Opinião
- 22 de novembro de 2021
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Sete características de um escritor cristão – Lucas, um modelo a ser seguido
Lucas – um modelo a ser seguido
Por Jorge Cruz
Lucas, o “médico amado” (Cl 2.14), é o autor de um dos quatro Evangelhos de Jesus Cristo e do livro dos Atos dos Apóstolos. Estes dois livros, no seu conjunto, representam cerca de 30% do Novo Testamento, sendo o Evangelho escrito por Lucas o maior livro desta seção das Escrituras.
Encontramos no Evangelho segundo Lucas alguns relatos únicos da vida de Jesus que não se encontram em nenhum outro. Algumas das parábolas mais conhecidas do Senhor, como a do bom samaritano (10.25-37), do filho pródigo (15.11-32) ou do administrador infiel (16.1-9) só se encontram descritas neste livro. O encontro de Jesus com Zaqueu, o cobrador de impostos corrupto e de baixa estatura (19.1-10), a ressurreição do filho de uma viúva de Naim (7.11-17), as palavras do Senhor na cruz de perdão para com os seus algozes (23.34) e em que assegura a salvação e entrada no Paraíso a um dos criminosos crucificados ao seu lado (23.43), são outros relatos exclusivos deste evangelho. Lucas apresenta mais fatos acerca da vida terrena de Jesus do que Mateus, Marcos ou João, sendo de destacar alguns acontecimentos relacionados com o nascimento e infância do Senhor. A narrativa de Lucas do início do ministério de Jesus na Galileia (4.16-30) destaca a declaração do Senhor de ser o Messias prometido, descrito em pormenor pelo profeta Isaías 700 anos antes.
O livro dos Atos é uma narrativa extraordinária do nascimento, crescimento e expansão da igreja cristã nos primeiros trinta anos após a morte e ressurreição de Jesus Cristo. Lucas, um dos protagonistas e testemunha ocular de muitos fatos narrados nesta obra, levou a sério as últimas palavras do Senhor antes da sua ascensão aos céus: “Recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra” (At 1.8). O evangelista acompanhou Paulo em algumas das suas viagens missionárias e pensa-se que é Lucas o irmão mencionado em 2 Coríntios 8.18, “que se tornou conhecido em todas as igrejas pela pregação do evangelho”.
O doutor Lucas era provavelmente gentio, ou pelo menos um judeu helenista. Pensa-se que a sua conversão a Cristo tenha ocorrido em Antioquia da Síria. A profissão de Lucas, além de ser mencionada por Paulo, parece confirmada pelo interesse especial do evangelista pelas doenças, bem como o seu uso frequente de termos médicos (por exemplo Lc 14.2). Nota-se também uma atenção e sensibilidade especial de Lucas em demonstrar o amor de Deus para com os mais pobres, vulneráveis e marginalizados da sociedade, nomeadamente as mulheres, as crianças, os samaritanos e os gentios.
Um dos aspetos centrais dos dois livros de Lucas é a universalidade da fé cristã, que apesar das suas raízes no judaísmo se dirige a todos os povos e nações, sem exceção. Lucas, precisamente por não ser judeu (foi o único autor gentio de livros da Bíblia), estava numa posição privilegiada para escrever estes livros, revelando contudo um conhecimento notável sobre o judaísmo e as Escrituras, particularmente da Septuaginta, uma das primeiras traduções do Antigo Testamento para a língua grega. Tanto o Evangelho de Lucas como o livro dos Atos apresentam um prólogo segundo o modelo formal de escrita da literatura greco-romana. Ambos os livros são endereçados a Teófilo, provavelmente um novo crente, também gentio, que precisava de ser encorajado na sua fé, sendo particularmente relevantes na sociedade atual, globalizada e multicultural.
Na introdução do Evangelho, Lucas afirma claramente que a sua descrição da pessoa, missão e valores de Jesus Cristo é rigorosa, minuciosa e fidedigna, baseada em testemunhas credíveis: “Já muitos procuraram narrar, na devida ordem, o que nos foi transmitido por aqueles que assistiram a tudo, desde o princípio, e se tornaram servos da palavra. Também eu, depois de averiguar cuidadosamente tudo o que se passou desde o começo, achei conveniente escrever tudo isso para ti, ilustre Teófilo, para que fiques seguro de quanto te ensinaram” (1.1-4).
