UltJovem_28_03_16_belezamediaPor Levi Agreste

Não há nada mais bonito que a beleza média. Em primeiro lugar, porque poucos falam dela. Não é surpresa para ninguém que as estéticas mais populares beiram os dois polos – o do sublime e do grotesco. O primeiro representa a ilusão do desejo humano e o segundo a abnegação – mas nenhum dos dois supre as vontades mais profundas do ser humano, coisa que só a beleza média pode fazer. A beleza sublime é a fantasia da busca pelo inalcançável. É o pensamento equivocado de que, quanto mais próximo da simetria tirana, mais profunda será a satisfação do ego. É o ideal de que precisamos de cada vez mais – inflando e inflando o ser, deixando-o inchado e obeso. A arte, a natureza e a sabedoria já nos mostraram que o exagero não é equivalente à satisfação. Um campo extenso e repleto das flores mais belas é impressionante. Mas é ainda mais impressionante perceber uma flor qualquer em meio a um campo cinza. Como já dizia Drummond:

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.”

Também o grotesco, a abnegação completa, não é a resposta para as necessidades humanas. Nascido da frustração de um mundo que venera a beleza sublime, o grotesco surge como reação à impossibilidade de alcançá-lo – porém sem nenhuma moderação. É a tentativa de humilhar a humanidade, destruir as bases de suas edificações, queimar os campos repletos de flores – para que então possa surgir nova vida. Contudo, o grotesco não foi bem-sucedido nem em seu projeto de destruição completa, nem na utopia de se reconstruir a vida. Como poderia a violência gerar vida? Como poderia a feiura renovar a beleza? O grotesco é apenas a alma se afogando em sua obscuridade, é a besta que irrompe de dentro do pobre humano. Como já dizia Augusto dos Anjos:

Era como se, na alma da cidade,
Profundamente lúbrica e revolta,
Mostrando as carnes, uma besta solta
Soltasse o berro da animalidade.”

A beleza média não dispõe da popularidade da sublime ou da grotesca. Mas é bom que assim seja. Se fosse louvada em cada esquina, a ganância do homem já a teria transformado em produto. Discreta, ela não carece da publicidade de ninguém. Ela desliza por entre a gente despercebida, inspirando no anonimato.

A beleza média é a suspensão entre o sublime e o grotesco. Não é pomposa como aquela, nem radical como esta. Sua principal virtude é ser real.

A mulher em sua juventude traz consigo o frescor da vida. É bela por tudo aquilo que tem ainda pela frente, por tudo que ainda não experimentou – denunciada pela pele lisa. Quando se depara com o tempo e envelhece, as rugas aparecem, mas a beleza é a mesma. A beleza média se manifesta no seu justo cansaço, nas marcas que a vida lhe deixou – e que foram superadas.

A beleza média repousa no espírito perseverante da experiência, na moderação da sabedoria, no simples e no real – acima de tudo no real. O mais belo da mulher é o fato de ser real. Quando se percebe a realidade da textura do ser vivo, o despimos; passamos a perceber a simplicidade de sua natureza. E, aí sim, estamos prontos para amá-lo. A beleza média satisfaz o ser humano porque o dá a permissão de amar.

A beleza média não busca absorver mais e mais do mundo. Ela tampouco quer destruí-lo. Ela nos liberta da vaidade do exagero e do desespero da destruição, a ponto de perceber a vida como ela é, experimentar de sua realidade. Passamos, enfim, a reconhecer o valor real do que nos envolve. Conhecemos a vida e todos os seus nuances. Apreciamos sua riqueza sem nunca desejá-la. Vemos, inclusive, a beleza na morte – e todas as possiblidades que ela oferece. Como já disse o apóstolo:

“Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por cuja causa perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco para poder ganhar a Cristo e ser encontrado nele (…) Quero conhecer a Cristo, ao poder da sua ressurreição e à participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte para, de alguma forma, alcançar a ressurreição dentre os mortos.”

A beleza média revoluciona o mundo através da simplicidade. Prova maior disso é a própria Beleza ter se transformado em homem médio, carpinteiro, de mãos rudes e face medíocre. A Beleza despiu-se de si mesma e vestiu a pele de um homem comum. Em suas vestes toscas, ensinou-nos a perceber a vida e todas as suas possibilidades. Em sua simplicidade, descarregou-nos do peso tirano do sublime. Em sua realidade, tocou, sentiu, amou e sangrou. Eis aí a supremacia da beleza média:

“Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz!”

Levi Agreste, 24 anos, graduado em Letras pela Unicamp, leciona em três escolas da região metropolitana de Campinas, faz parte da coordenação da ONG Soprar e escreve no blog umanovaviagem.

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