Por Maurício Avoletta Júnior

A idolatria é um dos maiores problemas da humanidade. Substituir Deus por qualquer outra coisa é nosso maior costume e pecado. Um desses ídolos é nossa identidade. Quem somos, muitas vezes, acaba substituindo o Eu sou. Nossas vontades, nossas perspectivas de futuro, nossos anseios, nossos medos, nossa sexualidade, nosso gênero, todas essas coisas e muitas outras são constantes em tentar roubar o lugar de Deus em nossos corações.

A idolatria nos torna semelhantes aos nossos ídolos. Nós somos aquilo que adoramos, aquilo que amamos. Quando amamos as coisas erradas, acabamos por nos tornar o próprio erro em si. Entretanto, mesmo nesses casos, o erro não passa a ser nossa identidade, mas uma mera fantasia, uma máscara, um escudo. O salmista já nos alertou sobre isso, mas nós não demos ouvidos a ele. Deus nos alerta desse problema desde o Gênesis, mas nós ainda não damos ouvidos a Ele.

Vivemos um momento onde o secularismo tem dominado nossa visão de mundo. Secularismo é um termo que remete a um modo de pensar, uma cosmovisão não religiosa, um modus operandi que tira Deus da equação. Entretanto, diversos teólogos na história do cristianismo se atentaram para o fato de que o ser humano é um hominis religiosi, ou seja, um ser que possui uma necessidade intrínseca à sua natureza por um algo além do óbvio. Nós somos sedentos por algo além. João Calvino dizia que há no homem um sunsus divinitatis, ou seja, um desejo pelo divino. Quando a cultura se seculariza e tira Deus da equação, ela passa atribuir a outras coisas o papel de Deus.

Um desses novos deuses seculares é a nossa própria identidade. O filósofo Charles Taylor chama essa identidade contemporânea de self: é o homem colocado no centro de todas as coisas, inclusive dele mesmo. Quando nossa identidade passa a ocupar o centro de nossas vidas, ela passa a adquirir um papel de divindade e, por isso, de legisladora. Acaba que nossas vontades, nossos desejos e nossos anseios passam a tomar conta de nossas vidas, passam a ser nossos deuses. Um ser humano que é guiado apenas por seus desejos é mais um animal do que um humano.

Santo Agostinho percebeu esse problema e, baseando-se nas escrituras, propôs uma solução: a ordo amoris (ordem dos amores). Nossos amores, nossas paixões, estão, desde a Queda, desordenados. Cada um está apontado para um lugar. Nossa bussola espiritual perdeu seu norte. Precisamos, desse modo, à luz da Palavra de Deus, reordenar nossos amores e nossas vontades, e isso vem através do que o filósofo americano James K. A. Smith chamou de poder espiritual do hábito. A vida cristã é um hábito e todo hábito é pedagógico. Devemos nos habituar à vontade de Deus e à vida com Ele. Esse hábito é o responsável, juntamente do Espírito Santo, por reordenar nossos amores, destruir nossos ídolos e reconstruir nossa identidade.

A reconstrução de nossa identidade é o símbolo máximo do batismo. No batismo nós declaramos publicamente que abdicamos de nossa antiga vida e que, daquele momento em diante, por meio de uma graça especial, passamos a ser Cristo para o mundo. No batismo, nos comprometemos a honrar o nome do nosso salvador. O processo de reordenação de nossos amores é, portanto, um processo diário de batismo, onde deixamos aos poucos o nosso velho eu, nossos velhos hábitos, tudo aquilo que antes nos definia, para então abraçar a vida de Deus e permitirmos que Ele, e apenas ele, defina a nossa identidade.

  • Maurício Avoletta Júnior, 26 anos. É membro da Igreja Batista Lagoinha Mineirão (BH). Marido da Amanda Almeida, teólogo formado, filósofo em formação e literato de nascença; escravo de Cristo, um pessimista em potencial e um futuro “seja o que Deus quiser”.

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