passado. O evangelho de Cristo é diferente de todas as religiões porque anuncia que todos podem ter um futuro redimido pela graça e regado pela paz. Que o nosso coração descanse nesta verdade.
Em Cristo.
- Lucas Meloni, 33 anos, é jornalista, estudante de Teologia na Faculdade Teológica Batista de São Paulo e coordenador de Comunicação na Primeira Igreja Batista de São Caetano do Sul.
* Monica Lewinsky: O Preço da Vergonha.
Saiba mais:
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» Geografia do Recolhimento: O lugar da vida devocional, Cayo César Santos
Renata Burjato
Muito belo, profundo e verdadeiro seu texto, meu irmão, Lucas Meloni. Se não formos o rosto do amor, a mão do perdão, os ouvidos da misericórdia, não fará sentido o que nossa boca pregar…
Que Cristo possa ser visto em nós.
Sebastião Custódio de Oliveira Neto
Texto impactante que ressalta a Graça restauradora de Deus, lembrando-nos do nosso dever de “abrir as nossas bocas para refletir o amor e a justiça de Deus, não para dar voz e vez a quem semeia o mal”.