A loucura da ressurreição
Por Amanda Almeida
Um centurião do Império Romano recebe a tarefa de manter o túmulo de Jesus selado. Já pensou se o corpo some? Mas… some. Agora a tarefa é descobrir o que aconteceu. Mas o tal centurião é cético e correm rumores pela Judeia de que o morto é o filho de Deus, que ressuscitou. É com essa premissa, e no clima da Páscoa, que “Ressurreição” (2016) chegou aos cinemas.
O filme foi produzido pela Affirm, uma subdivisão da Sony voltada para obras “baseadas na fé”. Algumas das outras produções da casa foram “O Céu é de Verdade” (2014), com custo de 12 milhões de dólares e retorno de mais de 100 milhões; “Quarto de Guerra” (2015), que rendeu 68 milhões com uma produção de apenas 3 milhões; e “Corajosos” (2011), que custou 2 milhões e lucrou 35 milhões de dólares. Dá para perceber que são filmes com retornos praticamente garantidos, a partir de investimentos baixos.
Em 2004, “A Paixão de Cristo” chamou atenção por ter um nome de peso como Mel Gibson na direção. Seus custos também foram relativamente baixos, ficando em 30 milhões de dólares, mas a arrecadação foi extraordinária, de mais de 600 milhões. O filme recebeu algumas indicações ao Oscar, inclusive de Melhor Fotografia, e, nos termômetros da cultura pop, Jim Caviezel levou um MTV Movie Awards pela interpretação de Jesus.
Quem é que, fazendo parte de uma comunidade cristã na época, não promoveu ou foi convidado para uma exibição de “A Paixão de Cristo” na igreja? Por mais que possa ser criticada, a escolha de tornar explícita a violência e focar no sofrimento da via crúcis faz com que sejamos confrontados pelo que é retratado em cena. E é esse senso de confronto que falta a “Ressurreição”.
É difícil falar do filme sem dar o maior spoiler: o centurião Clavius (Joseph Fiennes) passa ou não a acreditar na ressurreição de Cristo? Independente da resposta, no fim das contas esse não é o tema do filme, e sim o sentido de nossas jornadas. Clavius buscava dias de paz, sem mortes. Onde encontraria: escalando até o topo do sistema do Império Romano, ou seguindo as palavras do “Rei dos Judeus”, que deixou um túmulo vazio?
Durante a investigação, as palavras dos seguidores de Jesus pareciam mesmo loucura. É aí que talvez não tenha sido aproveitado o potencial elemento de confronto para a Igreja hoje. Como cristãos, nossas palavras ainda parecem uma loucura para as lógicas dos sistemas desse mundo? “Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus” (1Co 1:18).
Apesar de alguns personagens bastante caricatos, que servem às estratégias narrativas do filme, Clavius tem várias camadas, e os ápices de “Ressurreição” são os momentos nos quais elas vão sendo reveladas. Quando o roteiro lhe permite falas mais elaboradas, Fiennes se destaca e a personalidade de Clavius enche a cena, seja intimidando uma testemunha, seja se questionando sobre a possibilidade de acreditar no que o Nazareno pregava.
Em alguns pontos, é visível como o baixo orçamento – 20 milhões de dólares -afetou aspectos técnicos da obra (cenários de cromaqui que parecem mesmo ser cenários de cromaqui, e cenas que teriam bem mais impacto em um set maior), mas alguns outros cuidados, como Clavius colocando uma moeda na boca de um morto (na mitologia grega, Caronte, o barqueiro do Hades, cobra uma moeda para conduzir as almas), mostram como o esforço criativo não tem preço.
No teste do tempo, “Ressurreição” não deve se tornar um desses filmes icônicos para a temática da Páscoa. Ainda mais por focar na visão de um homem sobre a ressurreição e não na ressurreição em si. Mas, frente a um dilema que o leva a refletir sobre sua fé, esse homem mantém uma postura justa e sincera, algo difícil de se ver em protagonistas de produções do gênero.
E talvez seja essa a maior contribuição do filme, em um tempo no qual também anda difícil ver cristãos apresentando posturas justas e sinceras na busca de respostas no diálogo entre fé e o cenário atual do país. “Ressurreição” já é uma palavra tão batida no nosso vocabulário, que é fácil não ter em mente o valor que ela traz. Que o dia a dia não apague o valor de acharmos o sentido de nossas jornadas na loucura que o evangelho é para esse mundo.
• Amanda Almeida tem 22 anos e é recém-formada em Comunicação Social pela UFMG. Sua monografia tratou de jornalismo cultural, arte e cristianismo. Amanda escreve para o blog Ultimato Jovem sobre cinema.
José Roberto
Lindo o texto e a observação do filme.
Otávio
É Amanda.. acho q estou apaixonado por vc.. ou melhor, pelo seu texto. hehehehe
Otávio
Fui ao cinema ano passado para assistir a este filme e não me arrependo até hoje: uma obra de arte bíblico-cinematográfica.
Parabéns aos produtores.