Opinião
- 25 de novembro de 2010
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Transformação das Tormentas em Boa Esperança
Estou satisfeito com as marcas imputadas no coração pela participação no 3º Congresso Mundial de Evangelização. Os pequenos contratempos aqui e acolá não são nada, comparados à riqueza espiritual, missiológica, antropológica e existencial adquiridas na viagem e presença em Lausanne 3 - Cape Town 2010.
Há cerca de 2700 navios afundados na região antes chamada de Cabo das Tormentas. Era o pavor dos marinheiros medievais. A lenda do “Holandês Voador” refere-se a um capitão daquela nacionalidade que resolveu enfrentar as tempestades da região e naufragou depois de horas de lutas contra o mar e os ventos (a silhueta dele ainda apareceria nas nuvens furiosas que invadem a baía em dias de tempestade...). A declaração "mulheres e crianças primeiro" também surgiu ali e vem do naufrágio de um navio inglês bem defronte da cidade, onde o capitão ordenou o salvamento das mulheres e crianças antes (morreram 400 homens). Depois de muita propaganda, para avançar em direção ao oriente - afinal haviam dito que o mundo plano tinha sua borda pouco adiante e as águas revoltas eram indício do precipício... - mudaram o nome do atormentado cabo para Cabo da Boa Esperança. Assim os navegadores conseguiram convencer as tripulações a se arriscar na aventura de travessia daquela esquina marítima.
Para mim o Cabo das Tormentas também passou a ser chamado de Cabo da Boa Esperança!
Na verdade, as discussões missiológicas andavam meio que estagnadas, ainda agarradas na velha dicotomia evangelização versus ação "social", bem como a ênfase gelada vinda do Atlântico Norte, postulando uma evangelização que é mais declarativa que encarnacional. Havia um certo receio que o retrocesso verificado em Lausanne 2 (Manilla, 1989) fosse revivificado em detrimento da Missão Integral. Talvez Cape Town 2010 fosse o fim definitivo no movimento de Lausanne, a pá de cal, depositando as expectativas de desenvolvimento de uma missiologia integral num cemitério onde já jazem tantas naus.
Mas não foi nada disso que aconteceu! Pelo contrário, a esperança brotou vigorosa, cheia de viço, e à proclamação do Evangelho inteiro integraram-se dezenas de testemunhos de boas obras de restauração de pessoas e de reconciliação de grupos sociais como parte normal da vida e missão da Igreja no mundo. Não abdicamos nem da verdade do Evangelho nem da vivência dos atos do Evangelho em cada contexto histórico contemporâneo! Muito significativa essa ênfase, justamente naquela terra que havia sido manchada com sangue decorrente das políticas segregacionistas do Apartheid. Na verdade, sepultou-se em Cape Town 2010 a antiga tentativa de separar-se a criação e o céu; o corpo e a alma; o indivíduo e o comunal. Em todo tempo, a cada desafio missionário apresentado, ficou claro que Missão é presença, é serviço, é proclamação de Cristo, mas como Cristo.
O Congresso Mundial de Evangelização foi surpreendente também pela organização. Todos os 4.200 participantes tinham seu lugar numa das 700 mesas de seis lugares (com pessoas de outros países). Apesar da teologia ter sido, digamos, superficial, isto foi positivo, pois o foco não foi academicista - foram convidados muitos jovens, muitos profissionais e empresários, muitas mulheres que lideram movimentos cristãos não-formais (uma das tendências é o desenvolvimento da liderança feminina), enfim pessoas sem formação teológica técnica (mas que tem contribuído muito para a promoção do reino de Deus!) e que possibilitasse assim uma interdisciplinariedade. Havia gente de 198 nações (os 200 chineses foram impedidos de vir pelo governo da China continental) e cerca de 1000 voluntários de todo mundo servindo aos congressistas, mais visitantes da própria Cidade do Cabo e centenas de preletores.
A programação consistiu do estudo bíblico em grupos internacionais do livro de Efésios, seguido por palestras expositivas também de Efésios. Depois haviam temas do dia apresentados por vídeos, peças de teatros, intercalados por duas ou três pequenas mensagens de 10 a 15 minutos, seguidas de testemunhos (de alto impacto). À tarde havia quatro grandes seminários para mil pessoas (muitos ficaram de fora por falta de lugar) e depois do intervalo dezenas de pequenos grupos para tratar temas específicos. As tardes não funcionaram bem, por falta de espaços, e ausência de tradução. As noites eram de celebração, e cada uma foi direcionada a uma região do mundo (filmes, teatros, testemunhos, pequenas mensagens de novo). No fim da programação ainda havia uma sessão de cinema opcional, mas a maioria já chegava ao fim do dia exausto, e com a mente povoada de novas ideias e perspectivas.
