Prateleira
- 08 de março de 2013
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Ser mulher é ser missionária da ternura
“Quando o homem permitir que o seu emocional seja liberto e que as pessoas tenham prioridade sobre as coisas, e a mulher permitir que o seu racional se desenvolva sem pedir licença ao mundo masculino, teremos o relacionamento homem—mulher idealizado por Deus desde o princípio”. (Nancy Gonçalves Dusilek, autora de “Mulher sem Nome”)
São poucas as mulheres com quem convivo que lidam bem com os papéis de profissional, mãe, dona-de-casa e amante. Elas são profissionais com carreiras definidas e em ascensão, mães cuidadosas, filhas zelosas e amantes dispostas. Porém, o que vejo, e me incluo nisso, é que boa parte de nós perdeu a significação da missão. Afinal, como falar em missão diante da necessidade de ser co-responsável pelo sustento da casa? Essa já não seria a missão? Ler A Missão da Mulher (Editora Ultimato, 2005), de Paul Tournier, resgatou para mim a significação do que sou e do que fui criada para ser.
Sou jornalista e, para minhas reportagens, busco histórias interessantes, que personifiquem a necessidade de um mundo menos desigual, resgatem a cidadania e a solidariedade perdidas. Tenho dois filhos — uma menina de 7 anos e um garoto de 9 —, especializados em quase me enlouquecer com tantos por quê?, e meu marido é pastor. No relacionamento conjugal temos de fazer constantes exercícios de dissociação de papéis, para que nosso casamento não seja extensão da igreja (no pior sentido) ou um apêndice da mesma. Não gosto que me tomem como exemplo. Não sou nem sirvo para ser modelo para ninguém... Mas aonde quero chegar com essas confissões? Em Paul Tournier: ele me proporcionou a delícia de saber que eu, mulher, possuo o sentido da pessoa mais do que o homem. Não sirvo como exemplo, mas tenho uma missão.
Por causa da missão de ser uma pessoa plena para ajudar outros a resgatarem esse sentido, não devo temer o que é verdadeiramente pessoal para mim: amor, fé, tristeza, alegria, culpa, sucesso, revés. Minha vida não deve ser determinada por modelos, quer sejam tradicionais ou feministas, mas pela minha própria humanidade!
A leitura do livro me fez entender que a missão não tem a ver com opções pessoais, nem com a clássica guerra dos sexos. Não estou, nem quero estar, em disputa com os homens. Afinal, quem disse que o padrão da mulher é ter conflito entre a intimidade familiar e o espaço social? Decidi acreditar que todas as posturas são determinadas pela missão. Homem e mulher produzem. No trabalho, eu produzo; em seu ministério, meu marido produz; por anos tendo dado aulas, minha mãe produziu; meu pai, como representante comercial, produz. A diferença é que o homem conta a produção pelas coisas produzidas; a mulher, pelo desfrutar das coisas produzidas.
Percebi que nós, mulheres, não trabalhamos por alguma coisa, mas por alguém. Fazer uma receita de bolo elaborada, trabalhosa, e até mesmo cara, só faz sentido quando as crianças batem palmas de apreciação. Busco no meu trabalho jornalístico, que exige uma grande dose objetividade, temperá-lo com porções de subjetividade, que levam à síntese e à união. A opção apenas pela objetividade — característica masculina — leva à análise e à separação. Então, minha missão como mulher é temperar o mundo — não somente o jornalismo, mas principalmente minhas relações interpessoais — com generosas pitadas de subjetividade.
Reconheço que nem sempre pensei assim, e que fui mesmo salva pela leitura de A Missão da Mulher. Por muito tempo levei a sério a promoção da mulher, a disputa, a luta pelo poder e pelo controle. E posso dizer, sem medo, que dessa forma a promoção feriu a todas nós. Acabamos nos impondo uma (in)capacidade de administrar a jornada dupla, um padrão de beleza tirano e um desgaste tremendo na relação com os homens, para quem somos confusas e difíceis demais.
A verdadeira promoção é nos reconhecermos mulheres com inteiras responsabilidades por nossas escolhas, respeitando nossas liberdades. Minha missão não é determinada pelo meu casamento, ou pela minha vida profissional, ou pelo sucesso dos meus filhos como crianças obedientes e estudiosas. Sou, independente de minha condição. O que dá sentido à vida é essa consciência. Como é bom saber que Jesus, que me motiva a trabalhar por um outro mundo possível, levou as mulheres a sério. Basta observar sua conversa com a mulher samaritana ou o anúncio de sua ressurreição a Maria Madalena, para vermos a estima e a confiança dadas a nós — mas também as mesmas exigências e promessas, como lembra Paul Tournier. De tudo isso tirei uma lição: ser mulher é ser uma pessoa plena, por existir, e influenciar para transformar, sendo uma missionária da ternura.
Nota:
Artigo publicado originalmente na seção “Vamos ler!”, da revista Ultimato 297 (novembro/dezembro de 2005).
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Nilza Valéria é jornalista da Visão Mundial, mãe e esposa, por acaso, de pastor.
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