Opinião
- 17 de novembro de 2014
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Romero
“Romero” é um filme de 1989 do diretor anglo-australiano John Duigan. O filme é um drama intenso e denso, com o excelente ator porto-riquenho Raul Julia (na verdade, “Raul Juliá”), que infelizmente não está mais entre nós, pois como dizem os caipiras paulistas, ele “viajou fora do combinado” quando tinha apenas 54 anos (vítima de complicações decorrentes de um acidente vascular cerebral). Ele era um ator muito habilidoso, competente em filmes dramáticos, como o caso de “Romero”, e em comédias – impossível não se deliciar com sua maravilhosa interpretação de Gomez Adams em “A Família Adams” e “A Família Adams 2”. Um dos papeis que interpretou foi o do brasileiro Chico Mendes em “Amazônia em Chamas”, de 1994, meses antes de sua morte.
Mas “Romero”, o filme que nos interessa mais de perto no momento, é um filme denúncia. Não se trata de uma cinebiografia, mas da apresentação da luta pastoral travada pelo padre salvadorenho Oscar Ranulfo Romero Galdaméz, o Dom Oscar Romero, Arcesbispo Metropolitano de San Salvador, a capital de El Salvador. Por ironia terrível, o país que tem o nome mais cristão do mundo, mergulhou em uma das piores e mais sangrentas ditaduras militares de direita de todos os tempos. Quase todos os países da América Latina das décadas de 1960, 1970 e 1980 eram governados por governos de exceção. O caso de El Salvador foi particularmente grave, por conta da guerra civil que abateu sobre aquela pequenina nação centro-americana. Foram dezenas de milhares de mortos, a maioria de gente simples, camponeses pobres e analfabetos. Foram números e números de torturados, assassinatos e desaparecidos. Nem mesmo crianças pequenas foram poupadas do terror imposto pelas forças do exército salvadorenho.
Oscar Romero foi escolhido pelo Vaticano (na época, era o Papa João Paulo II) por sua posição teologicamente conservadora. Mas sua atividade pastoral, o contato diário com as injustiças e violências sofridas pelo povo, invasões e profanações de templos católicos, o assassinato brutal e covarde de seu amigo Padre Rutílio Grande, tudo isto fez com que aos poucos Romero fosse mudando de opinião quanto ao papel da igreja na sociedade. O filme mostra este câmbio de maneira clara. Romero começa a pregar contra os abusos da parte do governo. Ele “bate de frente” com os interesses das autoridades governamentais e com os interesses de alguns colegas sacerdotes que preferiam que sua igreja permanecesse “neutra” no conflito (só que em casos assim, não existe neutralidade, pois uma suposta neutralidade é uma atitude a favor do poder dominante).
Romero assume de vez o lado do povo perseguido, camponeses e lavradores que não tinham a menor noção do que significam conceitos como “esquerda”, “direita”, “capitalismo” ou “socialismo”. Em uma das cenas mais interessantes do filme uma senhora pobre diz a ele: “O senhor é a nossa voz, o senhor fala por nós”. Romero pregava em uma emissora de rádio. Um dia, em uma de suas pregações, ele se dirigiu diretamente aos militares, aos soldados que recebiam ordens de seus superiores, e disse que eles em nome de Deus deveriam parar com aquelas atrocidades. Poucos depois, ao celebrar uma missa na capela de um hospital, foi atingido à distância por um atirador de elite. Seu sangue se misturou ao vinho do cálice da celebração eucarística. Houve protestos em todo o mundo, mas a guerra civil e as violências só terminaram alguns anos depois.
Romero ficou conhecido como um dos mártires cristãos do século 20. O Vaticano prefere valorizar uma figura como Josemaria Escrivá, fundador do grupo “Opus Dei”, do que a de Oscar Romero, que se tornou literalmente voz dos sofredores e sem voz. Romero levou a sério o conselho que a mãe do Rei Lemuel (que não era rei de Israel nem de Judá, mas que está no livro de Provérbios), deu ao seu filho governante: “"Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados” (Provérbios 31.8-9). Pagou com a vida por isso. Na Bíblia e na história, profetismo e martírio não raro andam de mãos dadas.
O filme de John Duigan peca por apresentar em seu início dois integrantes do alto clero se referindo a Romero como “rato de biblioteca”. Na verdade, ele não era um intelectual, nem foi um teólogo da libertação. Antes, foi um pastor, que assumiu a luta dos membros de sua igreja em um contexto difícil, uma situação limite, literalmente de vida ou morte. Calar-se seria conivência com o poder dominante opressor. Falar seria correr risco. Ele preferiu a segunda opção. Outra falha do filme de Duigan, no rastro da primeira, é a total ausência de menção a Jon Sobrino, este sim teólogo de alto nível, uma espécie de mentor intelectual de Romero.
