Opinião
- 11 de maio de 2018
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Sou mãe, não tenho emprego, apenas trabalho
Por Luiza Agreste Nazareth
Eram nove horas da noite de uma sexta-feira, talvez por isso ninguém tenha me visto passar o crachá na saída daquele dia de trabalho. Dia que seria meu último antes da licença-maternidade do meu primeiro filho. Mal poderia imaginar que aquela passada de crachá era uma despedida – o início dela. Algo me dizia que eu não voltaria, ou pelo menos não voltaria a mesma.
Lembro como se fosse ontem que na manhã daquele dia minha chefe me perguntou despretensiosamente, mas com muito carinho, se eu achava que assim que eu tivesse meu filho eu iria querer ser "só mãe". Seu tom de voz sugeria que ela sentiria minha falta se essa fosse minha decisão. "Imagina!" - neguei veementemente - "Não consigo me imaginar sem meu trabalho". Naquele momento não conseguia mesmo.
Tanto que voltei a trabalhar depois de seis maravilhosos e desesperadores meses de licença maternidade. Foram seis meses em casa cheirando cangote de neném e leite azedo, de cabelo despenteado, coração transbordando de amor e alma desarranjada. Para dizer a verdade, eu não via a hora de voltar a seu "eu mesma". Nos primeiros dias de volta ao trabalho, meus peitos empedrados não me deixavam esquecer da saudade quase incontrolável daquele cheirinho gostoso de bebê e dedinhos mexendo no meu cabelo enquanto me encarava com olhar de satisfação. Ao mesmo tempo, tentava afogar com café a culpa de estar me sentindo tão aliviada e até mesmo feliz de poder conversar com outros adultos, colocar uma roupa bonita, esconder minhas olheiras e não estar mais cheirando azedo. Eu queria mergulhar de cabeça novamente na sensação de segurança, valor e autoestima que o ambiente controlado do meu trabalho me dava, mas meu cansaço, falta de foco e coração latejando não deixavam. Tudo estava diferente dentro de mim. E qual foi minha surpresa quando eu percebi que não me encontrei novamente ali.
>>> Ser mãe é padecer no paraíso? <<<
Só que toda vez que pensava em parar de trabalhar eu me relembrava dos meses de licença maternidade, da sua solidão, da impotência, das longas horas cheias de pequenas coisas do cotidiano que parecem não se juntar em nada grandioso, da falta de me sentir produtiva. Já quando pensava em continuar trabalhando me deparava com a insatisfação de não poder passar mais de três horas por dia com meu filho e, pior, de estar trocando o meu tempo com ele por reuniões improdutivas e tarefas que não tinham mais o mesmo valor e propósito para mim. Não via esperança ou solução mágica em nenhuma das alternativas.
Foi então que eu percebi que a questão era menos se eu continuava trabalhando ou deixava de trabalhar, mas em que base eu estava construindo minha identidade, o que eu estava usando como combustível para minha sensação de valor. Nossa sociedade nos incentiva a construir esse senso de valor na nossa produtividade e alta performance. E aí trabalhamos como se não houvesse mais amanhã. Como se não ter um emprego significasse não existir, não ter segurança, não ter valor. Passamos a vida acumulando rótulos profissionais e currículos para nos sentirmos importantes.
Foi então que, em meio a esse dilema existencial me foi feita a pergunta que mudaria para sempre minha perspectiva sobre trabalho: "Se dinheiro não fosse o problema você pararia de trabalhar, continuaria trabalhando no que você está fazendo hoje ou investiria esse dinheiro em outro trabalho?".
