Por Vitória Maria

Dialogar é uma tarefa necessária para a coexistência entre as pessoas, mas tem sido cada vez mais cercada de ruídos, mesmo diante da era da conectividade. Estabelecer uma comunicação de qualidade é um desafio, inclusive quando diferentes compõem as partes da conversação. Essa atividade se torna ainda mais complexa quando a política entra em cena. 

Surge, então, um questionamento: como dialogar com aqueles que não concordamos? Em tempos de polarização, precisamos resgatar o aspecto dialógico da política para exercermos uma presença pública cristã, mantendo-nos fiéis às Escrituras.

A política como mandato cultural 

Cultivar e guardar. Essas são as ordenanças que recebemos do Senhor em Gênesis 1.28. O trecho nos lembra acerca do mandato cultural. Nesse contexto, “as atividades humanas que moldam a cultura estão de acordo com a intenção criativa de Deus”1.  O cuidado é, portanto, cósmico, abrange toda a criação, inclusive o próximo. 

Definida como a “arte de fazer conciliar as diferentes vozes dentro de uma sociedade”2, a política é um mecanismo necessário para promoção de justiça e igualdade social. Sendo fundamental neste mundo plural, onde a diversidade é inescapável. Entretanto, com muita frequência ouvimos que “política e religião não se misturam”. Tal posicionamento, na verdade, é uma porta aberta para a negligência.

É importante enxergar a política como parte da criação. Afinal, como tudo o que foi criado, ela tanto sofre com a consequência da queda, quanto pode experimentar a redenção.3 Assim, para conduzir essa atividade a um caminho redentivo, “não podemos nos contentar em relegá-la a um âmbito neutro, secular, ou à soberania do príncipe deste mundo”.4 Abrir mão da participação na política é estar “implicitamente negando objetivo cósmico da redenção de Cristo, diminuindo a soberania de Deus”.5

Dialogar para servir 

Assim como a diversidade é inevitável, a comunicação também se apresenta como uma competência necessária. A atividade dialógica exige tanto atividade quanto passividade.6 Desta forma, uma comunicação de qualidade envolve a escuta. Essa conversação não deve ocorrer apenas entre aqueles que concordam entre si, mas apresenta-se como uma oportunidade para o exercício da piedade em meio a diferença.

É quando as questões difíceis surgem que precisamos manifestar a piedade.7 A política é uma das áreas espinhosas que nos convida a adentrar no seu espectro dispostos a enxergar a alteridade como algo a ser valorado, não exterminado. Ao respeitar e compreender o outro, somos capazes de conviver, sem estar isolados nas bolhas de concordância.

Justiça, amor e humildade devem fazer parte da nossa presença pública, de maneira prática e não demagoga. Esse é o chamado que o Senhor dispensou nas nossas mãos, e não deve ser deixado de lado apenas porque pensamos politicamente diferente de alguém. O diálogo se faz necessário, com mordomia e piedade, porque para sermos honestos em nossas objeções é necessário conhecer o ponto defendido pelo outro. O conhecimento é dialógico e relacional. 

Portanto, ao aceitar a diferença “como uma dádiva, podemos abraçar o mundo”.8 É importante lembrar que onde há distorção, há também redenção. Essa atinge todas as atividades culturais, incluindo a vida política. Isso “nos ajuda a ultrapassar os limites da individualidade focada em nós mesmos”.9 Olhar para o outro, além das nossas próprias perspectivas, é localizar a graça comum manifesta no diferente.


Notas:

1. KOYZIS, David T. Visões e ilusões políticas: uma análise crítica das ideologias contemporâneas. Trad. Lucas G. Freire e Leandro Bachega. 2. ed. ampliada e atualizada. São Paulo: Vida Nova, 2021. p. 249-250.
2. Definição fornecida por Pedro Lucas Dulci, durante a segunda aula do oitavo módulo do Programa de Tutoria Avançada do Invisible College.
3. KOYZIS, 2021, p. 253.
4. Ibid.
5. Ibid, p. 248-249.
6. KUYPER, Roel. Capital moral: o poder de conexão da sociedade. Trad.Francis Petra Janssen – Brasília, DF: Editora Monergismo, 2019. p. 136.
7. POYTHRESS, Vern S. O senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, em toda vida e de todo o nosso coração. Trad. Marcelo Herberts.  Brasília, DF: Monergismo, 2019. p. 121.
8. KUYPER, 2019, p. 137.  
9. Ibid


Referências :

[1] POYTHRESS, Vern S. O senhorio de Cristo: servindo o nosso Senhor o tempo todo, em toda vida e de todo o nosso coração. Trad. Marcelo Herberts.  Brasília, DF: Monergismo, 2019.  250 p.

[2] KUIPER, Roel. Capital moral: o poder de conexão da sociedade. Trad.Francis Petra Janssen – Brasília, DF: Editora Monergismo, 2019. 310 p.

[3] KOYZIS, David T. Visões e ilusões políticas: uma análise crítica das ideologias contemporâneas. Trad. Lucas G. Freire e Leandro Bachega. 2. ed. ampliada e atualizada. São Paulo: Vida Nova, 2021. 400 p.

 

  • Vitória Maria é jornalista, estudante de teologia do Invisible College, mestranda em comunicação pela UFRB. Congrega na igreja Assembleia de Deus, em Tanquinho, Bahia.

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