Opinião
- 19 de maio de 2021
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Tentando compreender Gaza
Maioria da população é de filhos ou netos de árabes palestinos expulsos de seus lares em 1948
Por Colin Chapman
1. A maioria dos palestinos em Gaza hoje é composta de filhos ou netos de árabes palestinos expulsos de seus lares na Nakbaem 1948
Benny Morris foi um dos primeiros novos historiadores revisionistas israelenses que documentaram o processo pelo qual cerca de 750.000 palestinos foram expulsos de seus lares, meses antes e depois da criação do estado de Israel em maio de 1948. Em seu livro The Birth of the Palestinian Refugee Problem, 1947-1949 [O nascimento do problema dos refugiados palestinos] (1988), ele desfez o mito de que haviam fugido porque seus líderes os haviam incentivado, e descreveu como alguns foram para Gaza, enquanto outros se mudaram para o Egito, a Cisjordânia e o Líbano. Alguns anos depois, ele surpreendeu muitos quando disse, numa entrevista para o jornal Haaretz, que Israel não teria tantos problemas hoje se tivesse feito um trabalho mais completo e expulsado muito mais palestinos da área do novo estado de Israel. Outro historiador israelense, Ilan Pappé, hoje professor da Faculdade de Ciências Sociais e Estudos Internacionais na Universidade de Exeter, usou material semelhante para descrever com muitos detalhes como as expulsões foram realizadas em toda a área com o objetivo de reduzir ao mínimo possível o número de árabes que permaneceriam dentro do estado de Israel, e ele não teve receio de dar ao livro o título The Ethnic Cleansing of Palestine [A limpeza étnica da Palestina] (2006). O tratamento a que Israel submeteu os palestinos durante esse período crucial antes de depois do estabelecimento do estado tem sido chamado “o pecado original de Israel”. O ponto relevante nesse contexto é que os mísseis que os palestinos lançam de Gaza caem sobre áreas de onde seus pais e avós foram expulsos em 1948.
Rami Khoury, jornalista palestino-jordaniano, defende com vigor esse ponto num artigo publicado no jornal The Daily Star em Beirute, em 26 de julho:
“É muito difícil para sionistas e israelenses, que se recusam a compreender o próprio protagonismo na redução dos palestinos à condição de refugiados, perceberem e resolverem as raízes da questão. Eles também ignoram que não haverá paz para ninguém, a menos que as causas originais do conflito de 1947-49 sejam resolvidas de maneira imparcial. Se os israelenses não virem isso nos olhos, túneis, mísseis e corpos carbonizados de crianças palestinas mortas, e continuarem insistindo, com os Estados Unidos, em priorizar a segurança dos israelenses em lugar de uma postura mais equilibrada de garantir direitos para os dois povos, então ondas selvagens de violência persistirão anos. Isso seria apenas somar estupidez à selvageria.”
2. “É o cerco e a ocupação, estúpido!”
Ninguém pode negar o direito de Israel à autodefesa, sujeito ao teste de proporcionalidade, e é compreensível que Israel queira forçar o Hamas a parar de lançar mísseis indiscriminadamente contra Israel. O Hamas poderia ter parado de lançar mísseis assim que as baixas começaram a se acumular e a comunidade internacional pediu um cessar-fogo. Mas Gaza tem sido descrita como a maior prisão a céu aberto do mundo, e os mísseis (que, por enquanto, só mataram três civis em Israel), expressam o desespero dos palestinos por oito anos de bloqueio econômico impostos por Israel depois que o Hamas chegou ao poder em 2006. É evidente a determinação de Israel em destruir o arsenal do Hamas e a rede de túneis que chegam a Israel. Mas os líderes do Hamas acreditam que não podem se dar ao luxo de aceitar um cessar-fogo sem garantirem, da parte de Israel, concessões que aliviem a crise humanitária que se desenvolve dentro de Gaza. Os números aterradores de mortes de civis, portanto, e a destruição de tantas propriedades são vistos como o preço que precisa ser pago para forçar Israel a se curvar à pressão internacional e encerrar seu bloqueio nefasto. Os palestinos em Gaza sentem que se não morrem sob os mísseis, serão estrangulados até a morte pelo bloqueio.
