Pelo fim dos contos de fadas
Por Daniela Piva
Enquanto atendia uma pessoa de idade próxima à minha, que me contava das dificuldades de se entregar por inteiro ao amor – afinal, o amor que encontrou é também completamente imperfeito, como essa vida é – ela me perguntou se eu já tinha assistido a série Modern Love, sobre a qual outras pessoas já haviam me falado.
Com um suspiro um pouco cansado, respondi que não, afinal estou cansada de assistir séries românticas que em nada simulam a vida real e, na verdade, mais simulam os contos de fadas da Disney que passei minha infância assistindo e que em nada me fizeram bem.
Contudo, pouco depois, descobri que Modern Love não faz parte do grupo de séries românticas que eu conhecia e que mesmo sendo uma série e apenas um recorte de uma realidade, tinha muito mais de vida real do que as outras coisas que já vi por aí. Fazendo a ressalva de que, sim, é sobre romance.
Talvez por ser baseada em fatos reais, a série ficou bem mais concreta e palpável. Em vários episódios as pessoas não terminam juntas, não têm um final necessariamente “feliz” – talvez não o final feliz esperado, o final feliz que eu anseio no meio das minhas fantasias de príncipes e princesas. O final feliz de que, sim, um príncipe encantado virá resgatá-la, e no qual, claro, existem princesas.
Mas essa não é a realidade, e me dá um pouco de raiva saber que cresci assistindo e acreditando nesses contos de fadas, e o quanto eles modelaram – e, infelizmente, ainda modelam – minha ideia sobre o amor.
Aqui estou eu, com 30 anos nas costas, esperando e acreditando em amor encantado.
Eu sei que racionalmente eu não acredito, já atendi pessoas casadas, vejo o casamento de amigos, convivo com diferentes realidades, e sei que para uma cena romântica e mágica, existiram centenas de cenas bem frustrantes, conflitantes e nada românticas, mas chega na minha hora e na minha vida, e parece que ainda estou esperando ser resgatada e começar a viver.
Chega, nem pensar.
Fui na livraria semana passada, tinha um saldão de desconto, e como boa tia que sou, cheia de priminhos-sobrinhos que nasceram em 2020, logo fui ver o que tinha na sessão infantil, e lá vi uns livros super legais desses interativos, de puxar papéis e que os personagens se movem. Fui então ver quais eu poderia levar; tenho um sobrinho-primo menino e duas meninas. Logo vi que tinha Cinderela, Branca de Neve e Ariel. Fui ver página por página – afinal como tia responsável tenho que ver o que o livro ensina – e na última página estava escrito “e viveram felizes para sempre”. Na mesma hora fechei e pensei “De jeito nenhum vou ensinar para meus sobrinhos que existe essa mágica de viver feliz para sempre num casamento, ou que esse é o único jeito de se viver feliz!”
Não vou ensinar isso, peguei outra opção de livro.
E fiquei matutando o quanto eu preciso fazer essa escolha todo dia: “Pega outro livro, Dani, e começa de novo. Chega de esperar príncipe. Ele não existe e você não é princesa”.
Talvez nesse momento alguém esteja se questionando “mas Dani, você não acredita mais em casamento? Você não é cristã? Não somos filhos de Deus?”
Sim, somos, mas também, no momento, somos seres humanos imperfeitos. Ainda bem, diria eu.
E a resposta para as suas perguntas é sim, eu ainda acredito em casamento, mas casamento como um relacionamento que se constrói, em que se decide todos os dias estar com aquela pessoa por um propósito maior, um propósito de família. Um propósito de aprender a se relacionar, aprender a estar junto, aprender a viver, a conviver, aprender a crescer, aprender a amar, aprender a se enxergar, aprender a se esticar, aprender a perdoar, aprender a assumir responsabilidades, aprender a mudar; e de forma alguma como motivação de apenas se fazer ser feliz.
Casamento não é uma forma de ser feliz para sempre, eu mesma tenho que repetir isso em voz bem alta para mim. Você pode e você vai ser feliz solteira(o)!
E seu casamento definitivamente não foi escrito nas estrelas, meus pais discordariam de mim e venho de uma família que espiritualiza tudo, mas temos escolhas. E como é bom ter escolhas, não é?
Fico me questionando o quanto que os movimentos das igrejas, as falas, as pregações, as idealizações do casar-se contribuíram para uma geração inteira que espera o casamento dos sonhos! Tipo a minha geração, tipo eu aqui.
Se a gente for realmente olhar para os exemplos de casamentos na Bíblia vamos enxergar muitas imperfeições. De onde vem essa ideia de casamento dos sonhos?
Você escolhe se casar, você escolhe se relacionar, e você pode escolher ficar solteiro, e nas múltiplas alternativas vão ter dias bons e dias ruins, vão ter dias incríveis e dias miseráveis.
Estar com alguém ou estar só não significa nenhuma garantia de ser feliz.
Eu não quero ir em mais uma cerimônia de casamento onde todos achem que aquele é o dia mais feliz da vida daquelas pessoas. Eu não acho que deveria ser. Penso que tem e terão outros dias mais felizes na vida de todos nós.
