Opinião
- 18 de julho de 2011
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“Venham a mim!”
Eduardo Galeano colheu esta frase irônica, colocada no portão de Auschwitz, campo de concentração nazista: “O trabalho liberta!”. Por outro lado, numa igreja frequentada pelo populacho pobre, no centro da Cidade do México, estava o cartaz: “Amados paroquianos, cuidado com seus pertences...”. Gandhi, na África do Sul, procurou uma igreja protestante, depois de uma noite lendo os Evangelhos, e viu na porta: “Proibida a entrada de cães e negros...”. O evangelho requer atenção para com o convite de Cristo: “Que venham a mim todos os que estão cansados e oprimidos, e eu lhes darei alívio” (Sl 40.18; Mt 11.28).
Temos um convite para desfrutar a alegria da vida com Deus. Viver. Vida bem-aventurada, no chamado de Jesus. Evidente é que o gozo, a alegria, se apoia na beleza e na simplicidade, no observar dos mais humildes, ingênuos, pacíficos, não-violentos, enfim, os que são amados por Deus. Tudo isso porque Cristo, antes de tudo, é revelação de Deus, aquele que se apresenta com um coração terno, manso, pacificador dos homens e das mulheres, e não como alguém em busca de sucesso a qualquer custo, impondo-se sobre os outros, com força intelectual ou política. Ou pelo poder econômico.
Um exemplo para a paz na Igreja. É também sinal de acolhimento dos maltratados pela vida, até pelo fato de estarem vivos, incomodando o mundo hostil com sua pobreza e miséria. Se a identidade coletiva prevalece, como muleta para atrofiados, escudo para temerosos, cama para preguiçosos, diversão gospel para irresponsáveis, bem poderia ela ser albergue para os desabrigados, porto para náufragos, nova família para órfãos, utopia para os socialmente inconformados, terra para os despatriados, curral seguro para os desgarrados, mãe nutriz para o crescimento das novas gerações.
O que um budista indiano chama ahimsa, um personagem bíblico, como Jesus, chama de rahamim. É a mesma atitude de compaixão, originalmente “não-machucar” o outro. Uma atitude que se sobrepõe à vontade de dominar a qualquer custo; acima da gana de pisar no pescoço de alguém para passar à frente, entrar em sua realidade para dominá-lo. Praticar “limpeza” cultural ou social. Ao contrário de nós, Deus não guarda rancor pelos “improdutivos”, à margem da vida, os que não podem consumir, que são excluídos do bem estar geral, inclusive porque não podem pagar pelas bem-aventuranças do mundo do consumo. Para identificar a compaixão de Deus pelo oprimido, pobre, aflito, despojado, sem-posses, sem-nada, o hebreu usa a palavra rahamim (“ter entranhas”, “ter coração”, que é sede dos melhores sentimentos). Deus é como a mãe que vê seus filhos com extremo cuidado, acolhendo-os sempre com amorosa compaixão. O Deus da Bíblia ama menos que a mãe humana? Não. E não fica magoado por nossas fugas, nossas desobediências; não castiga nem pede obras reparadoras, retributivas, para doar graça e misericórdia (hesed).
Cada geração tem interrogado sobre Jesus Cristo, o Filho, de uma maneira peculiar, buscando entender onde Deus se revela. Nem os primeiros cristãos imaginaram Jesus num texto de louvor e gratuidade tão expressivo. De Jesus, ouvimos as palavras audazes e dominantes: “Venham a mim!”. Essas palavras articulam a experiência de Deus na forma de acolhimento mais profundo existente. Não é a toa que a palavra pater, pai na língua grega – daí a expressão “pátrio poder” – se sobreponha ao termo aramaico. Abbá, na língua de Jesus tem um sentido doce: “Paínho”, no jeito baiano de expressar o carinho. Ocorre o contrário do que a autoridade do nome pater sugere. A experiência filial, humana, de Jesus, se harmoniza com o que homens e mulheres mais procuram: cuidado, ternura, solidariedade amorosa. Exatamente porque isso lhes é negado. Jesus é o homem que ama seus semelhantes como Deus, Pai de Misericórdia que ama a todos sem eleições preferenciais. Predestinação é heresia.
A interiorização recomendada pelo Evangelho trata de absolutos éticos que escapam e distanciam-se da inteligência prática. Induz à sensibilidade para com a realidade dos esmagados e triturados pelos sistemas de pensar desse mundo. Este é o mundo da ganância: ter-sem-ser e aparecer-a-qualquer-custo; que se ocupem espaços ambicionados no universo da superficialidade, valendo pisotear valores da solidariedade e da misericórdia. Na verdade, as “revelações” de Deus aos pequenos e mansos são um desafio à oração dos bem-postos, dos sábios e detentores do conhecimento, que ensinam as melhores estratégias para “se dar bem na vida”. A práxis de Jesus nos remete ao mundo prosaico dos simples, mansos, humildes deste mundo, a quem faltam recursos mínimos para a sobrevivência, enquanto expostos à ganância egoísta do mundo que sobrecarrega de privilégios quem já é privilegiado.