Sem dúvida o louvor foi um dos pontos altos do Congresso, instilando no fundo da alma uma sensação maravilhosa de participar de uma família internacional de Deus. Um grupo internacional, liderados por um indiano (radicado na África do Sul?), acompanhado especialmente de umas africanas, conduziram de modo inspirador a adoração ao nosso Deus. A celebração da Ceia, no fim do congresso, apontou para a realidade escatológica - uma integração final de todos unidos em volta da mesa presidida pelo Cordeiro! Os momentos de oração com gente de tudo que é língua foram muito edificantes. Muitas lembranças boas e efeitos na alma ainda a serem discernidos. É incrível a percepção de fazer parte de uma família internacional de Deus. Isso deve nos animar a ver as coisas com a mente aberta, para além do nosso reduzido mundinho cotidiano.
Além das boas percepções missiológicas, é preciso afirmar que a África não é só o que a gente vê na televisão. Os recortes midiáticos distorcem a realidade. A África não são apenas florestas repletas de selvagens e grupamentos humanos marcados pela miséria. É verdade que há muita pobreza naquele continente, mas a África do Sul é muito mais desenvolvida do que pensava - e em alguns aspectos, inclusive humanos (apesar de enormes problemas), está muito à frente do Brasil.
A Cidade do Cabo (Cape Town) - que pudemos conhecer um pouco durante deslocamentos do hotel para local do congresso, nas caminhadas no entorno do centro de convenções, e no tempo livre antes e depois do congresso - é uma cidade belíssima, os custos são baixos quando comparados com Estados Unidos e Europa, a atmosfera cosmopolita e multicultural cria um ambiente único (diversos povos negros - Zulus e Xhosas; brancos holandeses, ingleses etc; indianos e malaios; diversos grupos de povos muçulmanos; e muitos outros imigrantes). É uma interessante mistura de povos, raças e religiões. Há muitas atrações culturais, belezas naturais - tanto do relevo, como da flora e fauna -, excelentes opções de compras, gastronomia diversificada, vinicultura etc. E um povo louco por esportes. Seria uma ótima opção para viagem turística e uma possibilidade mais acessível para jovens estudarem inglês num ambiente internacional.
• Christian Gillis é casado com Juliana e pai de 3 garotos. Pastor da Igreja Batista da Redenção por 20 anos, é envolvido com ministérios relacionados a missões, reflexão e juventude.
Há cerca de 2700 navios afundados na região antes chamada de Cabo das Tormentas. Era o pavor dos marinheiros medievais. A lenda do “Holandês Voador” refere-se a um capitão daquela nacionalidade que resolveu enfrentar as tempestades da região e naufragou depois de horas de lutas contra o mar e os ventos (a silhueta dele ainda apareceria nas nuvens furiosas que invadem a baía em dias de tempestade...). A declaração "mulheres e crianças primeiro" também surgiu ali e vem do naufrágio de um navio inglês bem defronte da cidade, onde o capitão ordenou o salvamento das mulheres e crianças antes (morreram 400 homens). Depois de muita propaganda, para avançar em direção ao oriente - afinal haviam dito que o mundo plano tinha sua borda pouco adiante e as águas revoltas eram indício do precipício... - mudaram o nome do atormentado cabo para Cabo da Boa Esperança. Assim os navegadores conseguiram convencer as tripulações a se arriscar na aventura de travessia daquela esquina marítima.
Para mim o Cabo das Tormentas também passou a ser chamado de Cabo da Boa Esperança!
Na verdade, as discussões missiológicas andavam meio que estagnadas, ainda agarradas na velha dicotomia evangelização versus ação "social", bem como a ênfase gelada vinda do Atlântico Norte, postulando uma evangelização que é mais declarativa que encarnacional. Havia um certo receio que o retrocesso verificado em Lausanne 2 (Manilla, 1989) fosse revivificado em detrimento da Missão Integral. Talvez Cape Town 2010 fosse o fim definitivo no movimento de Lausanne, a pá de cal, depositando as expectativas de desenvolvimento de uma missiologia integral num cemitério onde já jazem tantas naus.
