Opinião
- 29 de dezembro de 2009
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Vai trabalhar vagabundo!
João Pedro Roriz
O trabalho de escritor é maravilhoso... nem parece trabalho! Me divirto aqui com vocês, publico livros, conto histórias, graças à minha mãe, que sempre me aconselhou: "Arrume um trabalho que gosta e você nunca mais precisará ‘trabalhar’ na vida".
Além de escrever, exerço o cargo de assessor cultural em uma universidade particular. Gosto tanto do meu trabalho que tudo se torna muito mais fácil. Dia desses, um burocrata entrou no meu escritório e me viu deitado na minha cadeira com os pés em cima da mesa e um chapéu jogado na cara. Ouvi graçinha:
- Ah, descansando hein...
E eu respondi, quase imediatamente:
- Descansando não. Tô trabalhando!
Pobre rapaz, não entendeu nada.
De fato, eu não estava descansando. Estava planejando uma bela festa de natal que faríamos na universidade. Nos meus pensamentos: um cenário de manjedoura, o menino Jesus, papai noel, música, todos de branco, canções feitas para a ocasião, uma peça de teatro, lágrimas e aplausos. Tudo planejado e executado com perfeição.
Dois meses depois do nosso último encontro, esse mesmo colega de trabalho me viu no teatro da universidade varrendo o palco. Com o mesmo tom irônico, ele disse:
- Ah, trabalhando, hein...
E eu respondi imediatamente:
- Trabalhando não... agora tô descansando.
Esse paradigma "trabalho/desprazer X descanso/prazer" precisa ser revisto (principalmente se o trabalhador for o artista, o sensitivo, o pensador, o poeta). No Brasil, tem quem pense que arte não é trabalho. É fácil compreender essa ignorância, pois, apesar de trabalhosa, a arte, para o artista, é muito prazerosa.
Veja o caso do Chico Buarque: ele já devia sofrer a pressão de ser artista (filho e sobrinho de quem é), num país onde pouca gente aprecia atividades culturais. O dasabafo, você escuta em "Vai trabalhar vagabundo": “Vai trabalhar vagabundo, vai trabalhar criatura, deus permite a todo mundo uma loucura (...) vai terminar moribundo, com um pouco de paciência, no fim da fila do fundo da Previdência”.
Imagina o Chico Buarque na fila da previdência! No mínimo, viraria garoto propaganda. Até eu começaria a contribuir...
Outro dia, ouvi uma entrevista do Zeca Pagodinho dizendo que a coisa que ele mais odeia na vida é "trabalhar... ônibus lotado, a marmita derramando e o patrão enchendo o saco". Para finalizar, ele disse: "Filho meu vai ter que estudar para não ser como o pai". Aqui entre nós Zeca Pagodinho, você trabalha e muito. Aposto que tem que viajar bastante, aguentar produtor e diretor chato no ouvido, aguentar a pressão da mídia, da sociedade, da gravadora, do empresário... Mas isso tudo é tão prazeroso, que você nem considera. A contar pela grana que você ganha e o sucesso que faz, Deus queira que seus filhos sejam igualzinhos a você. Não dizem que a "vida é uma escola"? Então, alguém precisa explicar para o Zeca Pagodinho que ele já é pós-doutor!
Não sei se isso também acontece com vocês, mas quando o meu corpo trabalha, a minha mente relaxa. É genético. Minha mãe também é assim. Então, depois de uma madrugada escrevendo, às seis horas da manhã, vou consertar algo ou carregar uns livros para finalmente conseguir "relaxar" e dormir. Fico pensando: qual é a mulher que aguentaria se casar comigo? (alguém levanta a mão, por favor... afinal, é Natal, poxa).
Em compensação, depois de um trabalho corporal pesado (coisa que não combina muito comigo), tento ler, escrever algo, produzir ou, em último caso, fazer uma palavra-cruzada. Afinal, assistir televisão não cansa nem a mente nem o corpo, só cansa a "minha beleza" mesmo!
Falando nisso, hoje foi dia de montar a árvore de Natal aqui em casa! Dediquei meu corpo a esse "descanso". Ouvi sinos, ouvi cantos natalinos... e fechei a janela! Era o vizinho com o som alto! Aquele mala; não me deixa "descansar" em paz.
Ah, ficou linda minha árvore e o pensamento: amanhã é domingo, dia de mais "trabalho"! Segunda-feira, eu finalmente "descanso"! Acaba que o burocrata lá, na sua santa ignorância, tinha razão.