>>> Sou mãe. E agora? <<<
Foi então que eu percebi que não trabalhamos para ganhar a vida. A vida já está ganha. Ela já nos é dada, de graça, todos os dias. Trabalhamos para dar vida àquilo que o mundo precisa para ser um lugar mais harmonioso, justo e bonito. E isso independe de dinheiro na conta ou não. As contas pagas e o coração sorrindo devem sempre ser a consequência de um trabalho bem-vivido, nunca a razão. Na verdade, ouso dizer que os trabalhos mais bem-vividos podem até chegar a não receber nenhum centavo em vida, mas como são valiosos. Pois não há trabalho maior que dar sua vida para dar vida e criar pessoas generosas e amadas. Não há dinheiro que pague o valor e trabalho dessas vidas.
É uma grande ilusão achar que fomos feitos somente para usufruir e que o trabalho é um somente meio de conseguir dinheiro para comprar aquilo que nos propiciará momentos de prazer e uma vida tranquila. Mas e se, na realidade, nós tivéssemos sido feitos para trabalhar? E se a nossa vida tivesse sido projetada para que fôssemos férteis de pessoas e também de ideias? E se parir essas ideias desse tanto trabalho quanto parir uma pessoa? E se criar um projeto fosse feito para ser justamente tão não-tranquilo como criar um filho? E se o trabalho fosse um meio de termos momentos de prazer em meio a momentos de desprazer, enquanto construímos algo significativo e valioso?
Meu valor não está no meu trabalho, mas o meu trabalho tem valor, ganhe eu um tostão por ele ou não. Depois de muito ponderar sobre essas questões a minha decisão final foi de sair do mundo corporativo, mas nunca deixar de trabalhar. Porque através do trabalho das minhas mãos, seja ele trocando as fraldas dos meus filhos, seja em um projeto remunerado (e às vezes fazendo as duas coisas ao mesmo tempo), posso tornar a Terra um pouco mais como o céu. Lá onde não há ouro, lá onde está o meu tesouro. Enquanto não chego lá, não me cansarei de trabalhar aqui.
• Luiza é discípula de Jesus, casada com Paulo há 7 anos, mãe do Gabriel de 3 anos e do João de 1 ano (foto). É estrategista de conteúdo e experiências digitais e depois que se tornou mãe trocou a carreira no mundo corporativo pelo home office para poder acompanhar de perto o crescimento e criação dos pequenos. Nesse meio tempo, criou o blog Mochilinha e Violão onde compartilha seus aprendizados dessa escolha por caminhar mais devagar e viver uma vida mais leve, criativa e autêntica ao lado dos filhos e família.
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Lembro como se fosse ontem que na manhã daquele dia minha chefe me perguntou despretensiosamente, mas com muito carinho, se eu achava que assim que eu tivesse meu filho eu iria querer ser "só mãe". Seu tom de voz sugeria que ela sentiria minha falta se essa fosse minha decisão. "Imagina!" - neguei veementemente - "Não consigo me imaginar sem meu trabalho". Naquele momento não conseguia mesmo.
Tanto que voltei a trabalhar depois de seis maravilhosos e desesperadores meses de licença maternidade. Foram seis meses em casa cheirando cangote de neném e leite azedo, de cabelo despenteado, coração transbordando de amor e alma desarranjada. Para dizer a verdade, eu não via a hora de voltar a seu "eu mesma". Nos primeiros dias de volta ao trabalho, meus peitos empedrados não me deixavam esquecer da saudade quase incontrolável daquele cheirinho gostoso de bebê e dedinhos mexendo no meu cabelo enquanto me encarava com olhar de satisfação. Ao mesmo tempo, tentava afogar com café a culpa de estar me sentindo tão aliviada e até mesmo feliz de poder conversar com outros adultos, colocar uma roupa bonita, esconder minhas olheiras e não estar mais cheirando azedo. Eu queria mergulhar de cabeça novamente na sensação de segurança, valor e autoestima que o ambiente controlado do meu trabalho me dava, mas meu cansaço, falta de foco e coração latejando não deixavam. Tudo estava diferente dentro de mim. E qual foi minha surpresa quando eu percebi que não me encontrei novamente ali.