Antes dele, claro, a ocupação existia. Em junho de 1967, Israel ocupou a Cisjordânia, os Montes de Golã, o Sinai e a Faixa de Gaza, onde acabaram construindo 20 assentamentos em 20% da área. Foi nesse contexto de ocupação que, por volta de 1988, surgiu o Hamas como movimento de resistência. A maior parte do mundo acredita que a ocupação israelense da Cisjordânia a partir de 1967 é ilegal segundo a lei internacional e que cada assentamento nos territórios ocupados é ilegal. Sob a liderança de Ariel Sharon, Israel retirou-se completamente de Gaza em 2005, mas pela lei internacional, ainda mantém todas as responsabilidades do poder de ocupação. A fundamentação lógica para o recuo foi explicada nestes termos por Dov Weissglass, um dos conselheiros de Sharon: “A importância do plano de retirada é o congelamento do processo de paz … E quando se congela esse processo, evita-se o estabelecimento de um estado palestino, evita-se uma discussão sobre refugiados, os limites e Jerusalém”. Parece que, agora, até a administração americana concluiu que o dito processo de paz buscado que John Kerry vem buscando com tanto empenho nos últimos nove meses cai por terra principalmente porque Israel se recusa a parar de construir novos assentamentos na Cisjordânia. Os mísseis do Hamas, portanto, parecem ser o único meio que têm para expressar a ira e o desespero dos palestinos com o bloqueio e a ocupação.
Avi Shlaim, professor emérito de Relações Internacionais na Universidade de Oxford destaca esses pontos num artigo intitulado “Qual a utilidade do ‘equilíbrio’ numa guerra tão assimétrica?” em The Independent on Sunday de 27 de julho:
“É difícil resistir à conclusão de que o verdadeiro objetivo de Israel ao deflagrar essa ofensiva é bombardear o Hamas levando-o a uma rendição humilhante. O alvo final de Israel parece ser não só uma paz, mas a reimposição do status quo com uma Palestina fragmentada e consigo mesmo como um senhor imperial.”
3. O conflito israelo-palestino é um conflito de dois nacionalismos, com dois povos clamando o mesmo pedaço de terra por motivos diferentes.
Theodore Herzl apresentou sua visão do sionismo político no livro The Jewish State [O estado judeu] em 1896 e, no ano seguinte, reuniu o Primeiro Congresso Sionista em Basel. Tendo concluído que a emancipação dos judeus na Europa no século XIX fracassou, ele acreditava que a única maneira para eles se sentirem seguros no mundo moderno era retornar à terra ancestral na Palestina e criar ali algum novo tipo de política judia. Na época em que escreveu o livro, os judeus não passavam de 8% da população total da Palestina. Os 92% restantes da população — árabes palestinos — tinham consciência dos movimentos nacionalistas na Europa e estavam começando a desenvolver os próprios sonhos de nacionalismo árabe e independência do governo otomano. Uma das ironias da história, portanto, é que o nacionalismo judeu (sionismo) teve o efeito de estimular o nacionalismo árabe. Os judeus têm baseado seu direito à posse da terra e à soberania no fato de terem ocupado a área nos tempos bíblicos. Os palestinos baseiam suas alegações no fato de seus ancestrais estarem vivendo na terra desde a conquista árabe no século VII ou até antes. Assim, uma das raízes fundamentais do conflito é esse choque de nacionalismos.
Os palestinos precisam compreender hoje, de algum modo, que o antissemitismo europeu, que culminou no Holocausto, criou o anseio por uma terra em que os judeus pudessem sentir-se salvos e seguros. Pelo mesmo motivo, os judeus em Israel e em todas as partes precisam compreender que o nacionalismo judeu e o nacionalismo árabe (e, em especial, palestino) desenvolveram-se lado a lado durante o último século e que o entendimento bíblico da justiça é que devemos buscar para nosso próximo o que buscamos para nós mesmos. A relevância desse ponto para o conflito atual é destacado por Rami Khoury:
“O problema fundamental para Israel, que nunca foi por eles compreendido, é que a intensidade da vontade individual e coletiva dos palestinos para resistir a um exílio ou esquecimento permanente e a continuar lutando pela reconstituição nacional e por justiça é tão forte quanto a vontade entre os judeus que lutaram contra o antissemitismo cristão ocidental por séculos e finalmente criaram seu estado sionista na Palestina.”
4. Apesar de todas as falhas e crimes, o Hamas tem sido uma expressão consistente do nacionalismo e da ira dos palestinos.
Eu jamais seria um defensor do Hamas porque tenho muita consciência de sua ideologia islamista de linha dura, sua brutal supressão da oposição e seus ataques violentos a cidadãos israelenses. Duvido que seja tão inocente como afirma no que diz respeito a seus lançadores de mísseis e aos túneis sob o muro Norte, entrando em Israel, para possibilitar ataques a Israel. Ao mesmo tempo, creio que muito da crítica contra ele tem sido injusta e injustificada.
O Hamas surgiu como movimento de resistência no contexto da ocupação israelense. Assim, se não houvesse a ocupação iniciada em 1967, não haveria Hamas — assim como não haveria Hezbollah no Líbano se Israel não o tivesse invadido em 1982 e permanecido como ocupantes por tantos anos no sul do país. O Hamas afirmou fortemente sua identidade islâmica em relação ao Fatah, que considerou ter-se tornado muito secular; e assumiu uma posição firme contra Israel por acreditar que o Fatah já havia cedido demais nas negociações com Israel. Alguns alegam que nos primeiros anos o Hamas foi na verdade incentivado e apoiado por Israel como um meio de dividir a resistência palestina. O Hamas venceu nas eleições democráticas em Gaza e na Cisjordânia em 2006, e muitos acreditam que os Estados Unidos e a União Europeia cometeram um erro desastroso ao se recusarem a reconhecer essa vitória e a trabalhar com o Hamas. Os governos ocidentais são, portanto, acusados de hipocrisia por dizerem que apoiam a disseminação da democracia na região, mas se recusarem a aceitar os resultados de eleições democráticas.
