Reconhecendo Deus em tudo o que pertence a ele

 

Por Gabriela Prilip

Um dia, percorrendo os stories do meu perfil no Instagram, me deparei com a caixinha de perguntas de uma psicóloga cristã onde ela recebeu a seguinte pergunta de um seguidor: posso cursar psicologia e trabalhar em um hospital sendo cristão? Uns stories mais para frente, de uma outra psicóloga que posta fotos lindíssimas de cafés da manhã, mas com a Bíblia sempre desfocada ao fundo, mandei a seguinte pergunta, de maneira bem genuína, para saber a opinião dela: como a sua fé impacta seu trabalho? E a resposta que ela compartilhou foi que não impacta de maneira alguma e não tem nenhuma relação sequer. Nesses momentos distintos, mas tão próximos, fiquei pensativa ao ver o quanto nossa fé ainda não entra em algumas áreas específicas da nossa vida como quando falamos de trabalho, como ainda questionamos se como cristãos podemos ter uma profissão que ajuda o próximo – quando a resposta poderia ser óbvia – e a enorme oportunidade que a gente perde de dar um excelente testemunho quando não integramos muito bem fé e trabalho

Nessas horas eu acho que a nossa resposta, quando perguntam como a nossa fé integra nosso trabalho ou qualquer área da nossa vida, deveria ser: minha fé interfere sim e muito no meu trabalho e na minha vida; muda tudo o que eu faço no meu trabalho. Muda a forma como eu vejo e trato as pessoas a partir do momento que entendo que elas carregam a Imago Dei. Muda absolutamente tudo a partir do momento que eu entendo que fazer meu trabalho com excelência glorifica a Deus; muda tudo quando entendo que vivo para a glória de Deus e não para mim mesmo e estou nesse mundo para continuar cultivando esse jardim que Deus me colocou. Então sim, muda tudo. Não tem como não mudar.

Nossa fé ainda só atravessa algumas profissões ou esferas da vida que julgamos serem mais “santas” que outras. Trabalhar sem pausas ou férias pra uma missão é lindo e louvável pra alguns ainda que o resultado seja um burnout, enquanto fazer o seu trabalho em marketing ou engenharia ou qualquer outra coisa, por exemplo, da melhor forma possível, parece ser quase um pecado e a gente ouve comentários como “mas nossa…não vai dedicar tempo pro Senhor?”. Será que não dá para ser um engenheiro que vai abençoar pessoas fazendo um bom projeto com responsabilidade? Será que não dá para ser um CEO que vai fazer uma cultura onde os colaboradores realmente podem se desenvolver em habilidades, comportamentos e vulnerabilidade ou que não vai demitir uma pessoa prestes a se aposentar ou uma mulher que voltou de licença-maternidade? A gente passa muito tempo da nossa vida trabalhando. Será mesmo que Deus não está nesses momentos ou que eles não são parte da nossa vida cristã?

Bate um leve desespero pensar nisso porque, de certa forma, ainda excluímos Deus de áreas onde ele apenas…como dizer…criou! Deus é o senhor do tempo, autor da vida, quem nos dá as oportunidades que temos todos os dias. Por que trabalhar, lavar uma louça, varrer o chão, cozinhar, cuidar de um filho, arrumar um armário, estudar, não podem ser coisas que louvam a Deus? Ele é o Senhor da nossa vida por inteiro, sem nenhuma parte faltando; de cada fração do tempo e atividades. Não conseguimos colocar Deus em lugares tão óbvios enquanto vivemos um momento de querer colocá-lo onde ele nunca esteve.

>> A Espiritualidade na Prática <<

Mas, é claro que não é só na esfera profissional da nossa vida que a fé muitas vezes não chega. Em temas tão gritantes como, por exemplo, abuso infantil lembrado no maio laranja e suicídio, no setembro amarelo, também não. E isso não é apenas um problema com a nossa fé. É um problema gigante de desconexão da fé com a nossa vida por inteiro levantarmos bandeiras sobre a vida ao mesmo tempo que não sabemos falar de coisas que a destroem, onde poderíamos atuar como restauradores e protetores, mas ainda estamos ocupados pensando se “é suficientemente cristão” ter uma profissão que cuide do próximo. Nem nas pautas que nos cercam conseguimos ver A Vida por inteiro. Por serem temas difíceis e além disso grandes tabus, acabam sendo evitados, mas são extremamente urgentes pra quem, assim como nós, crê que a vida importa porque ela é uma dádiva dada pelo próprio autor da vida com quem nos relacionamos pessoalmente. Então, mais do que falar sobre temas indigestos, nós deveríamos estudar, ler, ter interesse genuíno em assuntos que machucam, ferem e matam os filhos de Deus.

