Opinião
- 10 de novembro de 2016
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Saber morrer é o melhor remédio para crescer
Anos atrás, li o livro “Comunidade: lugar do perdão e festa” que me marcou muito e até hoje procuro reler e relembrar alguns de seus pontos principais. O livro é escrito pelo filósofo e teólogo francês, Jean Vanier, fundador da comunidade L’Arche, que se tornou uma federação de 149 comunidades espalhada por 37 países. A comunidade foi criada para oferecer a pessoas com deficiência mental uma vida em comunidade com seus cuidadores e voluntários.
No livro, Vanier fala de como nossa vida em comunidade implica muitas vezes perder as ilusões e que essa perda é o caminho para o crescimento. Por isso diz que “crescer é aprender a morrer” (p.194). A cada nova fase da vida, temos de deixar certas coisas ou modos para trás e prosseguir adiante. Isso significa lidar com perdas, o que pode ser muito doloroso.
Inspirado na relação de Pedro com Jesus, Vanier sugere que assim como Pedro passamos como comunidade por quatro crises. A primeira é a do chamado ou entrada na comunidade. Deixamos velhos relacionamentos e modo de viver para trás. Talvez ainda preservemos laços com os lugares e valores que deixamos. A segunda é quando descobrimos que a comunidade não é tudo aquilo que achávamos que era ou que devia ser. É a decepção causada pelo choque entre a ilusão ou ideal que tínhamos com a realidade. Corresponde ao momento em que Pedro descobre que Jesus não seria o messias que ele desejava ou imaginava. A terceira crise envolve rejeição e incompreensão. Quando percebemos que a comunidade não nos entende, que não seremos escolhidos para essa ou aquela função e talvez nem reeleitos para o cargo que ocupamos. A quarta crise, a mais dolorosa, é a que gera revolta, talvez ciúme. Quando nos vemos decepcionados, quem sabe traídos, e, sobretudo tomados de um sentimento de incapacidade, inadequação, incompetência para continuar fazendo o que estamos fazendo. Essa crise muitas vezes nos leva ao abandono, desistência e isolamento.
Essas crises representam um choque entre nossas ilusões e ideais, de um lado, e a realidade, do outro. Cada uma delas faz morrer em nós desejos, ideais, visões, paixões e imagens que criamos de nós mesmos, das pessoas e da comunidade.
Mas a ideia de fazer morrer para poder crescer nos faz lembrar pelo menos duas figuras bíblicas, ambas extraídas da própria natureza. A primeira é a da aliança de Deus com Noé e seus descendentes em Gênesis 9. Depois da corrupção da humanidade, do dilúvio e do resgate da família de Noé, Deus renova a bênção dada a Adão de torná-lo fecundo, multiplicá-lo e espalhá-lo pela terra. Porém, ao contrário da aliança com Adão, a de Noé incluía a morte. A partir de então a morte faz parte da manutenção da vida. Enquanto a Adão foi dada toda sorte de vegetais para alimento (Gn 1.31), a Noé Deus dá também a carne animal (Gn 9.). Por isso, a morte sustenta a vida. A morte do animal dá vida ao ser humano. Eu chamo isso de paradoxo da vida. Para o ser humano viver é preciso haver morte. Penso que isso não só delimita a vida física, mas também estabelece um princípio ou axioma do sacrifício. O acesso à vida e comunhão com Deus se dá por meio da morte, primeiro do animal como sacrifício, depois de outro ser humano, Jesus Cristo. A morte sustenta a vida. A vida se mantém pela morte.
Outra figura bíblica é a do grão de trigo que precisa morrer para produzir fruto (Jo 12.24). Ao aproximar o tempo de sua crucificação, Jesus diz aos discípulos que era preciso que ele morresse para que fosse glorificado. A sua morte abriu o caminho para a vida por meio da ressurreição. Era preciso que ele morresse para ter vida e nos dar vida. Mas com isso Jesus também aponta para um modo de vida. Todo aquele que desejar preservar sua vida irá perdê-la, mas quem a perder (ou odiá-la) a preservará para sempre (Jo 12.25). O chamado para seguir a Jesus é o chamado para morrer a fim de viver.
Vejo que esse princípio de morrer para viver ou crescer se aplica a inúmeras situações de nossa vida. Pastores que, depois de alguns anos em suas comunidades, se veem decepcionados com a comunidade ou consigo mesmos; membros de igreja decepcionados com a comunidade ou com sua liderança; missionários em choque cultural e sentimento de incapacidade ou inadequação para aquele ministério; profissionais que se questionam se fizeram as escolhas corretas na vida; casais na fase de desilusão e decepção com o relacionamento; adultos em meia-idade ressentidos e sem perspectiva. Cada uma dessas situações podem nos levar ao abandono e isolamento. Mas viver e crescer é saber morrer. Então, é preciso fazer morrer algumas coisas para encontrarmos novamente vida.
