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Opinião

Sobre o que realmente fica

Por Ivan Abreu Figueiredo
 
Talvez seja o som reconfortante do chuvisco que cai enfeitando a madrugada amada com seu som e a antecipação do perfume do chão molhado.
 
Talvez, quem sabe, a calma apreciação pelas pequenas coisas do dia a dia, perceptíveis somente quando paramos a ponto de aquietar a alma.
 
Volto ao final dos anos 80, início da carreira docente. Era jovem, com a força, até a impetuosidade do iniciante. E me pergunto: o que ficou? Preocupado em não deixar faltar nada do conteúdo a ser transmitido, ainda era até confundido com algum dos estudantes. As aulas tendiam a ser muito longas, a "pedagogia" (entre aspas mesmos) resumida à intuição nem sempre bem sucedida. Para ser honesto, foram tempos de muita preocupação com a construção de uma imagem de competência, com a afirmação de meu valor próprio.
 
Coisas naturais nessa fase da vida.
 
Olho com simpatia para esse ser que eu fui e do qual guardo vestígios ainda.
 
O tempo passa, seu vento sopra e vai depurando excessos, deixando o que permanece, abrindo lentamente algumas portas de compreensão.
 
Porque do que fica destaca-se a atitude de se importar com o que se faz e, principalmente, com as pessoas ao redor.
 
Demorei um bocado a perceber isso. Foi preciso aprender com os pedagogos que o conteúdo não é um fim em si mesmo, mas um ponto de partida é fio condutor de desenvolver habilidades e competências.  Não sabia então que minha maior força não estava nas aulas compridas por não deixar de abordar os mínimos detalhes, e sim no cuidado mobilizado pela vontade do outro aprender.
 
O importar-se é oxigênio do médico em sua relação com o doente, é o oxigênio do pretenso mestre em sua interação com os aprendizes. Conteúdos estão nos livros para serem explorados, são campo fértil das iniciativas de cada um buscar e explorar. Tendem muitas vezes até a serem esquecidos, numa hipótese benéfica, relegados àquela pasta de lembranças recicláveis que todos nós temos.


 
O que ficou de fato foi o aprender a se importar com os que precisam da gente, tanto pacientes quanto estudantes.
 
O que ficou e fica são os alertas na estrada contra a indiferença que espreita na rotina mecanizada.
 
O importar-se é dar bastante lugar aos afetos. É até, na linda afirmação de Foster, ser levado à oração para que Deus supra o que está acima de nossa capacidade de ajudar as pessoas.
 
O que fica são as amizades, o respeito, até por vezes a inspiração que um professor pode fazer e ser nas vidas dos alunos.
 
Coisa forjada no cotidiano do envolvimento em compartilhar conteúdos como meio e não fim em si mesmo. O que realmente fica é o importar-se, atitude cheia de vida e desafios, por vezes atrevida e extravagante.
 
Porque é muito bom quando alguém se importa com a gente. E melhor ainda sermos nós aqueles que se importam.

O QUE ESPERAM OS CRISTÃOS? | REVISTA ULTIMATO
 
A esperança cristã possibilita alegria hoje, guia os nossos afetos e o modo como vivemos, nos relembra da nossa condição de peregrinos, nos anima na evangelização e na missão, nos dá a perspectiva correta com relação ao sofrimento atual, alinha os nossos planos aos de Deus, não permite que nos acomodemos às facilidades do mundo.

É disso que trata a edição 400 da Revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.

Ivan Abreu Figueiredo, médico, professor universitário, membro da Igreja Batista Plenitude, São Luís, MA.
  • Textos publicados: 14 [ver]

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