Todos os cristãos têm uma enorme dívida de gratidão para com Lucas, por ter sido obediente ao chamado do Senhor e decidido escrever estes relatos fiéis acerca de Jesus e do início da igreja, deixando-nos um legado inestimável. Se Lucas não tivesse tomado esta decisão, é possível que outros o fizessem em seu lugar, mas o facto dos seus livros terem integrado o cânone do Novo Testamento significa que foram inspirados pelo Espírito Santo e são Palavra viva de Deus.
Tal como Lucas, muitos homens e mulheres têm sido chamados a anunciar as boas novas da salvação em Cristo, por palavras e através da escrita, ao longo da história do cristianismo.
Termino apresentando sete características que, na minha opinião, um escritor cristão deve apresentar:
1. Ser um estudioso apaixonado da Palavra de Deus, não apenas para aumentar os seus conhecimentos bíblicos e teológicos, mas sobretudo para ser transformado à imagem de Cristo e pôr em prática os seus ensinamentos.
2. Cultivar outras disciplinas espirituais, com destaque para a oração, e não descurar as suas responsabilidades de serviço na igreja em que congrega.
3. Conhecer em profundidade os assuntos sobre os quais escreve e, se os seus conhecimentos e experiência profissional forem relevantes para os leitores, procurar analisá-los à luz da Palavra de Deus.
4. Apreciar a leitura de vários clássicos da literatura universal, principalmente dos que apontam para a dimensão espiritual do ser humano e são um paradigma da arte de escrever bem.
5. Saber que é apenas um instrumento nas mãos de Deus, por isso cultivar a humildade e outras virtudes cristãs, consciente de que não é indispensável nem insubstituível.
6. Não procurar receber honras ou elogios dos homens, mas sim ser fiel ao chamado que recebeu de Deus, até que a sua missão neste mundo estiver cumprida.
7. Estar consciente do enorme privilégio que tem de colocar os seus dons ao serviço de Deus procurando, acima de tudo, honrar e glorificar o seu Mestre e Senhor Jesus Cristo.
• Jorge Cruz é Médico especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular, doutor em Bioética, membro do Comitê de Países de Língua Portuguesa da International Christian Medical & Dental Association (ICMDA), membro honorário da Associação Cristã Evangélica de Profissionais de Saúde (ACEPS-Portugal), membro do Conselho Internacional da PRIME - Partnerships in International Medical Education. Mora em Porto, Portugal.
Por Jorge Cruz
Lucas, o “médico amado” (Cl 2.14), é o autor de um dos quatro Evangelhos de Jesus Cristo e do livro dos Atos dos Apóstolos. Estes dois livros, no seu conjunto, representam cerca de 30% do Novo Testamento, sendo o Evangelho escrito por Lucas o maior livro desta seção das Escrituras.
Encontramos no Evangelho segundo Lucas alguns relatos únicos da vida de Jesus que não se encontram em nenhum outro. Algumas das parábolas mais conhecidas do Senhor, como a do bom samaritano (10.25-37), do filho pródigo (15.11-32) ou do administrador infiel (16.1-9) só se encontram descritas neste livro. O encontro de Jesus com Zaqueu, o cobrador de impostos corrupto e de baixa estatura (19.1-10), a ressurreição do filho de uma viúva de Naim (7.11-17), as palavras do Senhor na cruz de perdão para com os seus algozes (23.34) e em que assegura a salvação e entrada no Paraíso a um dos criminosos crucificados ao seu lado (23.43), são outros relatos exclusivos deste evangelho. Lucas apresenta mais fatos acerca da vida terrena de Jesus do que Mateus, Marcos ou João, sendo de destacar alguns acontecimentos relacionados com o nascimento e infância do Senhor. A narrativa de Lucas do início do ministério de Jesus na Galileia (4.16-30) destaca a declaração do Senhor de ser o Messias prometido, descrito em pormenor pelo profeta Isaías 700 anos antes.
O livro dos Atos é uma narrativa extraordinária do nascimento, crescimento e expansão da igreja cristã nos primeiros trinta anos após a morte e ressurreição de Jesus Cristo. Lucas, um dos protagonistas e testemunha ocular de muitos fatos narrados nesta obra, levou a sério as últimas palavras do Senhor antes da sua ascensão aos céus: “Recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra” (At 1.8). O evangelista acompanhou Paulo em algumas das suas viagens missionárias e pensa-se que é Lucas o irmão mencionado em 2 Coríntios 8.18, “que se tornou conhecido em todas as igrejas pela pregação do evangelho”.
