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- 19 de julho de 2019
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Tudo coopera... para quem?
Por Aline Bispo dos Santos Lauer
Nasci no interior da Bahia, em uma cidade chamada Jequié, bem conhecida no Estado por ser a “Cidade Sol”. Filha de Adelita Bispo dos Santos (a quem sou eterna devedora) e pai não declarado, sou a caçula de sete irmãos. Aos 12 anos de idade, como retirante, cheguei à zona norte da cidade de São Paulo, e assim, um cenário foi iniciado.
A 5ª série, hoje 6º ano do ensino fundamental, foi um tremendo desafio para mim: primeiro por ser retirante – e confesso que tive que lidar com bullying –, e, depois, porque o ensino era realmente diferente, e não deu outra, a matemática me pegou. Tive que cursar duas vezes a 5ª série. Mas tudo coopera. Fiquei conhecida na escola e algum tempo depois fui indicada para ser presidente do grêmio escolar. Sem muitos recursos, mas focada no objetivo de que queria ser alguém na vida, dediquei-me a fazer aquilo que estava proposto naquele momento – estudar.
Certa vez, a coordenadora pedagógica da escola, a Sra. Wanda, chamou-me na diretoria, e eu pensei: “O que eu fiz?”. Mas, para minha surpresa, ela disse: “Aline, quero investir nos seus estudos” e, abrindo a bolsa, pegou um talão de cheques, preencheu uma folha, assinou e entregou às minhas mãos, dizendo: “Matricule-se num curso de datilografia” (na época, o curso era um diferencial profissional). E assim eu fiz.
Os anos passaram, concluí o ensino fundamental e comecei uma nova etapa, o ensino médio. A vida fluía. Trabalhei em alguns lugares no setor comercial e, aos 17 anos, aconteceu uma tragédia que marcou a minha vida. Eu e uma amiga voltávamos de uma Feira das Nações no bairro, quando fomos abordadas por um indivíduo que mostrou uma arma de fogo e disse: “Estou fugindo e preciso de ajuda”. Ele entrou no meio de nós duas e com os braços presos aos nossos pescoços caminhou para um lugar ermo.
A situação era de pânico, porque à medida em que ele avançava, mais andávamos em lugares escuros e diminuía a possibilidade de alguém nos ver e nos ajudar. Até que outro homem apareceu e eu pensei: “É a nossa ajuda”. Comecei a acenar com as mãos por trás das costas esperando que ele entendesse, mas, para nossa tristeza, ele era comparsa do primeiro indivíduo.
Eles fizeram-nos pular o muro que dava acesso a um terreno baldio e ali nos estupraram e nos deixaram para trás. Ódio, tristeza, nojo, mágoa, dor, angústia, desejo de justiça tomaram o meu coração.
Mas tudo coopera.
Foi nessa época que eu disse para mim mesma: “Vou entrar na Polícia e procurar esses malfeitores”. Ao completar 18 anos, imediatamente prestei concurso para a Polícia Militar do Estado de São Paulo, fui aprovada e, no ano de 1997, tomei posse como Soldado. Foi um presente de Deus, mas as feridas da alma estavam lá, meu coração se fechou e se entregou a outros caminhos. Não acreditava em homens, não queria constituir família, e assim os anos seguiram.
Cansada da vida, aos 34 anos senti um extremo vazio no meu coração. Chorei muito enquanto dirigia meu carro pela Marginal do Tietê (umas das principais vias em São Paulo). Não entendia que sentimento angustiante era aquele. Estava relativamente bem financeiramente, tudo corria bem com a minha família, não havia doença, mas havia um aperto que me oprimia e eu chorava muito.
Numa noite, cumprindo um estágio para o concurso interno no qual eu havia sido aprovada – para promoção a Sargento – chovia intensamente e, abrigando-me dentro de uma viatura num local seguro, novamente fui tomada pelo extremo vazio e chorei copiosamente. Enquanto chorava, peguei o celular e liguei para minha irmã, Vera Lúcia. Ao ouvir o meu pranto ela perguntou o que estava acontecendo. O pensamento dela no momento foi: “Meu Deus, tomou um tiro na rua”. Mas era o meu coração que estava ferido. Disse a ela: “Ore por mim, minha alma está mal”. Ela chamou o seu marido, Macário, e ambos oraram por mim.
No dia seguinte, liguei novamente para a minha irmã, expliquei que estava melhor e perguntei se naquele dia haveria culto na sua igreja. Ela disse: “Sim, haverá”. E eu respondi: “Eu vou à igreja hoje”. E, no horário do culto, lá estava eu aos prantos de profundo desespero e falei em meu coração: “Deus, eu não sei o que essas pessoas veem, a causa porque elas dizem ‘Glória a Deus... Aleluia’, mas eu peço que, de alguma forma, o Senhor fale comigo”. Ele não demorou em sua manifestação. O pregador pediu para a igreja abrir a Bíblia em Mateus 8:8: “Senhor, não sou digno de que entres em minha casa; mas apenas manda com uma palavra, e o meu rapaz será curado”. Em algum momento da vida, ouvi essa frase e não sabia por qual razão eu gostava tanto dela e tudo que não sabia é que ela era da Bíblia.
