Por Rafaela Senfft

Hoje venho aqui falar dessa imagem: Adão e Eva expulsos do Paraíso, uma pintura que integra o teto da Capela Sistina, feita por Michelangelo (1508 – 1512). Esta cena faz parte da narrativa contada no todo da pintura e representa o momento crucial do ato do pecado. A árvore está posicionada no meio, dividindo causa e consequência no ato da desobediência.

A serpente, enrolada na Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, aponta para o movimento do drama e a transição, desde a concordância de Adão e Eva com a serpente até a consumação do fato.  A consequência é representada do lado direito, onde Adão e Eva são expulsos do jardim pela espada do anjo, o contraponto da figura da serpente.

São interessantes os elementos desse quadro, que tem falado muito comigo a respeito de como o homem se torna pós pecado original, levando em conta os elementos pictóricos.

Observe que após a queda eles estão envelhecidos. Note que do lado esquerdo eles são jovens e viçosos e do direito têm a expressão envelhecida e a mulher anda curvada. Além da humilhação de ser expulsos de casa, parecem humilhados fisicamente, velhos, acabados.

Michelangelo soube expressar com primor a morte. Na narrativa bíblica, Deus diz que se comessem o fruto “certamente morreriam”. O pecado geraria a morte no homem, o levaria pra longe de Deus. Ou seja, o distanciamento da intimidade e da conexão direta com Deus são realçados como elementos representativos dessa morte na obra. Ora, como não representar essa morte com uma expressão envelhecida e curvada?! A pintura precisa de símbolos físicos para representar coisas abstratas como a morte espiritual, para que seja passível da compreensão humana.

De fato, a velhice é o termômetro da morte. Quando envelhecemos estamos caminhando para lá. Mais do que isso; tornamos-nos velhos por causa do pecado num outro sentido: velhos ranzinzas, sem viço, amargurados, mal-humorados, com perda de capacidade de ver a alegria da vida, legalistas, cheios de manias e de ressentimento…

Não me leve a mal, falo “velho” aqui não como uma pessoa idosa; mesmo porque tem muita gente jovem por aí que parece “velha”. Falo daquele estilo de se tornar um velho carrancudo, cheio de manias. Ao mesmo tempo, existem idosos “jovens”, não no sentido de viver como se fossem adolescentes, mas sempre renovados na mente pelo Espírito. Os frutos do Espírito soam joviais: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança (Gálatas 5:22).

Então, quando contemplo Deus através da criação, sempre vejo um Deus alegre, bem humorado, leve, criativo, amoroso, paciente e etc..  através da dança e do canto dos pássaros, das tonalidades do céu, do por do sol, da variedade de formas e detalhes da natureza; até o lírio “(…) e se Deus veste as flores, que hoje se abrem e amanhã desaparecem” (Lc 12:27).

Se Deus cuida assim até de algo aparentemente tão sem importância, aparentemente tão descartável… O boi pode pisar na plantinha e a destruir, mas mesmo assim Ele não a priva de cuidados, de beleza e de detalhes, para que ela continue existindo e persistindo. Ele concede graça até mesmo àqueles que o desprezam, fazendo o sol se exibir em toda sua beleza até para aqueles homens maus.

Em Deus encontramos permanência, um caráter que não muda. Um Deus assim não tem nada a ver com velhos ranzinzas, essa é uma característica mais parecida com a morte, tão bem representada na obra de Michelangelo.

Deus é vida e continua gerando vida eternamente. Quando flertamos com a morte, Ele já providenciou Seu Filho para que encontrássemos vida novamente, a vida eterna.

Que possamos buscar em oração ser como Deus na sua leveza e jovialidade, buscando sua alegria e permanência! O pecado nos deixou velhos, mas Cristo é a fonte da alegria que nos rejuvenesce. “É preciso nascer de novo”.

Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia. (2 Coríntios 4:16)

  • Rafaela Senfft é artista plástica formada pela Escola Guignard/UEMG, onde é professora de História da Arte Ocidental no curso de extensão. É membro de CIVA (Christian in Visual Arts) e congrega na Caverna de Adulão, em BH.

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