A despeito destas pequenas falhas, o filme de Duigan é forte e sensível ao mesmo tempo. Não é difícil que pessoas chorem ao assisti-lo. Em época como a atual no Brasil em que muitos líderes eclesiásticos só se preocupam com fama, sucesso, dinheiro, prestígio, poder, e para tanto não têm o menor escrúpulo em manipular e enganar seus fiéis, vale a pena (re)ver um filme como “Romero”. É um soco na boca do estômago daqueles que só pensam em si mesmos.
Mas “Romero”, o filme que nos interessa mais de perto no momento, é um filme denúncia. Não se trata de uma cinebiografia, mas da apresentação da luta pastoral travada pelo padre salvadorenho Oscar Ranulfo Romero Galdaméz, o Dom Oscar Romero, Arcesbispo Metropolitano de San Salvador, a capital de El Salvador. Por ironia terrível, o país que tem o nome mais cristão do mundo, mergulhou em uma das piores e mais sangrentas ditaduras militares de direita de todos os tempos. Quase todos os países da América Latina das décadas de 1960, 1970 e 1980 eram governados por governos de exceção. O caso de El Salvador foi particularmente grave, por conta da guerra civil que abateu sobre aquela pequenina nação centro-americana. Foram dezenas de milhares de mortos, a maioria de gente simples, camponeses pobres e analfabetos. Foram números e números de torturados, assassinatos e desaparecidos. Nem mesmo crianças pequenas foram poupadas do terror imposto pelas forças do exército salvadorenho.
Oscar Romero foi escolhido pelo Vaticano (na época, era o Papa João Paulo II) por sua posição teologicamente conservadora. Mas sua atividade pastoral, o contato diário com as injustiças e violências sofridas pelo povo, invasões e profanações de templos católicos, o assassinato brutal e covarde de seu amigo Padre Rutílio Grande, tudo isto fez com que aos poucos Romero fosse mudando de opinião quanto ao papel da igreja na sociedade. O filme mostra este câmbio de maneira clara. Romero começa a pregar contra os abusos da parte do governo. Ele “bate de frente” com os interesses das autoridades governamentais e com os interesses de alguns colegas sacerdotes que preferiam que sua igreja permanecesse “neutra” no conflito (só que em casos assim, não existe neutralidade, pois uma suposta neutralidade é uma atitude a favor do poder dominante).
Romero assume de vez o lado do povo perseguido, camponeses e lavradores que não tinham a menor noção do que significam conceitos como “esquerda”, “direita”, “capitalismo” ou “socialismo”. Em uma das cenas mais interessantes do filme uma senhora pobre diz a ele: “O senhor é a nossa voz, o senhor fala por nós”. Romero pregava em uma emissora de rádio. Um dia, em uma de suas pregações, ele se dirigiu diretamente aos militares, aos soldados que recebiam ordens de seus superiores, e disse que eles em nome de Deus deveriam parar com aquelas atrocidades. Poucos depois, ao celebrar uma missa na capela de um hospital, foi atingido à distância por um atirador de elite. Seu sangue se misturou ao vinho do cálice da celebração eucarística. Houve protestos em todo o mundo, mas a guerra civil e as violências só terminaram alguns anos depois.
Romero ficou conhecido como um dos mártires cristãos do século 20. O Vaticano prefere valorizar uma figura como Josemaria Escrivá, fundador do grupo “Opus Dei”, do que a de Oscar Romero, que se tornou literalmente voz dos sofredores e sem voz. Romero levou a sério o conselho que a mãe do Rei Lemuel (que não era rei de Israel nem de Judá, mas que está no livro de Provérbios), deu ao seu filho governante: “"Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados” (Provérbios 31.8-9). Pagou com a vida por isso. Na Bíblia e na história, profetismo e martírio não raro andam de mãos dadas.
O filme de John Duigan peca por apresentar em seu início dois integrantes do alto clero se referindo a Romero como “rato de biblioteca”. Na verdade, ele não era um intelectual, nem foi um teólogo da libertação. Antes, foi um pastor, que assumiu a luta dos membros de sua igreja em um contexto difícil, uma situação limite, literalmente de vida ou morte. Calar-se seria conivência com o poder dominante opressor. Falar seria correr risco. Ele preferiu a segunda opção. Outra falha do filme de Duigan, no rastro da primeira, é a total ausência de menção a Jon Sobrino, este sim teólogo de alto nível, uma espécie de mentor intelectual de Romero.
A despeito destas pequenas falhas, o filme de Duigan é forte e sensível ao mesmo tempo. Não é difícil que pessoas chorem ao assisti-lo. Em época como a atual no Brasil em que muitos líderes eclesiásticos só se preocupam com fama, sucesso, dinheiro, prestígio, poder, e para tanto não têm o menor escrúpulo em manipular e enganar seus fiéis, vale a pena (re)ver um filme como “Romero”. É um soco na boca do estômago daqueles que só pensam em si mesmos.
É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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