Opinião
- 04 de outubro de 2023
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Vermigli – um reformador italiano... e internacional
Uma plêiade de personagens de menor expressão, auxiliares ou seguidores dos vultos principais, também deu contribuições substanciais à Reforma Protestante
Por Alderi Souza de Matos
Quando pensamos nos líderes da Reforma do Século 16, geralmente nos vêm à mente os nomes de seus próceres mais destacados, como Lutero, Melanchthon, Zuínglio, Calvino, Knox, Cranmer e Simmons. Todavia, houve uma plêiade de personagens de menor expressão, auxiliares ou seguidores dos vultos principais, que também deu contribuições substanciais ao novo movimento. Esses reformadores do segundo escalão procederam das mais diversas nações europeias, entre as quais, por improvável que fosse, a Itália.
Três patrícios de Dante Alighieri e Michelangelo se evidenciaram nos anais da Reforma Protestante – Pedro Mártir Vermigli, Bernardino Ochino e Jerônimo Zanchi –, todos os quais se identificaram com o pensamento da Reforma Suíça ou Movimento Reformado. Destes, o que alcançou maior proeminência foi o florentino Pietro Martire Vermigli (1499–1562), caracterizado por Teodoro de Beza como “uma fênix que surgiu das cinzas de Savonarola”. Nascido em 8 de setembro de 1499, era filho de Stefano di Antonio Vermigli e Maria Fumantina. Seu pai o dedicou a São Pedro Mártir, um inquisidor dominicano morto pelos cátaros em 1252.
Vermigli recebeu apurada educação sob os auspícios da ordem agostiniana. Ingressou na Congregação Lateranense dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho e em 1518 foi admitido na Universidade de Pádua. Obteve o doutorado em 1525, após rigoroso treinamento no método tomista e no agostinismo de Gregório de Rimini, sendo ordenado sacerdote. No ano seguinte, foi promovido a pregador público e até 1533 lecionou filosofia e Escritura nas casas da Congregação Lateranense. Como vigário de San Giovanni in Monte, em Bolonha, aprendeu hebraico com um estudioso judeu.
A seguir, foi abade por três anos do mosteiro de Spoleto. Morou por um ano em Roma, sendo possível que tenha colaborado na elaboração das propostas de reforma da Igreja que o cardeal Gasparo Contarini e outros líderes apresentaram ao papa Paulo III em 1537. Desse ano até 1540, foi abade do mosteiro de San Pietro ad Aram, em Nápoles. Fez amizade com o reformador espanhol Juan de Valdés e pregou a uma audiência que também frequentava o salão reformista de Valdés. Influenciado inicialmente por esse colega, logo se voltou para os escritos de Martin Bucer e Ulrico Zuínglio. Tornou-se um estudioso da Bíblia, tendo como companheiro de jornada Bernardino Ochino, outro futuro reformador.
Em 1540, suas preleções públicas sobre 1 Coríntios somente chegaram até o capítulo 3, versículos 9 a 17, sendo proibido de pregar por negar o purgatório. Com o apoio de amigos de Roma, foi eleito prior do mosteiro de San Frediano, em Lucca, onde sua pregação expositiva das epístolas paulinas e dos Salmos atraiu multidões. Recrutou para esse mosteiro mestres como o hebraísta João Emanuel Tremelli e Jerônimo Zanchi. Em setembro de 1541, durante as conversações de cúpula realizadas em Lucca entre o papa Paulo III e o imperador Carlos V, ele e Contarini dialogaram sobre temas religiosos.
O futuro reformador experimentou uma crise de consciência quando a Inquisição foi estabelecida na Itália em 21 de julho de 1542. Tendo abraçado plenamente as ideias reformadas, fugiu em agosto para Florença passando por Pisa. Escreveu uma carta aos cônegos de Lucca que terminava afirmando: “Estou livre da hipocrisia pela graça de Cristo”. Fugiu pelos Alpes em 25 de agosto, acompanhado por Ochino, apreciado pregador capuchinho. Com isso, conforme pondera M. W. Anderson, sua erudição escolástica, rabínica e patrística passou a auxiliar diversas iniciativas protestantes no norte da Europa.
Depois de algumas semanas em Zurique e Basileia, seguiu em 5 de outubro, a convite de Martin Bucer, para Estrasburgo, onde se tornou professor de teologia, lecionando sobre o Antigo Testamento e a Epístola aos Romanos. Em 1544, publicou comentários sobre o Credo dos Apóstolos que negavam o ensino romano sobre o papado e a eucaristia. Nesse período, casou-se com a ex-freira Catarina Dampmartin. Em 1547, foi convidado por Thomas Cranmer, arcebispo de Cantuária, para visitar a Inglaterra, seguindo para lá com Ochino. Tornou-se professor régio no Colégio Christ Church, em Oxford. Fez preleções sobre 1 Coríntios e Romanos e envolveu-se fortemente com a igreja inglesa. Após a ascensão de Maria I, foi aprisionado, mas no final de 1553 conseguiu voltar para Estrasburgo, onde retomou seu cargo de professor.