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Só que toda vez que pensava em parar de trabalhar eu me relembrava dos meses de licença maternidade, da sua solidão, da impotência, das longas horas cheias de pequenas coisas do cotidiano que parecem não se juntar em nada grandioso, da falta de me sentir produtiva. Já quando pensava em continuar trabalhando me deparava com a insatisfação de não poder passar mais de três horas por dia com meu filho e, pior, de estar trocando o meu tempo com ele por reuniões improdutivas e tarefas que não tinham mais o mesmo valor e propósito para mim. Não via esperança ou solução mágica em nenhuma das alternativas.
Foi então que eu percebi que a questão era menos se eu continuava trabalhando ou deixava de trabalhar, mas em que base eu estava construindo minha identidade, o que eu estava usando como combustível para minha sensação de valor. Nossa sociedade nos incentiva a construir esse senso de valor na nossa produtividade e alta performance. E aí trabalhamos como se não houvesse mais amanhã. Como se não ter um emprego significasse não existir, não ter segurança, não ter valor. Passamos a vida acumulando rótulos profissionais e currículos para nos sentirmos importantes.
Foi então que, em meio a esse dilema existencial me foi feita a pergunta que mudaria para sempre minha perspectiva sobre trabalho: "Se dinheiro não fosse o problema você pararia de trabalhar, continuaria trabalhando no que você está fazendo hoje ou investiria esse dinheiro em outro trabalho?".
>>> Sou mãe. E agora? <<<
Foi então que eu percebi que não trabalhamos para ganhar a vida. A vida já está ganha. Ela já nos é dada, de graça, todos os dias. Trabalhamos para dar vida àquilo que o mundo precisa para ser um lugar mais harmonioso, justo e bonito. E isso independe de dinheiro na conta ou não. As contas pagas e o coração sorrindo devem sempre ser a consequência de um trabalho bem-vivido, nunca a razão. Na verdade, ouso dizer que os trabalhos mais bem-vividos podem até chegar a não receber nenhum centavo em vida, mas como são valiosos. Pois não há trabalho maior que dar sua vida para dar vida e criar pessoas generosas e amadas. Não há dinheiro que pague o valor e trabalho dessas vidas.
É uma grande ilusão achar que fomos feitos somente para usufruir e que o trabalho é um somente meio de conseguir dinheiro para comprar aquilo que nos propiciará momentos de prazer e uma vida tranquila. Mas e se, na realidade, nós tivéssemos sido feitos para trabalhar? E se a nossa vida tivesse sido projetada para que fôssemos férteis de pessoas e também de ideias? E se parir essas ideias desse tanto trabalho quanto parir uma pessoa? E se criar um projeto fosse feito para ser justamente tão não-tranquilo como criar um filho? E se o trabalho fosse um meio de termos momentos de prazer em meio a momentos de desprazer, enquanto construímos algo significativo e valioso?
Meu valor não está no meu trabalho, mas o meu trabalho tem valor, ganhe eu um tostão por ele ou não. Depois de muito ponderar sobre essas questões a minha decisão final foi de sair do mundo corporativo, mas nunca deixar de trabalhar. Porque através do trabalho das minhas mãos, seja ele trocando as fraldas dos meus filhos, seja em um projeto remunerado (e às vezes fazendo as duas coisas ao mesmo tempo), posso tornar a Terra um pouco mais como o céu. Lá onde não há ouro, lá onde está o meu tesouro. Enquanto não chego lá, não me cansarei de trabalhar aqui.
• Luiza é discípula de Jesus, casada com Paulo há 7 anos, mãe do Gabriel de 3 anos e do João de 1 ano (foto). É estrategista de conteúdo e experiências digitais e depois que se tornou mãe trocou a carreira no mundo corporativo pelo home office para poder acompanhar de perto o crescimento e criação dos pequenos. Nesse meio tempo, criou o blog Mochilinha e Violão onde compartilha seus aprendizados dessa escolha por caminhar mais devagar e viver uma vida mais leve, criativa e autêntica ao lado dos filhos e família.
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