Eu não quero esperar por este dia; pode ser que ele não aconteça, e eu terei ficado esperando? Não, eu quero viver, quero viver as possibilidades do hoje, as possibilidades da minha carreira, as possibilidades dos meus outros relacionamentos, as possibilidades da minha vida solteira e, sim, da minha vida feliz. Feliz em saber que tenho Deus, feliz em saber que já sou amada.
Estou naquela idade em que quase todos meus amigos já casaram, alguns já estão com o primeiro filho; claro que ainda tenho amigos solteiros. Mas percebo que muitas coisas se sobrepõem. Afinal, terão muitos dias difíceis, dias nos quais mesmo casado você irá se sentir muito sozinho. Porque não é, nem deveria ser, o casamento que vai preencher seu vazio existencial mais profundo, não será aquele homem ou aquela mulher que vai te fazer feliz.
Eu preciso falar para mim mesma: “Dani, você precisa estar feliz agora, feliz com você, feliz com Deus. Chega de ser romântica demais, desce para a realidade, é na realidade que as coisas acontecem. Na realidade da sua vida de todo dia, chega de esperar que alguma coisa vai acontecer, chega de esperar que ele vai vir”.
Atendo mulheres casadas e atendo mulheres solteiras, e dos dois lados a vida continua difícil, afinal essa vida é de escolhas. Essa vida é de dias difíceis e de dias fáceis. Dias gostosos e dias chatos. Não existe vida perfeita aqui, agora. Não existe casamento perfeito, não existe gente que é feliz o tempo todo, todos os dias, todas as horas, todos os minutos e todos os segundos.
Que hoje, onde quer que esteja, você seja feliz por estar vivo e poder viver aqui e agora.
Vai assistir Modern Love e depois me conta o que você acha e onde reverbera na sua vida.
- Daniela Piva é psicóloga, aprendiz de escritora e parte da equipe Philhos da AMTB.
Bianca Passarini de Oliveira
Dani parabéns pelo seu post!!! Uau, como eu precisava ler isso e saber que não sou a única que foi enganada pelos contos de fadas e que sente exatamente tudo o que vc descreveu aqui.
Obrigada!!!! Essa leitura me ajudou demais.
Confesso que relutei muito pra abrir esse post quando li o tema “Pelo fim do conto de fadas”.
Estou na fase dos 30 e poucos anos, solteira há quase 10 anos, passando mais um “dia dos namorados” sem ninguém e vendo que durante anos eu me permiti ser enganada pelo conto de fadas anti-bíblico: “Faz uma lista que vc quer no seu marido e ore com fé por isso”.
Foram quase 10 anos crendo e orando por essa lista, por esses itens que passam desde o caráter e vão até a profissão. E o que aconteceu? Perdi homens incríveis que passaram pela minha vida, pois eles não tinham todos os itens da minha lista. Eu tive fé, orei, me guardei, acreditei que esse dia chegaria, mas ele nunca chegou e nunca chegará. Por quê? Porque a Bíblia nunca me mandou crer em contos de fadas e fazer uma lista da pessoa perfeita, afinal mais imperfeições que eu, eu ainda não conheci.
Perdi anos da minha vida acreditando, esperando… e quem é a culpada? Sou eu mesma, por não me atentar nas palavras que eu lia na Bíblia e deixar que as “experiências pessoais” com DEUS de pregadores falassem mais alto no meu coração.
Foram quase 10 anos perdidos!!! O tempo que passou, passou. Ele não vai voltar, agora é tentar reconstruir tudo novamente, olhar pra frente e enxergar a beleza em alguém tão imperfeito como eu.
A dor da solidão machuca mais do que relacionamentos frustrados, contudo ela é muito pequena quando comparada a minha falta de atenção com a Palavra, pois rapidamente eu teria notado que a Bíblia nunca me prometeu o conto de fadas que as pessoas no púlpito da igreja diziam:
• faça a lista do marido ideal;
• só pode namorar “para casar” (oiiii???);
• faça a “corte”: não beijem, não se abracem, não se toquem;
• primeiro orem por um período “XX” de tempo.
Ahhhhhh… se vc está lendo isso aqui hoje e tem seus 20 e poucos anos, não acredite nesses contos, nesses itens acima. Leia a Bíblia, e siga somente o que ela diz!!! Não traga pra você as experiências pessoais que pregadores tiveram na busca do amor ideal, a experiência deles com DEUS “serviu para eles”, não é geral e eles não deveriam generalizar.
Na Bíblia, sim, vc deve crer!!! A Palavra é a base e o único alicerce na procura do seu amor ideal.
Dani, que DEUS te abençoe e obrigada por sua coragem em compartilhar esse post e abrir seu coração, pois eu só tive coragem de me expor depois que li o que vc escreveu.
Pat
Que texto lindo!
Marco Antonio Ferreira
De fato não existe realidade nos contos de fadas e lidar com a nossa humanidade decaída é por demais desgastante. Sim, temos problemas até mesmo ao lidar conosco mesmo que dirá ao lidar com a intimidade do relacionamento conjugal. contudo, posso estar enganado, lógico, mas noto uma certa amargura nessa fala, uma coisa não exclui a possibilidade da outra. Achei muito radical. Quem sabe a autora não esteja precisando de terapia também para lidar melhor com a questão.