Opinião
- 12 de janeiro de 2021
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Uma Igreja católica reformada?
Por Lidice Meyer P. Ribeiro
• Lidice Meyer P. Ribeiro é doutora em Antropologia e professora convidada na Universidade Lusófona, Portugal.
Em novo decreto, o papa Francisco autorizou ontem, dia 11 de janeiro, mais funções para as mulheres na Igreja.
Entre os protestantes é conhecido o lema “Ecclesia Reformata et Semper Reformanda est” (Igreja reformada sempre se reformando) que remete a um dos grandes preceitos de Lutero: a doutrina do livre exame que permite a liberdade de se repensar tanto a interpretação da Bíblia como a própria igreja. Mas o catolicismo historicamente é dogmático e hermético no que tange a mudanças. Há 5 séculos Lutero queimou o Código de Direito Canônico juntamente com a bula Exsurge Domine num claro protesto de sua discordância sobre a rigidez das leis canônicas.
O Código de Direito Canônico só passou por uma reforma desde sua compilação em 1917. Esta reforma foi iniciada pelo Papa Paulo VI em 1964 e promulgada por João Paulo II em 1983. Neste texto, o cânon 230, parágrafo 1º. trazia a instrução: “Os leigos varões que tiverem a idade e as qualidades estabelecidas por decreto da Conferência dos Bispos, podem ser assumidos estavelmente, mediante o rito litúrgico prescrito, para os ministérios do leitor e de acólito; o ministério porém a eles conferido, não lhes dá o direito ao sustento ou à remuneração por parte da Igreja.”
Desta forma, o ministério laico na igreja estava restrito a pessoas do sexo masculino. O verbo “estava” no passado é providencial, pois isto acaba de ser alterado pelo Papa Francisco com o motu próprio Spiritus Domini! A partir de então as mulheres já podem ter igualmente acesso aos ministérios do leitorado e do acolitado. Atendendo as solicitações já realizadas no Sínodo sobre a Evangelização de 2012 e no Sínodo sobre a Amazônia de 2020, o Papa resgata o papel da mulher, dando um passo em direção à uma igreja mais inclusiva e dialógica.
A partir de 11/01/2021 o cânon 230 passou a ter esta redação: "Os leigos [homens e mulheres] com idade e dons determinados por decreto da Conferência dos Bispos podem ser nomeados em caráter permanente, através do rito litúrgico estabelecido, para os ministérios de leitores e acólitos ".
Francisco ressaltou que “no horizonte de renovação traçado pelo Concílio Vaticano II, se sente mais hoje a urgência de redescobrir a co-responsabilidade de todos os batizados na Igreja, e em particular modo, a missão dos leigos”, alertando que não se trata de uma abertura ao sacerdócio com sacramento da ordem, mas apenas ao ministério dos leigos, sem nenhuma possibilidade de remuneração financeira.
Interessante recordar que o monge reformador Martinho Lutero escreveu em 1521 no livro “Da Liberdade Cristã” algo muito semelhante enfatizando o sacerdócio universal dos crentes: “Além de tudo, somos também sacerdotes. […] o sacerdócio nos capacita para nos podermos apresentar diante de Deus, rogando pelos demais homens.” Mas Lutero esclarece: “Ainda que todos sejamos igualmente sacerdotes, nem todos podemos servir, administrar e pregar.”
Com esta mudança no Código Canônico estaria a Igreja Católica Romana se aproximando dos ideais da Reforma? É verdade que no Brasil e em outros lugares do mundo as mulheres já liam a Bíblia durante as celebrações litúrgicas e colaboravam no altar, como ministrantes ou como dispensadoras da Eucaristia apesar disto ocorrer sem o mandato institucional. O Papa Francisco apenas institucionalizou uma prática que já era comum. Essa mudança de um pequeno texto no Código Canônico abre um precedente para outras alterações que possam vir a ocorrer.
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Lidice Meyer P. Ribeiro é doutora em Antropologia e professora na Universidade Lusófona, Portugal.
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