Em 1556, seguiu para Zurique, passando ali seus últimos anos. Além de seu trabalho como acadêmico e pregador, destacou-se por sua obra literária. Escreveu muitos comentários bíblicos, como os de 1 Coríntios (1551) e Romanos (1558). Mediante solicitação de Cranmer, publicou a volumosa Defesa contra Gardiner (1559). Em 1561, veio a lume seu Diálogo sobre as Duas Naturezas de Cristo, em resposta ao luterano João Brentz. Seus escritos em latim foram coligidos e publicados sob o título Loci Communes (1576), sendo mais tarde ampliados e traduzidos para o inglês (1583), com muitas edições. Suas obras instruíram a comunidade reformada internacional e em especial os puritanos elizabetanos.
Em Zurique, Vermigli desfrutou de um feliz relacionamento com João Henrique Bullinger e com os refugiados ingleses ali residentes. Foi professor de hebraico e teve pequena participação na Segunda Confissão Helvética. João Calvino o convidou várias vezes para pastorear a igreja italiana de Genebra e lecionar nessa cidade. Correspondeu-se com bispos elizabetanos, trocou cartas com nobres protestantes poloneses e inspirou com seus escritos muitos tchecos perseguidos, ao longo de várias gerações. Em setembro de 1561, compareceu com Teodoro de Beza ao Colóquio de Poissy, na França. O ilustre reformador italiano faleceu em sua residência em Zurique no dia 12 de novembro de 1562, na presença de sua esposa, Catarina, e de vários amigos, inclusive Bullinger.
Artigo originalmente publicado na edição 403 de Ultimato.
REVISTA ULTIMATO | DOXOLOGIA NO CULTO PÚBLICO E NA VIDA DIÁRIA
A matéria de capa desta edição convida o leitor ao exercício da doxologia: a afirmação vibrante sobre o que Deus é e o que ele faz. Uma afirmação que traduz a nossa opinião sobre Deus forjada pelas Escrituras e pelas experiências com ele. Isso vai contra a correnteza do mundo em que vivemos, tão pouco propício à solitude, à contemplação e à adoração.
É disso que trata a matéria de capa da edição 403 da Revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
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» O que você precisa saber sobre a Reforma Protestante
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Por Alderi Souza de Matos
Quando pensamos nos líderes da Reforma do Século 16, geralmente nos vêm à mente os nomes de seus próceres mais destacados, como Lutero, Melanchthon, Zuínglio, Calvino, Knox, Cranmer e Simmons. Todavia, houve uma plêiade de personagens de menor expressão, auxiliares ou seguidores dos vultos principais, que também deu contribuições substanciais ao novo movimento. Esses reformadores do segundo escalão procederam das mais diversas nações europeias, entre as quais, por improvável que fosse, a Itália.
Três patrícios de Dante Alighieri e Michelangelo se evidenciaram nos anais da Reforma Protestante – Pedro Mártir Vermigli, Bernardino Ochino e Jerônimo Zanchi –, todos os quais se identificaram com o pensamento da Reforma Suíça ou Movimento Reformado. Destes, o que alcançou maior proeminência foi o florentino Pietro Martire Vermigli (1499–1562), caracterizado por Teodoro de Beza como “uma fênix que surgiu das cinzas de Savonarola”. Nascido em 8 de setembro de 1499, era filho de Stefano di Antonio Vermigli e Maria Fumantina. Seu pai o dedicou a São Pedro Mártir, um inquisidor dominicano morto pelos cátaros em 1252.
Vermigli recebeu apurada educação sob os auspícios da ordem agostiniana. Ingressou na Congregação Lateranense dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho e em 1518 foi admitido na Universidade de Pádua. Obteve o doutorado em 1525, após rigoroso treinamento no método tomista e no agostinismo de Gregório de Rimini, sendo ordenado sacerdote. No ano seguinte, foi promovido a pregador público e até 1533 lecionou filosofia e Escritura nas casas da Congregação Lateranense. Como vigário de San Giovanni in Monte, em Bolonha, aprendeu hebraico com um estudioso judeu.