Embora o Hamas mantenha sua posição islamista, é totalmente enganoso dizer que a inimizade palestina para com Israel é motivada fundamentalmente pelo islã. Os muçulmanos palestinos tendem a se voltar para a religião para encontrar motivação em sua luta. Mas a causa original do conflito é a desapropriação, não a religião. O Hamas tem mostrado com frequência que sua ideologia pode ser modificada pelo pragmatismo e tem indicado em muitas ocasiões sua disposição de negociar com Israel. Se Israel continua rotulando o Hamas como “organização terrorista”, esse não seria um caso de um roto falar mal do esfarrapado? Houve muito terrorismo dirigido contra o Mandato Britânico e os palestinos nas décadas anteriores ao estabelecimento do estado de Israel; e quantos dos primeiros-ministros anteriores de Israel estavam engajados em atividades terroristas nos anos de juventude? Um estado pode engajar-se em terrorismo tanto quanto um movimento de resistência.
Se alguns palestinos não apoiavam o Hamas e o culpavam pela escalada das lutas nas últimas duas semanas, é provável que a ferocidade dos ataques de Israel sobre Gaza tenha tido o efeito de angariar amplo apoio para o Hamas e suas demandas. Uma das lições do processo de paz na Irlanda do Norte foi que não houve um sucesso significativo até todas as partes — inclusive as consideradas extremadas — serem incluídas no processo político.
É fácil criticar e condenar o Hamas por sua forma de se engajar na resistência. Mas os palestinos não teriam um bom motivo para estarem exasperados tanto com o bloqueio como com a ocupação contínua? E não seria tempo de o mundo tentar compreender as raízes desse conflito e tentar resolvê-lo de um modo mais imparcial?
Quando vemos o desenrolar dessa tragédia terrível, portanto, devemos orar por todos os que, no espírito das bem-aventuranças, “têm fome e sede de justiça” e procuram ser pacificadores. Ao mesmo tempo, assim como pressionamos o governo de nosso país, podemos fazer algumas coisas para apoiar as pessoas em Gaza por meio de organizações cristãs como as seguintes que estão trabalhando na região:
- O Hospital Árabe Al-Ahli em Gaza, dirigido pela Diocese Anglicana de Jerusalém.
- Hope Christian Trust, apoiando a Escola Batista e a Igreja Batista em Gaza.
- Embrace the Middle East (antigo BibleLands), sustentando muitas instituições cristãs por toda a região e atualmente administrando um apelo de emergência em favor de Gaza.
- Amos Trust, projeto do Kairos Britain e do Friends of Sabeel UK, que sustentam o projeto Kairos Palestine.
- Bethlehem Bible College, que mantém um programa de extensão em Gaza.
- Musalaha (Reconciliação), juntando judeus messiânicos e cristãos palestinos em encontros face-a-face.
Sobre o autor
Colin Chapman é britânico, nasceu na Índia e cresceu na Escócia. Estudou grego e hebraico na St. Andrews University, teologia na London School of Theology, árabe na American University of Cairo e Estudos Islâmicos na Near East School of Theology (Beirute). Ele é Mestre em Filosofia pela University of Birmingham e foi ordenado pela Igreja Episcopal da Escócia.
Ele trabalhou durante 18 anos como missionário da Church Missionary Society (CMS) no Oriente Médio. Seu envolvimento nesta região do mundo pode ser dividida em três etapas:
- No Cairo, Colin trabalhou na Catedral Anglicana e ensinou no Seminário Evangélico Copta (Presbiteriano).
- Em Beirute, foi o Secretário Regional da IFES para as regiões islâmicas.
- Ainda em Beirute, ensinou Estudos Islâmicos na Near East School of Theology.
- No Reino Unido ele foi professor de missões e religiões no Trinity College, na cidade de Bristol, e Diretor da Escola de Treinamento da Church Missionary Society em Birmingham.
Colin Chapman é autor de vários livros, tais como De Quem é a Terra Santa? (Ultimato e Martureo), Holy City: Jerusalem and the Israeli-Palestinian Conflict (Lion and Baker) e Cross and Crescent: responding to the challenges of Islam (IVP). Ele também é autor de dezenas de artigos sobre missões e o islã publicados em diferentes partes do mundo por prestigiosas revistas e jornais acadêmicos.
> Texto originalmente publicado no site do Martureo. Reproduzido com permissão.
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