O doutor Lucas era provavelmente gentio, ou pelo menos um judeu helenista. Pensa-se que a sua conversão a Cristo tenha ocorrido em Antioquia da Síria. A profissão de Lucas, além de ser mencionada por Paulo, parece confirmada pelo interesse especial do evangelista pelas doenças, bem como o seu uso frequente de termos médicos (por exemplo Lc 14.2). Nota-se também uma atenção e sensibilidade especial de Lucas em demonstrar o amor de Deus para com os mais pobres, vulneráveis e marginalizados da sociedade, nomeadamente as mulheres, as crianças, os samaritanos e os gentios.
Um dos aspetos centrais dos dois livros de Lucas é a universalidade da fé cristã, que apesar das suas raízes no judaísmo se dirige a todos os povos e nações, sem exceção. Lucas, precisamente por não ser judeu (foi o único autor gentio de livros da Bíblia), estava numa posição privilegiada para escrever estes livros, revelando contudo um conhecimento notável sobre o judaísmo e as Escrituras, particularmente da Septuaginta, uma das primeiras traduções do Antigo Testamento para a língua grega. Tanto o Evangelho de Lucas como o livro dos Atos apresentam um prólogo segundo o modelo formal de escrita da literatura greco-romana. Ambos os livros são endereçados a Teófilo, provavelmente um novo crente, também gentio, que precisava de ser encorajado na sua fé, sendo particularmente relevantes na sociedade atual, globalizada e multicultural.
Na introdução do Evangelho, Lucas afirma claramente que a sua descrição da pessoa, missão e valores de Jesus Cristo é rigorosa, minuciosa e fidedigna, baseada em testemunhas credíveis: “Já muitos procuraram narrar, na devida ordem, o que nos foi transmitido por aqueles que assistiram a tudo, desde o princípio, e se tornaram servos da palavra. Também eu, depois de averiguar cuidadosamente tudo o que se passou desde o começo, achei conveniente escrever tudo isso para ti, ilustre Teófilo, para que fiques seguro de quanto te ensinaram” (1.1-4).
Todos os cristãos têm uma enorme dívida de gratidão para com Lucas, por ter sido obediente ao chamado do Senhor e decidido escrever estes relatos fiéis acerca de Jesus e do início da igreja, deixando-nos um legado inestimável. Se Lucas não tivesse tomado esta decisão, é possível que outros o fizessem em seu lugar, mas o facto dos seus livros terem integrado o cânone do Novo Testamento significa que foram inspirados pelo Espírito Santo e são Palavra viva de Deus.
Tal como Lucas, muitos homens e mulheres têm sido chamados a anunciar as boas novas da salvação em Cristo, por palavras e através da escrita, ao longo da história do cristianismo.
Termino apresentando sete características que, na minha opinião, um escritor cristão deve apresentar:
1. Ser um estudioso apaixonado da Palavra de Deus, não apenas para aumentar os seus conhecimentos bíblicos e teológicos, mas sobretudo para ser transformado à imagem de Cristo e pôr em prática os seus ensinamentos.
2. Cultivar outras disciplinas espirituais, com destaque para a oração, e não descurar as suas responsabilidades de serviço na igreja em que congrega.
3. Conhecer em profundidade os assuntos sobre os quais escreve e, se os seus conhecimentos e experiência profissional forem relevantes para os leitores, procurar analisá-los à luz da Palavra de Deus.
4. Apreciar a leitura de vários clássicos da literatura universal, principalmente dos que apontam para a dimensão espiritual do ser humano e são um paradigma da arte de escrever bem.
5. Saber que é apenas um instrumento nas mãos de Deus, por isso cultivar a humildade e outras virtudes cristãs, consciente de que não é indispensável nem insubstituível.
6. Não procurar receber honras ou elogios dos homens, mas sim ser fiel ao chamado que recebeu de Deus, até que a sua missão neste mundo estiver cumprida.
7. Estar consciente do enorme privilégio que tem de colocar os seus dons ao serviço de Deus procurando, acima de tudo, honrar e glorificar o seu Mestre e Senhor Jesus Cristo.
• Jorge Cruz é Médico especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular, doutor em Bioética, membro do Comitê de Países de Língua Portuguesa da International Christian Medical & Dental Association (ICMDA), membro honorário da Associação Cristã Evangélica de Profissionais de Saúde (ACEPS-Portugal), membro do Conselho Internacional da PRIME - Partnerships in International Medical Education. Mora em Porto, Portugal.
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