• João Pedro Roriz é escritor, ator e jornalista. Atuou em diversas emissoras de televisão e peças teatrais. Atualmente é Assessor de Cultura da Universidade Castelo Branco. www.jproriz.blogspot.com
Leia o livro
• Trabalho, Descanso e Dinheiro, Timóteo Carriker
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O trabalho de escritor é maravilhoso... nem parece trabalho! Me divirto aqui com vocês, publico livros, conto histórias, graças à minha mãe, que sempre me aconselhou: "Arrume um trabalho que gosta e você nunca mais precisará ‘trabalhar’ na vida".
Além de escrever, exerço o cargo de assessor cultural em uma universidade particular. Gosto tanto do meu trabalho que tudo se torna muito mais fácil. Dia desses, um burocrata entrou no meu escritório e me viu deitado na minha cadeira com os pés em cima da mesa e um chapéu jogado na cara. Ouvi graçinha:
- Ah, descansando hein...
E eu respondi, quase imediatamente:
- Descansando não. Tô trabalhando!
Pobre rapaz, não entendeu nada.
De fato, eu não estava descansando. Estava planejando uma bela festa de natal que faríamos na universidade. Nos meus pensamentos: um cenário de manjedoura, o menino Jesus, papai noel, música, todos de branco, canções feitas para a ocasião, uma peça de teatro, lágrimas e aplausos. Tudo planejado e executado com perfeição.
Dois meses depois do nosso último encontro, esse mesmo colega de trabalho me viu no teatro da universidade varrendo o palco. Com o mesmo tom irônico, ele disse:
- Ah, trabalhando, hein...
E eu respondi imediatamente:
- Trabalhando não... agora tô descansando.
Esse paradigma "trabalho/desprazer X descanso/prazer" precisa ser revisto (principalmente se o trabalhador for o artista, o sensitivo, o pensador, o poeta). No Brasil, tem quem pense que arte não é trabalho. É fácil compreender essa ignorância, pois, apesar de trabalhosa, a arte, para o artista, é muito prazerosa.
Veja o caso do Chico Buarque: ele já devia sofrer a pressão de ser artista (filho e sobrinho de quem é), num país onde pouca gente aprecia atividades culturais. O dasabafo, você escuta em "Vai trabalhar vagabundo": “Vai trabalhar vagabundo, vai trabalhar criatura, deus permite a todo mundo uma loucura (...) vai terminar moribundo, com um pouco de paciência, no fim da fila do fundo da Previdência”.
Imagina o Chico Buarque na fila da previdência! No mínimo, viraria garoto propaganda. Até eu começaria a contribuir...
Outro dia, ouvi uma entrevista do Zeca Pagodinho dizendo que a coisa que ele mais odeia na vida é "trabalhar... ônibus lotado, a marmita derramando e o patrão enchendo o saco". Para finalizar, ele disse: "Filho meu vai ter que estudar para não ser como o pai". Aqui entre nós Zeca Pagodinho, você trabalha e muito. Aposto que tem que viajar bastante, aguentar produtor e diretor chato no ouvido, aguentar a pressão da mídia, da sociedade, da gravadora, do empresário... Mas isso tudo é tão prazeroso, que você nem considera. A contar pela grana que você ganha e o sucesso que faz, Deus queira que seus filhos sejam igualzinhos a você. Não dizem que a "vida é uma escola"? Então, alguém precisa explicar para o Zeca Pagodinho que ele já é pós-doutor!
Não sei se isso também acontece com vocês, mas quando o meu corpo trabalha, a minha mente relaxa. É genético. Minha mãe também é assim. Então, depois de uma madrugada escrevendo, às seis horas da manhã, vou consertar algo ou carregar uns livros para finalmente conseguir "relaxar" e dormir. Fico pensando: qual é a mulher que aguentaria se casar comigo? (alguém levanta a mão, por favor... afinal, é Natal, poxa).
Em compensação, depois de um trabalho corporal pesado (coisa que não combina muito comigo), tento ler, escrever algo, produzir ou, em último caso, fazer uma palavra-cruzada. Afinal, assistir televisão não cansa nem a mente nem o corpo, só cansa a "minha beleza" mesmo!
Falando nisso, hoje foi dia de montar a árvore de Natal aqui em casa! Dediquei meu corpo a esse "descanso". Ouvi sinos, ouvi cantos natalinos... e fechei a janela! Era o vizinho com o som alto! Aquele mala; não me deixa "descansar" em paz.
Ah, ficou linda minha árvore e o pensamento: amanhã é domingo, dia de mais "trabalho"! Segunda-feira, eu finalmente "descanso"! Acaba que o burocrata lá, na sua santa ignorância, tinha razão.
• João Pedro Roriz é escritor, ator e jornalista. Atuou em diversas emissoras de televisão e peças teatrais. Atualmente é Assessor de Cultura da Universidade Castelo Branco. www.jproriz.blogspot.com
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