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- 04 de julho de 2014
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Você será na velhice o que é hoje
Uma segunda carreira ou segunda ocupação nasce de uma motivação diferente, porém social e busca um fim, fixa-se numa missão que leva o indivíduo a se organizar, a ser fiel, a manter uma prioridade frente os prazeres egoístas. Tudo isso se fará por amor aos homens e não por dever, porque já não se trata de atividade profissional. É uma maneira de estar no mundo e não de se evadir dele.
Proponho, então, a oposição entre a segunda ocupação e uma reação típica da velhice: a de se desinteressar do mundo, de retirar-se para dentro de si mesmo, o que, muitas vezes, recebe o nome de serenidade. Todos nós sabemos que há dois tipos de serenidade: a boa e a má. A primeira é fruto de uma grande maturidade pessoal, de uma vitória sobre a ambição, de um desligar-se de si próprio e das impaciências egoístas da juventude. Neste caso o homem se abre a um grande amor, à benevolência, a um interesse profundo por compreender o próximo, por ajudar de um modo desinteressado e não autoritário. A serenidade ruim, ou melhor, aquilo que se toma por serenidade, sem muito critério, é, na verdade, uma indiferença profunda.
Geralmente, a pessoa é na velhice como sempre foi antes, só que com traços mais acentuados. O generoso aumenta a sua generosidade, o autoritário torna-se tirano e o passivo o é ainda mais. Simone de Beauvoir afirma com agudeza: “Os que desde sempre elegeram a mediocridade não terão dificuldade para as compor, para as minimizar”. Eu conheci um ancião totalmente adaptado à sua idade: meu avô paterno. Egoísta, superficial; entre as atividades ocas de sua maturidade e a inatividade de seus últimos anos não havia muita distância. Jamais se sobressaltava, não havia inquietude que o afetasse de verdade; sua saúde era excelente. Pouco a pouco seus passeios encurtaram; frequentemente dormia sobre o seu jornal, Le Courrier du Centre [O correio do centro]. Até a sua morte teve aquilo que se costuma chamar de “uma bela velhice”.
Sem dúvida, Simone de Beauvoir tem razão em sua ironia. A expressão “uma bela velhice” não representa o quadro que ela nos pinta, mas que esta tem de ser uma época fértil, aberta ao mundo e aos homens, um tempo ardente, mas sereno, com capacidade para ainda lutar, e lutar apaixonadamente. Essa luta será diferente da luta da juventude, mas no final das contas será uma luta, porque toda a vida é luta. Muitas vezes chamamos de sabedoria a uma atitude de indiferença e de abandono, para não dizer de despeito. Com frequência os prazeres solitários podem implicar esta situação: “Não querem saber de nada comigo? Tudo bem; vou pescar”. E a pesca já não é espairecimento, mas amargo ruminar.
Fala-se geralmente na velhice como uma idade isenta de paixão. Mas a ausência de paixão é a morte antecipada. Se não há raiva, não há sorrisos; se não há indignação, não há perdão; se não há angústia, não há esperança. Desgraçadamente isto pode vir a ocorrer nos anos finais, quando já não há problemas futuros, mas, antes de ser uma vitória da sabedoria, é caduquice. Então o indivíduo é só um doente a quem o médico poupa sofrimento e prolonga a vida, porque não sabe o que ocorre em seu interior, por detrás da aparência. O verdadeiro problema se coloca muito antes, quando o aposentado, são e forte ainda, têm de enfrentar a sua retirada da vida ativa. As forças diminuem e podem aparecer doenças, mas o coração, a capacidade de amar e a necessidade de dar sentido à própria vida estão intactos. Poderá preencher o seu tempo com intermináveis entretenimentos? Afundará no despeito? Evitará aposentar-se, prolongando enquanto possa a sua carreira profissional?
Retirado de É Preciso Saber Envelhecer, lançamento da Editora Ultimato.
Proponho, então, a oposição entre a segunda ocupação e uma reação típica da velhice: a de se desinteressar do mundo, de retirar-se para dentro de si mesmo, o que, muitas vezes, recebe o nome de serenidade. Todos nós sabemos que há dois tipos de serenidade: a boa e a má. A primeira é fruto de uma grande maturidade pessoal, de uma vitória sobre a ambição, de um desligar-se de si próprio e das impaciências egoístas da juventude. Neste caso o homem se abre a um grande amor, à benevolência, a um interesse profundo por compreender o próximo, por ajudar de um modo desinteressado e não autoritário. A serenidade ruim, ou melhor, aquilo que se toma por serenidade, sem muito critério, é, na verdade, uma indiferença profunda.
Geralmente, a pessoa é na velhice como sempre foi antes, só que com traços mais acentuados. O generoso aumenta a sua generosidade, o autoritário torna-se tirano e o passivo o é ainda mais. Simone de Beauvoir afirma com agudeza: “Os que desde sempre elegeram a mediocridade não terão dificuldade para as compor, para as minimizar”. Eu conheci um ancião totalmente adaptado à sua idade: meu avô paterno. Egoísta, superficial; entre as atividades ocas de sua maturidade e a inatividade de seus últimos anos não havia muita distância. Jamais se sobressaltava, não havia inquietude que o afetasse de verdade; sua saúde era excelente. Pouco a pouco seus passeios encurtaram; frequentemente dormia sobre o seu jornal, Le Courrier du Centre [O correio do centro]. Até a sua morte teve aquilo que se costuma chamar de “uma bela velhice”.
Sem dúvida, Simone de Beauvoir tem razão em sua ironia. A expressão “uma bela velhice” não representa o quadro que ela nos pinta, mas que esta tem de ser uma época fértil, aberta ao mundo e aos homens, um tempo ardente, mas sereno, com capacidade para ainda lutar, e lutar apaixonadamente. Essa luta será diferente da luta da juventude, mas no final das contas será uma luta, porque toda a vida é luta. Muitas vezes chamamos de sabedoria a uma atitude de indiferença e de abandono, para não dizer de despeito. Com frequência os prazeres solitários podem implicar esta situação: “Não querem saber de nada comigo? Tudo bem; vou pescar”. E a pesca já não é espairecimento, mas amargo ruminar.
Fala-se geralmente na velhice como uma idade isenta de paixão. Mas a ausência de paixão é a morte antecipada. Se não há raiva, não há sorrisos; se não há indignação, não há perdão; se não há angústia, não há esperança. Desgraçadamente isto pode vir a ocorrer nos anos finais, quando já não há problemas futuros, mas, antes de ser uma vitória da sabedoria, é caduquice. Então o indivíduo é só um doente a quem o médico poupa sofrimento e prolonga a vida, porque não sabe o que ocorre em seu interior, por detrás da aparência. O verdadeiro problema se coloca muito antes, quando o aposentado, são e forte ainda, têm de enfrentar a sua retirada da vida ativa. As forças diminuem e podem aparecer doenças, mas o coração, a capacidade de amar e a necessidade de dar sentido à própria vida estão intactos. Poderá preencher o seu tempo com intermináveis entretenimentos? Afundará no despeito? Evitará aposentar-se, prolongando enquanto possa a sua carreira profissional?
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