Temos um convite para desfrutar a alegria da vida com Deus. Viver. Vida bem-aventurada, no chamado de Jesus. Evidente é que o gozo, a alegria, se apoia na beleza e na simplicidade, no observar dos mais humildes, ingênuos, pacíficos, não-violentos, enfim, os que são amados por Deus. Tudo isso porque Cristo, antes de tudo, é revelação de Deus, aquele que se apresenta com um coração terno, manso, pacificador dos homens e das mulheres, e não como alguém em busca de sucesso a qualquer custo, impondo-se sobre os outros, com força intelectual ou política. Ou pelo poder econômico.
Um exemplo para a paz na Igreja. É também sinal de acolhimento dos maltratados pela vida, até pelo fato de estarem vivos, incomodando o mundo hostil com sua pobreza e miséria. Se a identidade coletiva prevalece, como muleta para atrofiados, escudo para temerosos, cama para preguiçosos, diversão gospel para irresponsáveis, bem poderia ela ser albergue para os desabrigados, porto para náufragos, nova família para órfãos, utopia para os socialmente inconformados, terra para os despatriados, curral seguro para os desgarrados, mãe nutriz para o crescimento das novas gerações.
O que um budista indiano chama ahimsa, um personagem bíblico, como Jesus, chama de rahamim. É a mesma atitude de compaixão, originalmente “não-machucar” o outro. Uma atitude que se sobrepõe à vontade de dominar a qualquer custo; acima da gana de pisar no pescoço de alguém para passar à frente, entrar em sua realidade para dominá-lo. Praticar “limpeza” cultural ou social. Ao contrário de nós, Deus não guarda rancor pelos “improdutivos”, à margem da vida, os que não podem consumir, que são excluídos do bem estar geral, inclusive porque não podem pagar pelas bem-aventuranças do mundo do consumo. Para identificar a compaixão de Deus pelo oprimido, pobre, aflito, despojado, sem-posses, sem-nada, o hebreu usa a palavra rahamim (“ter entranhas”, “ter coração”, que é sede dos melhores sentimentos). Deus é como a mãe que vê seus filhos com extremo cuidado, acolhendo-os sempre com amorosa compaixão. O Deus da Bíblia ama menos que a mãe humana? Não. E não fica magoado por nossas fugas, nossas desobediências; não castiga nem pede obras reparadoras, retributivas, para doar graça e misericórdia (hesed).
Cada geração tem interrogado sobre Jesus Cristo, o Filho, de uma maneira peculiar, buscando entender onde Deus se revela. Nem os primeiros cristãos imaginaram Jesus num texto de louvor e gratuidade tão expressivo. De Jesus, ouvimos as palavras audazes e dominantes: “Venham a mim!”. Essas palavras articulam a experiência de Deus na forma de acolhimento mais profundo existente. Não é a toa que a palavra pater, pai na língua grega – daí a expressão “pátrio poder” – se sobreponha ao termo aramaico. Abbá, na língua de Jesus tem um sentido doce: “Paínho”, no jeito baiano de expressar o carinho. Ocorre o contrário do que a autoridade do nome pater sugere. A experiência filial, humana, de Jesus, se harmoniza com o que homens e mulheres mais procuram: cuidado, ternura, solidariedade amorosa. Exatamente porque isso lhes é negado. Jesus é o homem que ama seus semelhantes como Deus, Pai de Misericórdia que ama a todos sem eleições preferenciais. Predestinação é heresia.
A interiorização recomendada pelo Evangelho trata de absolutos éticos que escapam e distanciam-se da inteligência prática. Induz à sensibilidade para com a realidade dos esmagados e triturados pelos sistemas de pensar desse mundo. Este é o mundo da ganância: ter-sem-ser e aparecer-a-qualquer-custo; que se ocupem espaços ambicionados no universo da superficialidade, valendo pisotear valores da solidariedade e da misericórdia. Na verdade, as “revelações” de Deus aos pequenos e mansos são um desafio à oração dos bem-postos, dos sábios e detentores do conhecimento, que ensinam as melhores estratégias para “se dar bem na vida”. A práxis de Jesus nos remete ao mundo prosaico dos simples, mansos, humildes deste mundo, a quem faltam recursos mínimos para a sobrevivência, enquanto expostos à ganância egoísta do mundo que sobrecarrega de privilégios quem já é privilegiado.
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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