Por Sara Gusella

Calvino disse que o nosso coração é uma fábrica de ídolos. Eu digo o mesmo sobre a nossa mente. Extremamente criativa e facilmente distraída, nossa mente é atraída como um ímã para fantasias, histórias e mundos além da nossa realidade. Muitas vezes os criamos no secreto, sem nunca compartilhar com ninguém, para fugirmos da nossa realidade presente, e em outras vezes consumimos mundos criados por outros, que por trás de toda grandiosidade, cores vibrantes e narrativas complexas, também foram criados como fuga da realidade.
Eu cresci me escondendo em histórias imaginárias, até os meus 18 anos vivi muito pouco em meu corpo, mas diversas aventuras na vida de personagens que criei em minha mente. Tudo que me fizesse escapar, que me ajudasse a fugir para longe era criado e muito bem-recebido pela minha confusa mente de adolescente. E se eu não estivesse criando histórias em minha mente, eu estava então me escondendo em outras criadas por pessoas.
As narrativas são tão atrativas porque de certa forma refletem a nossa realidade. Estamos diariamente vivendo uma história, que está sendo escrita pelo único que possui a caneta da verdade em suas mãos, aquele que determina toda a realidade à nossa volta, assim como o nosso coração. Acontece que, da mesma forma que o herói busca fugir quando confrontado em meio a sua jornada, nós também buscamos nos esconder quando confrontados com a dor, seja ela provocada pelo amadurecimento, perda, mudança de ciclos ou simplesmente a dor de estar vivo.

Mas a nossa história não é tão glamorosa, nela não existem dragões, nem reinos mágicos, nem somos nós os heróis gloriosos. Na nossa história existe apenas um Reino e um herói, enquanto nós nos encontramos falhos e caídos, frustrados com a imagem que vemos no espelho a nossa frente, tentando nos esconder em narrativas não existentes. Agora como heróis caídos de uma história que em muitos dias parece não fazer nenhum sentido nem seguir uma ordem, nos escondemos em histórias “melhores”, aparentemente felizes, criadas por outros heróis caídos, tentando encontrar nelas verdade.

Tentar encontrar solução em histórias também feitas por mãos humanas, é como um cego que procura o outro na esperança de encontrar a visão. Como pode a criatura trazer sentido a si mesma? Como pode ela entender a moral da história? Sendo ela apenas protagonista e não autora da narrativa.

De todas as histórias escritas por mãos humanas, transmitidas em letras, marcadas em folhas de papel por tinta, apenas uma pode ser considerada portadora da verdade. Não apenas a verdade dos fatos que ocorreram, ou a verdade do aqui e agora, mas a verdade de toda a história, a verdade do que aconteceu e do que ainda vai acontecer, a verdade da criação, queda e redenção. A verdade sobre eu e você.

Histórias são maravilhosas, elas fazem parte do nosso consciente coletivo humano, refletem em nós uma das principais características de nosso Deus e Pai: a criatividade, mas elas não são a verdade. Existe apenas uma verdade e nós deveríamos voltar para ela sempre, em tudo o que fazemos, em tudo o que criamos, em cada história que lemos ou contamos.

Narrativas são pontes, ou pelo menos deveriam ser, fábulas que refletem a verdade e nos trazem de volta para ela. Elas podem nos levar para mundos belos e desconhecidos por algumas horas, mas devemos sempre ter certeza de que elas também nos tragam de volta, para o próprio mundo belo e desconhecido em que vivemos, cuja verdade central é maior do que qualquer outra narrativa.

Boas histórias caminharão conosco com morais e mensagens enraizadas no coração, mas eventualmente sempre terão que apontar para a uma história, a única história na qual estamos todos vivendo, conscientes ou não. Então em toda história que consumir procure a verdade.

Nenhuma atitude nas telas ou nas páginas deveria influenciar nossas vidas, se não a de um personagem, Jesus Cristo, o autor e consumador de nossa fé, da nossa história. Ele é o personagem principal, ele é o Sol pelo qual somos constantemente atraídos, e só ele deve estar no centro.

Ele é a fuga e também a verdade, Ele é o conforto e também o confronto, Ele é a fantasia que se tornou realidade, Ele é o autor e também o personagem.

Que no fim do dia a única narrativa que guie as nossas vidas seja a história de redenção de Cristo, cujo somos também personagens e que por Ele possamos ser todos discipulados.

“Jesus Cristo é o mito que se tornou fato.” C. S. Lewis

  • Sara Gusella serviu como missionária na Inglaterra por dois anos e hoje mora em Belo Horizonte, onde congrega na igreja metodista. Com 22 anos, ela é escritora e roteirista, ganhou seu primeiro festival de roteiro em 2020 e publicou seu primeiro romance em 2021, Uma fantasia cristã.

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