Mas não foi nada disso que aconteceu! Pelo contrário, a esperança brotou vigorosa, cheia de viço, e à proclamação do Evangelho inteiro integraram-se dezenas de testemunhos de boas obras de restauração de pessoas e de reconciliação de grupos sociais como parte normal da vida e missão da Igreja no mundo. Não abdicamos nem da verdade do Evangelho nem da vivência dos atos do Evangelho em cada contexto histórico contemporâneo! Muito significativa essa ênfase, justamente naquela terra que havia sido manchada com sangue decorrente das políticas segregacionistas do Apartheid. Na verdade, sepultou-se em Cape Town 2010 a antiga tentativa de separar-se a criação e o céu; o corpo e a alma; o indivíduo e o comunal. Em todo tempo, a cada desafio missionário apresentado, ficou claro que Missão é presença, é serviço, é proclamação de Cristo, mas como Cristo.
O Congresso Mundial de Evangelização foi surpreendente também pela organização. Todos os 4.200 participantes tinham seu lugar numa das 700 mesas de seis lugares (com pessoas de outros países). Apesar da teologia ter sido, digamos, superficial, isto foi positivo, pois o foco não foi academicista - foram convidados muitos jovens, muitos profissionais e empresários, muitas mulheres que lideram movimentos cristãos não-formais (uma das tendências é o desenvolvimento da liderança feminina), enfim pessoas sem formação teológica técnica (mas que tem contribuído muito para a promoção do reino de Deus!) e que possibilitasse assim uma interdisciplinariedade. Havia gente de 198 nações (os 200 chineses foram impedidos de vir pelo governo da China continental) e cerca de 1000 voluntários de todo mundo servindo aos congressistas, mais visitantes da própria Cidade do Cabo e centenas de preletores.
A programação consistiu do estudo bíblico em grupos internacionais do livro de Efésios, seguido por palestras expositivas também de Efésios. Depois haviam temas do dia apresentados por vídeos, peças de teatros, intercalados por duas ou três pequenas mensagens de 10 a 15 minutos, seguidas de testemunhos (de alto impacto). À tarde havia quatro grandes seminários para mil pessoas (muitos ficaram de fora por falta de lugar) e depois do intervalo dezenas de pequenos grupos para tratar temas específicos. As tardes não funcionaram bem, por falta de espaços, e ausência de tradução. As noites eram de celebração, e cada uma foi direcionada a uma região do mundo (filmes, teatros, testemunhos, pequenas mensagens de novo). No fim da programação ainda havia uma sessão de cinema opcional, mas a maioria já chegava ao fim do dia exausto, e com a mente povoada de novas ideias e perspectivas.
Sem dúvida o louvor foi um dos pontos altos do Congresso, instilando no fundo da alma uma sensação maravilhosa de participar de uma família internacional de Deus. Um grupo internacional, liderados por um indiano (radicado na África do Sul?), acompanhado especialmente de umas africanas, conduziram de modo inspirador a adoração ao nosso Deus. A celebração da Ceia, no fim do congresso, apontou para a realidade escatológica - uma integração final de todos unidos em volta da mesa presidida pelo Cordeiro! Os momentos de oração com gente de tudo que é língua foram muito edificantes. Muitas lembranças boas e efeitos na alma ainda a serem discernidos. É incrível a percepção de fazer parte de uma família internacional de Deus. Isso deve nos animar a ver as coisas com a mente aberta, para além do nosso reduzido mundinho cotidiano.
Além das boas percepções missiológicas, é preciso afirmar que a África não é só o que a gente vê na televisão. Os recortes midiáticos distorcem a realidade. A África não são apenas florestas repletas de selvagens e grupamentos humanos marcados pela miséria. É verdade que há muita pobreza naquele continente, mas a África do Sul é muito mais desenvolvida do que pensava - e em alguns aspectos, inclusive humanos (apesar de enormes problemas), está muito à frente do Brasil.
A Cidade do Cabo (Cape Town) - que pudemos conhecer um pouco durante deslocamentos do hotel para local do congresso, nas caminhadas no entorno do centro de convenções, e no tempo livre antes e depois do congresso - é uma cidade belíssima, os custos são baixos quando comparados com Estados Unidos e Europa, a atmosfera cosmopolita e multicultural cria um ambiente único (diversos povos negros - Zulus e Xhosas; brancos holandeses, ingleses etc; indianos e malaios; diversos grupos de povos muçulmanos; e muitos outros imigrantes). É uma interessante mistura de povos, raças e religiões. Há muitas atrações culturais, belezas naturais - tanto do relevo, como da flora e fauna -, excelentes opções de compras, gastronomia diversificada, vinicultura etc. E um povo louco por esportes. Seria uma ótima opção para viagem turística e uma possibilidade mais acessível para jovens estudarem inglês num ambiente internacional.
• Christian Gillis é casado com Juliana e pai de 3 garotos. Pastor da Igreja Batista da Redenção por 20 anos, é envolvido com ministérios relacionados a missões, reflexão e juventude.
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