Fugindo sozinho a pé de sua cidade no Iraque, recém tomada pelo Estado Islâmico, Ali estava exausto. Contou-me que pensava em suicídio, quando teve uma visão. “Eu sou Jesus e vou levá-lo para um lugar seguro. Não desanime”, disse o homem que lhe apareceu. Aquele encontro o deixou revigorado. Ele seguiu viagem e entrou na Turquia, onde foi logo procurar cristãos para pergunta-los sobre Jesus. O jovem, de 20 anos, era membro ativo de uma igreja árabe que conheci no sudeste daquele país, próximo à fronteira com a Síria.

Lá perto, no final de 2016, num riozinho escondido entre montanhas, assisti ao batismo de cinco sírios, todos refugiados. Dois meses antes, na região central do país, participei do batismo de 27 iranianos, também refugiados. Em ambos os casos, a maioria dos batizados conheceu a Cristo após cruzar as fronteiras da terra de origem.

A Turquia é hoje o país que mais tem recebido vítimas de deslocamentos forçados. Pelos números oficiais, são 2,5 milhões de pessoas – o Paquistão vem em segundo, com 1,6 milhão. É gente de diversas nacionalidades, desde os vizinhos Síria, Iraque, Irã e Afeganistão, até países africanos.

Embora chamados de refugiados, tecnicamente não o são. Estão sob proteção provisória, o que significa, em tese, uma situação transitória para o reassentamento definitivo num terceiro país ou o retorno ao lugar de que saíram, com restrições para o trabalho, a mobilidade no território e o uso de serviços públicos, como educação e saúde.

Duas coisas podem ser ditas dessa assim chamada crise de refugiados. Uma, que é um fenômeno de longo prazo que ainda não chegou ao ápice. Outra, que é uma oportunidade missionária sem precedentes na região do mundo até então mais fechada para o evangelho.

Se considerados apenas Síria, Iraque, Afeganistão e Iêmen, têm-se problemas para décadas. Tanto porque crises de refugiados são mesmo longas – duram em torno de 20 anos –, quanto pela dificuldade, nesses casos, de reconstrução dos países afetados. Acabar com a guerra nem de longe significa recuperar as condições de habitabilidade para que os milhões de retirantes queiram retornar.

Mas a coisa não fica restrita àqueles quatro países. O Oriente Médio em geral, mergulhado numa multipolaridade caótica, caminha para tempos de acirramento de conflitos dos quais muita gente ainda vai querer e precisar fugir. Mais ainda, megatendências sociopolíticas, econômicas, geopolíticas e ambientais para a Ásia e a África apontam para mais migrações em larga escala nos dois continentes.

É aí que começa a oportunidade missionária. Todo esse movimento migratório, junto com a intensificação da urbanização, o crescimento econômico, a disseminação das tecnologias de informação e o maior empoderamento dos indivíduos, é parte de um processo dramático de transformação social.

Bem onde estão concentrados 75% da população mundial (serão 80% em 2050) e os maiores grupos não-cristãos do planeta. O exato ponto geográfico do globo pelo qual passa uma faixa que a igreja cristã moderna tem chamado de Janela 10×40. Trocando em miúdos, na região até agora mais fechada e hostil para o evangelho, está em curso uma crise social avassaladora que fragiliza tradições culturais milenares e, em consequência, abre uma fenda promissora para a ação evangelística.

Desencantadas com os referenciais culturais de origem, traumatizadas pelos processos de violência a que se veem submetidas e abrindo-se a novos valores e modos de vida no esforço de reconstrução da trajetória individual e familiar, as pessoas estão, mais do que nunca, acessíveis às boas novas. E estas têm, na incessante movimentação de pessoas e circulação de ideias e informações, uma chance de penetração até agora inédita. É o que se pode chamar de condições sociológicas favoráveis!

Histórias como a de Ali e tantos outros mostram que Cristo tem se revelado na tragédia humanitária dos refugiados. Desde os episódios narrados em Atos, sabe-se que as migrações funcionam bem na preparação do solo para a mensagem cristã. É hora, portanto, de fazer como Felipe: ir para a estrada, para a rota do fluxo. E o Senhor preparará o encontro com o etíope viajante – ou, melhor, com a multidão de viajantes

  • O autor esteve na Turquia entre junho de 2016 e janeiro de 2017, participando do programa On Track da Interserve. Compartilhou sua experiência no EMEP.

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