Por Sandra Terena

Meu nome é Sandra e sou índia do povo terena. Na minha tribo me chamam de Alyeté, que quer dizer pessoa meiga. Este ano o Brasil comemora cem anos de indigenismo. Um marco histórico. No entanto, esses anos não foram suficientes para desenvolver políticas públicas que atendessem de forma satisfatória a população indígena brasileira. Também, pudera. Antes das políticas de Rondon, o pioneiro indigenista, foram 400 anos em que o Brasil ignorou a presença do nosso povo, tratando-nos como um empecilho ao progresso.

De lá para cá, muitas coisas mudaram. Hoje, existem tratados internacionais de direitos humanos e o Brasil tem até um estatuto do índio, escrito em 1973, que já é considerado retrógrado e em muito não se aplica. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, sancionada por meio de decreto pelo Presidente Lula em 2004, na teoria, assegura muitos direitos aos povos indígenas. O principal problema é levar esses direitos ao conhecimento dos nossos jovens. Uma caravana itinerante nas aldeias para oferecer cursos e oficinas sobre o assunto seria um bom começo.

Para mudar esse quadro, precisamos de uma base educacional melhor em nossas aldeias. Desde a preparação de professores até uma boa estrutura nas escolas. A partir do momento em que tivermos um ensino de qualidade, teremos mais força e legitimidade para lutar por nossos direitos já previstos e para reivindicar outros, de acordo com as nossas necessidades. A garantia do ensino superior para os jovens indígenas seria fundamental para isso. Assim, formaríamos médicos, enfermeiros, advogados e muitos outros profissionais para atuar em suas aldeias de origem.

Por muito tempo vivemos uma política integracionista. As pessoas achavam que os índios tinham de se integrar à sociedade ou viver de forma isolada. A palavra de ordem agora não é mais integração, mas sim interação. Hoje temos plena capacidade de decidir o que é melhor para nós. Se o índio quiser viver na floresta, virar um grande caçador e seguir com suas práticas religiosas ele tem esse direito. Se ele quiser professar outra religião, ir para a cidade, fazer uma faculdade, por exemplo, não deixará de ser índio. De acordo com dados do IBGE, desde o ano 2000, quase metade da população indígena brasileira já vive em centros urbanos. Porém, apesar de a forte presença indígena nas cidades grandes ser uma realidade, muitas vezes esses índios vivem à margem de duas sociedades. Não há políticas públicas que atendam as necessidades dos índios urbanos e o pior: quando vão buscar auxílio em órgãos indigenistas, muitas vezes não são reconhecidos como índios — uma grande arbitrariedade.

Em nossas aldeias fomos acostumados com políticas assistencialistas. Em muitas, já não temos caça e pesca suficiente. Em outras tribos, o plantio é proibido por restrições governamentais das terras. Infelizmente, fomos acostumados a viver de doações de cestas básicas e roupas usadas. Para que possamos ter uma vida digna, precisamos de projetos que visem a sustentabilidade. Até lá, ainda viveremos sem anos de indigenismo, independente das comemorações.

Hoje, somos cerca de 227 povos no Brasil. Cada um com suas peculiaridades, língua e costumes. Quero desafiar os jovens a fazerem algo prático pelos povos indígenas brasileiros. Desde ir às aldeias até enviar um simples e-mail, o que faz muita diferença quando há resistência política no Congresso.

Publicado originalmente na edição 322 da revista Ultimato.

• Sandra Terena, 39 anos, é jornalista, especialista em comunicação audiovisual e vice-presidente da ONG Aldeia Brasil (para saber mais sobre o indigenismo ou se tornar parceiro, escreva para contato@aldeiabrasil.org).


Saiba mais:
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