Ministrada a Palavra, o dirigente perguntou: “Quem quer aceitar a Jesus?”. Imediatamente, levantei minha mão e disse: “Eu quero”. Fiz a oração confessional, cri e no dia seguinte o meu rosto estava completamente iluminado, a vida – Jesus – estava em mim. Era o início da minha caminhada com Cristo e muita coisa precisava acontecer. Um desejo intenso de ler a Bíblia brotou e, à medida em que eu lia, o Espirito Santo revelava coisas a ponto de eu ser liberta em áreas da minha vida através da leitura da Bíblia. Algum tempo depois, Deus falou ao meu coração: “Estuda a minha Palavra”. Sem conhecer muita coisa, compartilhei essa mensagem de Deus com o meu pastor e pedi que ele me indicasse um lugar sério para estudar, porque eu não queria perder a essência daquilo que eu havia lido e aprendido na Bíblia.
Assim, iniciei o curso de teologia no Seminário Teológico Betel Brasileiro, em São Paulo, dirigido pela missionária Durvalina Bezerra, amiga carinhosa e mentora. O Betel foi um divisor de águas na minha vida. Lá, eu fui tremendamente marcada. Houve dias em que no final das aulas eu mal conseguia me levantar da cadeira tamanho o confronto no processo de formação do meu caráter cristão. Como a maioria dos professores são pastores, houve ocasiões em que eles ficaram orando comigo após as aulas.
Confesso que ao iniciar o curso de teologia, eu não tinha qualquer perspectiva ministerial, queria apenas fazer o que Deus tinha mandado: estudar. No período dos estudos, conheci a Missão PMs de Cristo, associação cristã evangélica abnegada e voluntária, que atua dentro dos quartéis da Polícia Militar sob a missão de “Levar a palavra de fé, vida e esperança à família policial militar” e comecei a servir de alguma forma servir junto a essa organização. Enquanto isso, o atual presidente dos PMs de Cristo, Major PM Joel Rocha, orava para que Deus mandasse um Sargento que o ajudasse nas atividades administrativas. E Deus respondeu a oração dele, preparando-me para ajudá-lo. Fui trabalhar com o Major, que também é pastor presidente da Igreja Batista dos Povos em Artur Alvim (IBP), em São Paulo. Depois de algum tempo Deus me mandou servir nesta Igreja e eu confesso que inicialmente resisti e pedi confirmação desse envio, pois a distância da minha casa até a igreja era considerável e eu precisava saber se de fato era a voz de Deus.
Como tudo coopera, comecei a congregar na IBP, servindo com amor e alegria. Passado algum tempo, concluí o curso de teologia e, seis meses, depois fui consagrada ao pastorado. Deus estava cuidando da minha vida, tratando áreas dela e me levando ao cumprimento do seu propósito. Mas eu ainda não estava completa. Com a tragédia dos meus 17 anos, sonhos tinham sido deixados para trás, e eu precisei, no Senhor Jesus, resgatá-los. Então, passei a orar para que Deus me preparasse para ser uma mulher de Deus e para que preparasse para mim um homem de Deus, honrado e que me honrasse.
Quando o Major Joel orava pedindo um Sargento para ajudá-lo, fui trabalhar na sua equipe e chegando lá havia um Cabo, chamado Samuel Lauer, que encantou os meus olhos. Orei a Deus que a seu tempo nos respondeu e, para a sua glória, Samuel e eu nos casamos da forma mais linda e preparada pelo Pai. Como o Samuel bem me dizia: “Você vai ter um casamento de princesa”. E assim foi.
Verdadeiramente, tudo coopera!
Nesse tempo de caminhada com Cristo, tenho sido profundamente cuidada por ele. Em tudo tenho visto o seu agir e fazer. Ele mudou a minha vida e história, e por sua infinita bondade, graça e misericórdia, chamou-me para servir como diretora dos PMS de Cristo, no Brasil, e para servir no Conselho Fiscal da União do Militares Cristãos Evangélicos do Brasil – Presidente Coronel Emilson Carlos de Souza no Estado de Santa Catarina, entidade também abnegada e voluntária que congrega associações.
Hoje vivo em novidade de vida e eis que tudo se fez novo. Sou grata a Deus por todas pessoas que passaram por minha vida, para o bem ou para mal, porque de uma coisa tenho a certeza: tudo coopera!
• Aline Bispo dos Santos Lauer, casada com Samuel Lauer, é Sargento da Polícia Militar do Estado de São Paulo e serve na Secretaria da Segurança Pública. É formada em letras e em teologia pelo Seminário Betel Brasileiro. É pastora na Igreja Batista dos Povos em Artur Alvim, diretora dos PMs de Cristo e conselheira fiscal na UMCEB.
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