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No livro, Vanier fala de como nossa vida em comunidade implica muitas vezes perder as ilusões e que essa perda é o caminho para o crescimento. Por isso diz que “crescer é aprender a morrer” (p.194). A cada nova fase da vida, temos de deixar certas coisas ou modos para trás e prosseguir adiante. Isso significa lidar com perdas, o que pode ser muito doloroso.
Inspirado na relação de Pedro com Jesus, Vanier sugere que assim como Pedro passamos como comunidade por quatro crises. A primeira é a do chamado ou entrada na comunidade. Deixamos velhos relacionamentos e modo de viver para trás. Talvez ainda preservemos laços com os lugares e valores que deixamos. A segunda é quando descobrimos que a comunidade não é tudo aquilo que achávamos que era ou que devia ser. É a decepção causada pelo choque entre a ilusão ou ideal que tínhamos com a realidade. Corresponde ao momento em que Pedro descobre que Jesus não seria o messias que ele desejava ou imaginava. A terceira crise envolve rejeição e incompreensão. Quando percebemos que a comunidade não nos entende, que não seremos escolhidos para essa ou aquela função e talvez nem reeleitos para o cargo que ocupamos. A quarta crise, a mais dolorosa, é a que gera revolta, talvez ciúme. Quando nos vemos decepcionados, quem sabe traídos, e, sobretudo tomados de um sentimento de incapacidade, inadequação, incompetência para continuar fazendo o que estamos fazendo. Essa crise muitas vezes nos leva ao abandono, desistência e isolamento.
Essas crises representam um choque entre nossas ilusões e ideais, de um lado, e a realidade, do outro. Cada uma delas faz morrer em nós desejos, ideais, visões, paixões e imagens que criamos de nós mesmos, das pessoas e da comunidade.
Mas a ideia de fazer morrer para poder crescer nos faz lembrar pelo menos duas figuras bíblicas, ambas extraídas da própria natureza. A primeira é a da aliança de Deus com Noé e seus descendentes em Gênesis 9. Depois da corrupção da humanidade, do dilúvio e do resgate da família de Noé, Deus renova a bênção dada a Adão de torná-lo fecundo, multiplicá-lo e espalhá-lo pela terra. Porém, ao contrário da aliança com Adão, a de Noé incluía a morte. A partir de então a morte faz parte da manutenção da vida. Enquanto a Adão foi dada toda sorte de vegetais para alimento (Gn 1.31), a Noé Deus dá também a carne animal (Gn 9.). Por isso, a morte sustenta a vida. A morte do animal dá vida ao ser humano. Eu chamo isso de paradoxo da vida. Para o ser humano viver é preciso haver morte. Penso que isso não só delimita a vida física, mas também estabelece um princípio ou axioma do sacrifício. O acesso à vida e comunhão com Deus se dá por meio da morte, primeiro do animal como sacrifício, depois de outro ser humano, Jesus Cristo. A morte sustenta a vida. A vida se mantém pela morte.
Outra figura bíblica é a do grão de trigo que precisa morrer para produzir fruto (Jo 12.24). Ao aproximar o tempo de sua crucificação, Jesus diz aos discípulos que era preciso que ele morresse para que fosse glorificado. A sua morte abriu o caminho para a vida por meio da ressurreição. Era preciso que ele morresse para ter vida e nos dar vida. Mas com isso Jesus também aponta para um modo de vida. Todo aquele que desejar preservar sua vida irá perdê-la, mas quem a perder (ou odiá-la) a preservará para sempre (Jo 12.25). O chamado para seguir a Jesus é o chamado para morrer a fim de viver.
Vejo que esse princípio de morrer para viver ou crescer se aplica a inúmeras situações de nossa vida. Pastores que, depois de alguns anos em suas comunidades, se veem decepcionados com a comunidade ou consigo mesmos; membros de igreja decepcionados com a comunidade ou com sua liderança; missionários em choque cultural e sentimento de incapacidade ou inadequação para aquele ministério; profissionais que se questionam se fizeram as escolhas corretas na vida; casais na fase de desilusão e decepção com o relacionamento; adultos em meia-idade ressentidos e sem perspectiva. Cada uma dessas situações podem nos levar ao abandono e isolamento. Mas viver e crescer é saber morrer. Então, é preciso fazer morrer algumas coisas para encontrarmos novamente vida.
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Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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