A gente pensa que na igreja nunca vai ter pedofilia ou que cristãos nunca vão ter depressão ou pensar em tirar a própria vida porque, equivocadamente e erroneamente, aprendemos que somos invencíveis e podemos tudo naquele que nos fortalece fora de contexto, mas tudo isso acontece bem debaixo do nosso nariz enquanto a gente nem se dá conta simplesmente pela ignorância no sentido mais honesto da palavra. Não sabemos das situações reais e suas implicações porque estamos muito ocupados pensando em qual será a próxima grande coisa que podemos fazer para impactar essa geração, mudar o mundo ou ser a geração que vai acabar com qualquer problema que aparecer enquanto em 2 anos mais de 180 mil crianças e adolescentes sofrem violência sexual e 14 mil pessoas tirem suas vidas por ano no Brasil. Nossa sede por grandiosidade e relevância nos tira a coragem de sermos irrelevantes e dar o palco para o único que merece – Deus. Perdemos a capacidade de aceitar nossa humanidade pecaminosa, caída e que necessita das misericórdias de Deus renovadas todos os dias, nos reconhecendo também com verdade à luz da palavra de Deus.

Tish Warren, com quem eu e meio mundo gostaríamos de tomar café um dia, apresenta em “Liturgia do ordinário” como a vida comum é o maior palco para enxergarmos e vivermos Cristo todos os dias e em como simples tarefas super comuns do cotidiano é onde podemos viver de fato o evangelho. Acho que nos falta essa visão de fazer o que realmente importa e de se envolver com a vida real que vivemos todos os dias. Às vezes a gente até esquece que esse corpo que temos foi o mesmo que Deus escolheu para vir à terra e as implicações disso na nossa história como lembra também Karen Bomilcar em “Corpo como Palavra”.

Em “Você é aquilo que ama”, James K.A Smith começa o último capítulo do livro com o seguinte:

Tudo importa.


A doutrina bíblica da criação nos fala não apenas a respeito de onde viemos, mas também sobre onde estamos. Não tem a ver apenas com quem somos, mas a quem pertencemos. Não é apenas uma declaração sobre nosso passado; é um chamado para um futuro.

 

Não estamos apenas perambulando por aí em algum cosmos anônimo; estamos em casa. Habitamos no mundo de Deus. Isso não é apenas “natureza”; é criação. E isso é muito bom (Gn 1:31). A criação material não é apenas um tipo de desvio de nossa existência celestial. É a morada muito boa criada por nosso Pai celestial. A criação não é um erro repulsivo e lamentável da parte de Deus. É produto do seu amor.

 

[…]

 

Aliás, na encarnação, a Palavra se torna carne e o Criador do universo se muda para nossa comunidade. O Deus infinito e transcendente recebe um corpo como nós. Observe como toda a história termina em Apocalipse 21: Deus não nos ejeta da criação; ele desce para habitar conosco em uma nova criação. O fim da história, portanto, confirma seu início: a criação é muito boa. Apesar de também precisarmos reconhecer como a criação de Deus foi desfigurada e arruinada e como Deus a está renovando e restaurando, ao longo de toda a história Deus continua a confirmar essa avaliação: a criação é muito boa. Por essa razão é que tudo importa. Compreender o mundo como criação de Deus é ouvir ressoando no próprio mundo um chamado. Quando o espírito lhe dá ouvidos para ouvir e olhos para ver, a criação é uma dádiva que chama – é uma câmara da glória de Deus que ressoa como um convite.

Deus fez todas as coisas. Esse mundo aqui que você vive foi feito por Ele, que se encarnou e andou sobre o mesmo chão e bem dentro desse mundo como nos lembra o grupo Palavrantiga. Como temos usado nossos dons, talentos, trabalhos, vontades para continuar cuidando e cultivando esse jardim onde nos encontramos agora? Até quando vamos colocar Deus só em algumas partes da vida sendo que Ele é o próprio todo? Ignorar Deus em algumas áreas da nossa vida é ignorar o Espírito Santo que habita em nós, é ignorar o chamado para participar da restauração desse mundo da forma como Deus tem pra você nesse momento. Pode ser com uma pintura, com um texto, com seu trabalho, com seu cuidado ou simplesmente com a sua existência. Quando não reconhecemos Deus em todas as áreas da nossa vida é como ter aquele amigo do trabalho que se esforçou muito, fez um projeto genial e no fim outra pessoa apresenta como se a ideia fosse dele. É muito triste e revoltante. Reconhecer a Deus em tudo o que Ele criou é glorificá-lo.

Ter a nossa fé na nossa vida por inteiro é, como diz meu chefe – e acho que foi uma das melhores explicações que já vi – colocar Deus em primeiro lugar em cada coisa que fazemos. Não é só “Deus em primeiro lugar na vida” mas é mais sobre “como coloco Deus em primeiro lugar nos meus estudos?” ou “como coloco Deus em primeiro lugar na minha família?” e assim Ele tem o primeiro lugar em cada pequena coisa que fazemos, em cada esfera da nossa vida, habitando ela por completo, como deveria ser. 

Que a nossa fé tenha raízes sólidas, espaço e encontre caminhos para reverberar onde ela deve estar: em tudo.

  • Gabriela Prilip, 28 anos, casada. Artista, formada em marketing, pós graduada em Ciências do Consumo e Neurociências. Atualmente estudante de Psicologia. Congrega no Projeto 242.

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