A seguir, foi abade por três anos do mosteiro de Spoleto. Morou por um ano em Roma, sendo possível que tenha colaborado na elaboração das propostas de reforma da Igreja que o cardeal Gasparo Contarini e outros líderes apresentaram ao papa Paulo III em 1537. Desse ano até 1540, foi abade do mosteiro de San Pietro ad Aram, em Nápoles. Fez amizade com o reformador espanhol Juan de Valdés e pregou a uma audiência que também frequentava o salão reformista de Valdés. Influenciado inicialmente por esse colega, logo se voltou para os escritos de Martin Bucer e Ulrico Zuínglio. Tornou-se um estudioso da Bíblia, tendo como companheiro de jornada Bernardino Ochino, outro futuro reformador.
Em 1540, suas preleções públicas sobre 1 Coríntios somente chegaram até o capítulo 3, versículos 9 a 17, sendo proibido de pregar por negar o purgatório. Com o apoio de amigos de Roma, foi eleito prior do mosteiro de San Frediano, em Lucca, onde sua pregação expositiva das epístolas paulinas e dos Salmos atraiu multidões. Recrutou para esse mosteiro mestres como o hebraísta João Emanuel Tremelli e Jerônimo Zanchi. Em setembro de 1541, durante as conversações de cúpula realizadas em Lucca entre o papa Paulo III e o imperador Carlos V, ele e Contarini dialogaram sobre temas religiosos.
O futuro reformador experimentou uma crise de consciência quando a Inquisição foi estabelecida na Itália em 21 de julho de 1542. Tendo abraçado plenamente as ideias reformadas, fugiu em agosto para Florença passando por Pisa. Escreveu uma carta aos cônegos de Lucca que terminava afirmando: “Estou livre da hipocrisia pela graça de Cristo”. Fugiu pelos Alpes em 25 de agosto, acompanhado por Ochino, apreciado pregador capuchinho. Com isso, conforme pondera M. W. Anderson, sua erudição escolástica, rabínica e patrística passou a auxiliar diversas iniciativas protestantes no norte da Europa.
Depois de algumas semanas em Zurique e Basileia, seguiu em 5 de outubro, a convite de Martin Bucer, para Estrasburgo, onde se tornou professor de teologia, lecionando sobre o Antigo Testamento e a Epístola aos Romanos. Em 1544, publicou comentários sobre o Credo dos Apóstolos que negavam o ensino romano sobre o papado e a eucaristia. Nesse período, casou-se com a ex-freira Catarina Dampmartin. Em 1547, foi convidado por Thomas Cranmer, arcebispo de Cantuária, para visitar a Inglaterra, seguindo para lá com Ochino. Tornou-se professor régio no Colégio Christ Church, em Oxford. Fez preleções sobre 1 Coríntios e Romanos e envolveu-se fortemente com a igreja inglesa. Após a ascensão de Maria I, foi aprisionado, mas no final de 1553 conseguiu voltar para Estrasburgo, onde retomou seu cargo de professor.
Em 1556, seguiu para Zurique, passando ali seus últimos anos. Além de seu trabalho como acadêmico e pregador, destacou-se por sua obra literária. Escreveu muitos comentários bíblicos, como os de 1 Coríntios (1551) e Romanos (1558). Mediante solicitação de Cranmer, publicou a volumosa Defesa contra Gardiner (1559). Em 1561, veio a lume seu Diálogo sobre as Duas Naturezas de Cristo, em resposta ao luterano João Brentz. Seus escritos em latim foram coligidos e publicados sob o título Loci Communes (1576), sendo mais tarde ampliados e traduzidos para o inglês (1583), com muitas edições. Suas obras instruíram a comunidade reformada internacional e em especial os puritanos elizabetanos.
Em Zurique, Vermigli desfrutou de um feliz relacionamento com João Henrique Bullinger e com os refugiados ingleses ali residentes. Foi professor de hebraico e teve pequena participação na Segunda Confissão Helvética. João Calvino o convidou várias vezes para pastorear a igreja italiana de Genebra e lecionar nessa cidade. Correspondeu-se com bispos elizabetanos, trocou cartas com nobres protestantes poloneses e inspirou com seus escritos muitos tchecos perseguidos, ao longo de várias gerações. Em setembro de 1561, compareceu com Teodoro de Beza ao Colóquio de Poissy, na França. O ilustre reformador italiano faleceu em sua residência em Zurique no dia 12 de novembro de 1562, na presença de sua esposa, Catarina, e de vários amigos, inclusive Bullinger.
Artigo originalmente publicado na edição 403 de Ultimato.
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Autor de A Caminhada Cristã na História, Alderi Souza de Matos é pastor presbiteriano e professor no Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper, em São Paulo. É bacharel em teologia, filosofia e direito, mestre em Novo Testamento (S.T.M.) e doutor em História da Igreja (Th.D.). É também o historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil e escreve a coluna “História” da revista Ultimato.
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