Por Escrito
- 20 de agosto de 2018
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Um romance sobre idolatria e a identidade humana
Por Norma Braga
Até que tenhamos rostos, de C. S. Lewis, é mais um romance que tem a idolatria como um dos temas principais. Emocionou-me em vários momentos. Creio que toda mulher cristã que for minimamente sincera consigo mesma não deixará de identificar-se com a personagem principal em suas contradições, sua tendência para o mal, seu ceder progressivo a desejos que contrariam a consciência. (Não contarei se houve redenção, pois seria spoiler!)
Para esta girardiana obsessiva, foi impossível deixar de perceber a ambiguidade inerente ao mecanismo do bode expiatório quando decidem justamente sacrificar, como Grande Oferenda, a Amaldiçoada. Em A violência e o sagrado, Girard já havia chamado a atenção para essa característica tão central dos sacrifícios, a visão do sacrificado imersa em profunda ambiguidade, como atesta esse canto de investidura do Moro-Naba, na tribo dos Mossi em Uagadugu: Tu és um excremento,/ Tu és um monte de lixo,/ Tu vens nos matar,/ Tu vens nos salvar.
Essa visão tão distorcida do outro – que em uma hora é o pior dos piores, e em outra, é posto sem cerimônia alguma no pódio dos deuses – é, para mim, uma das marcas mais impressionantes do pecado original nas nossas relações pessoais e no modo com que vemos a nós mesmos. Não há equilíbrio, nem senso de realidade, nas relações idolátricas – que são o que nos resta quando não temos Jesus.
“Entendi bem por que os deuses não falam conosco abertamente, nem nos dão respostas”, diz a personagem principal. “Até que as palavras sejam arrancadas de nós, por que é que eles vão ouvir o murmúrio daquilo que pensamos querer dizer? Como eles podem olhar bem dentro de nossos olhos, se não tivermos rostos?” Rebaixar-nos e rebaixar o outro; elevar-nos ou elevar excessivamente o outro até torná-lo um deus: eis os extremos para onde o pecado que trabalha em nós nos joga, incessantemente, despedaçando as identidades humanas.
Embora não pregue a Jesus de modo manifesto nesse livro, habilmente Lewis nos guia por uma história de pagãos em que a graça de Deus se deixa entrever.
Nota: Resenha publicada no site Literatura e Redenção. Reproduzida com permissão.
• Norma Braga é apaixonada por literatura. Cresceu lendo Monteiro Lobato, converteu-se lendo George Orwell e Nelson Rodrigues, e segue lendo Proust, Fitzgerald, Dostoievsky, Thomas Mann, Flannery O’Connor, C.S. Lewis e muitos outros.
Leia mais
» Ficção, alegorias e mitos podem fortalecer a fé cristã?
» Até que tenhamos rostos: uma reflexão devocional
» 10 dicas para ler “Até Que Tenhamos Rostos”
Até que tenhamos rostos, de C. S. Lewis, é mais um romance que tem a idolatria como um dos temas principais. Emocionou-me em vários momentos. Creio que toda mulher cristã que for minimamente sincera consigo mesma não deixará de identificar-se com a personagem principal em suas contradições, sua tendência para o mal, seu ceder progressivo a desejos que contrariam a consciência. (Não contarei se houve redenção, pois seria spoiler!)
Para esta girardiana obsessiva, foi impossível deixar de perceber a ambiguidade inerente ao mecanismo do bode expiatório quando decidem justamente sacrificar, como Grande Oferenda, a Amaldiçoada. Em A violência e o sagrado, Girard já havia chamado a atenção para essa característica tão central dos sacrifícios, a visão do sacrificado imersa em profunda ambiguidade, como atesta esse canto de investidura do Moro-Naba, na tribo dos Mossi em Uagadugu: Tu és um excremento,/ Tu és um monte de lixo,/ Tu vens nos matar,/ Tu vens nos salvar.
Essa visão tão distorcida do outro – que em uma hora é o pior dos piores, e em outra, é posto sem cerimônia alguma no pódio dos deuses – é, para mim, uma das marcas mais impressionantes do pecado original nas nossas relações pessoais e no modo com que vemos a nós mesmos. Não há equilíbrio, nem senso de realidade, nas relações idolátricas – que são o que nos resta quando não temos Jesus.
“Entendi bem por que os deuses não falam conosco abertamente, nem nos dão respostas”, diz a personagem principal. “Até que as palavras sejam arrancadas de nós, por que é que eles vão ouvir o murmúrio daquilo que pensamos querer dizer? Como eles podem olhar bem dentro de nossos olhos, se não tivermos rostos?” Rebaixar-nos e rebaixar o outro; elevar-nos ou elevar excessivamente o outro até torná-lo um deus: eis os extremos para onde o pecado que trabalha em nós nos joga, incessantemente, despedaçando as identidades humanas.
Embora não pregue a Jesus de modo manifesto nesse livro, habilmente Lewis nos guia por uma história de pagãos em que a graça de Deus se deixa entrever.
Nota: Resenha publicada no site Literatura e Redenção. Reproduzida com permissão.
• Norma Braga é apaixonada por literatura. Cresceu lendo Monteiro Lobato, converteu-se lendo George Orwell e Nelson Rodrigues, e segue lendo Proust, Fitzgerald, Dostoievsky, Thomas Mann, Flannery O’Connor, C.S. Lewis e muitos outros.
Leia mais
» Ficção, alegorias e mitos podem fortalecer a fé cristã?
» Até que tenhamos rostos: uma reflexão devocional
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