Opinião
- 13 de novembro de 2019
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Um sobrevivente dos ataques do Boko Haram. “Marcado por ser cristão”
ENTREVISTA
“Não é fácil perdoar. O perseguidor só quer nos matar. Mas quando eu perdoo o perseguidor, eu me livro dele.”
“Não é fácil perdoar. O perseguidor só quer nos matar. Mas quando eu perdoo o perseguidor, eu me livro dele.”
Uma pesquisa rápida por “Nigéria” mostra não poucas publicações que denunciam desigualdade, abuso e violência no país. Escravidão imposta a meninos e rapazes, desaparecimento e uso de crianças como bombas, deslocamento de famílias, assassinatos, além do drama das famílias das meninas sequestradas pelo grupo Boko Haram.
Com cerca de 175 milhões de habitantes, a Nigéria é o país mais populoso da África e também a primeira potência econômica do continente. Considerada a maior democracia e o maior produtor de petróleo da África, o país tem uma história de conflitos e dor que vem se arrastando por anos.
Os cristãos da Nigéria lidam há anos com constantes ameaças e ataques armados de grupos radicais islâmicos. De acordo com a missão Portas Abertas, 4.136 cristãos foram mortos por causa da fé em Jesus nos 50 países da Lista Mundial da Perseguição 2018. Somente a Nigéria é responsável por 96% das mortes.
Ultimato conversou com Ibrahim*, um jovem cristão nigeriano que esteve no Brasil em outubro de 2019 e contou os desafios que os cristãos enfrentam em seu país. Ibrahim é um pequeno agricultor e criador de pequenos animais para a sua subsistência e foi um dos sobreviventes ao ataque do Boko Haram na vila em que vivia, em 2014: “Tudo desapareceu em um segundo. Mas, em nenhum momento me senti abandonado e desamparado por Deus. Ele sempre esteve comigo e me fez sentir sua presença e amor”.
Como você define a vida de um cristão na Nigéria, atualmente?
É muito difícil ser cristão na minha região. Ficamos marcados por sermos cristãos, especialmente após os ataques entre 2014 e 2016. Quando voltamos dos campos de refugiados, vimos nossos pertences com nossos vizinhos, muçulmanos, que tinham sido privilegiados pelo Boko Haram. Da mesma forma, ainda hoje, nossas lojas e produtos são boicotados, nossas crianças têm dificuldade para matricular-se em escolas e sempre estamos com medo de que o Boko Haram, ou os fulanis (grupo extremista composto por pastores de cabra e agricultores), nos ataquem novamente, uma vez que eles foram expulsos da região, mas continuam rondando e agindo no Nordeste da Nigéria.
Atualmente, existe um outro tipo de perseguição: do ataque físico e do uso de armas para matar e destruir à privação econômica, dominação política e discriminação e dominação étnica. O poder econômico e político tem gerado os grandes ataques. Se você tem armas, armamento pesado, carros para ataques, você consegue impor sua religião. É o que acontece no Norte e Nordeste da Nigéria, onde muçulmanos armam e municionam grupos extremistas para que se instaure a Sharia (conjunto de leis islâmicas que são baseadas no Alcorão, e responsáveis por ditar as regras de comportamento dos muçulmanos) nessa região e, quem sabe, no país todo.
O cristianismo é uma religião de paz, pois adoramos e seguimos o Príncipe da Paz, Jesus Cristo. Por isso, nas regiões menos atacadas, como no sul da Nigéria, é que o cristianismo tem maior poder econômico e político.
Parece que os fulani têm sido instigados e armados pelo Boko Haram, e outros grupos radicais, isso é verdade?
Na verdade, é muito difícil definir quem arma quem, ou quem apoia quem. Os grupos radicais se apoiam e são apoiados por uma ala extremista do islamismo. Cada grupo tem seu objetivo de ataque, tendo como alvo, principalmente, os cristãos. Os fulanis atacam para se apossar de terras e por ódio, para exterminar os cristãos da região. O Boko Haram, por sua vez, quer reeducar a população para um islamismo radical. E todos são apoiados por grupos de muçulmanos com poder econômico que querem disseminar o islamismo e acabar com o cristianismo na Nigéria.
Você acredita que a pressão externa da parte dos países ditos cristãos, poderia influenciar para que o governo nigeriano seja mais firme na sua responsabilidade de frear a violência contra os cristãos?
Sim, e já tem influenciado. No caso das meninas do Chibok, a pressão externa foi de grande valia para o que o governo da Nigéria tentasse um diálogo com o Boko Haram e a devolução de algumas meninas.
Entre 2014 e 2016, o Boko Haram reinou absoluto, principalmente no Norte da Nigéria. Os ataques eram constantes e cada vez mais violentos. O governo pouco fazia, pois havia grupos econômicos e políticos por trás disso. A situação começou a melhorar, principalmente, pela intervenção e pressão internacional sobre o governo nigeriano que, no final de 2016, iniciou uma ofensiva contra o Boko Haram, expulsando o grupo de todas as cidades e vilas tomadas e devolvendo a paz à maior parte da região – embora o Boko Haram continue agindo e devastando cidades e vilas.
Por que você acha que a situação da perseguição religiosa chegou a um nível tão alto em seu país? Quais os motivos?
Com a instituição da Sharia em alguns Estados da Nigéria, em 2012, grupos religiosos extremistas islâmicos, se sentiram mais à vontade para perseguir cristãos e outros grupos que não aderiram às leis islâmicas. A ascensão do Boko Haram e a ausência do governo da Nigéria, deixou o grupo ainda mais livre para atuar como quisesse.
A liberdade dos cristãos sempre foi restrita na Nigéria e, ultimamente, ela tem se transformado. Com toda a pressão e violência enfrentadas todos os dias, é natural que qualquer homem viva com medo, desista facilmente.
Além disso, a perseguição aos cristãos na Nigéria tem razões políticas, econômicas e etnoculturais.
A perseguição religiosa afeta apenas os cristãos ou também outras religiões?
Na Nigéria, o principal motor de perseguição é o islamismo radical, que persegue, também a islâmicos não-radicais e os adeptos de religiões tribais.
A perseguição sempre foi parte da fé cristã nos primeiros séculos. Como a igreja, especialmente a ocidental deve se comportar para não menosprezar o sofrimento, mas também não desconsiderar como um dogma da fé crista?
A perseguição é real e não pode ser considerada um dogma. Quem vive em um país perseguido, sem liberdade para falar de Jesus, adorar ou sequer vender e negociar livremente sabe que não é um dogma!
Não menosprezar a perseguição aos cristãos, é saber que somos irmãos. Quando sinto que há irmãos no Ocidente orando e contribuindo conosco, sei que a Palavra de Deus, que diz que quando um membro sofre, o corpo todo sofre (1Co 12.26), está se cumprindo.
Precisamos de oração. E em momentos de grande angústia e perdas, sempre sentimos que há uma igreja distante, mas forte, orando por nós. Na prática, a melhor forma de nos ajudar é através das campanhas de Portas Abertas. No site da organização, é possível conhecer melhor os projetos, orar, doar e nos encorajar.
Como pregar sobre o perdão ao inimigo, num ambiente de perseguição e morte?
Não é fácil. O perseguidor só quer nos matar. Mas apoiamo-nos na Palavra de Deus, e Deus tem nos feito sentir como Ele sente, ver os perseguidores com os seus olhos. Quando eu perdoo o perseguidor, eu me livro dele. Livro-me da sensação de ódio que pode me ligar a ele. Isso é libertador para mim. É muito difícil falar do amor de Deus a um perseguidor. Mesmo porque não sabemos quem é ele. Ele pode estar infiltrado em nossa comunidade, em nossa igreja. Não sabemos quem é o nosso vizinho, se é só um muçulmano pacífico que não quer mal algum e que pode ouvir de Jesus sem nos causar danos ou perigo, ou se é um simpatizante ou mesmo membro do Boko Haram infiltrado em nossa comunidade. Nós ‘falamos’ de Cristo agindo. Nossos atos têm falado muito a respeito de Jesus. As pessoas veem a Jesus por meio do nosso testemunho e por ver que permanecemos na fé em Cristo, apesar de toda perseguição, dor e morte que nos rodeia todos os dias e dizem: “Nós queremos esse Deus de vocês, que não os abandona nunca”.
Como a Bíblia o ajuda a ter esperança em meio a um presente tão adverso para os cristãos em seu país?
A Bíblia é tudo o que temos. É a palavra viva de Deus. Ler a Bíblia é encontrar Deus e tudo o que Ele tem para nós e quer de nós. É nossa única esperança.
Como a igreja brasileira pode ajudar a igreja da Nigéria?
Como eu disse em outra questão, precisamos de oração e de apoio espiritual. A Portas Abertas tem projetos para a nossa região e acredito que a Igreja Brasileira pode contribuir por meio desses projetos.
***
Nota
*Nome alterado por motivo de segurança.
Colaboraram: Antonia Leonora van der Meer [Tonica], Lissânder Dias, Paulo Feniman e Sara Arriagada Camargo e com a preparação do texto Regina Andrade, Klênia Fassoni e Ariane Gomes.
Para saber mais sobre os cristãos da Nigéria, acesse www.portasabertas.org.br
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