Opinião
- 28 de junho de 2022
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Quem tem ouvidos para ouvir?
Oito práticas para ouvir com humildade, amor e esperança
Por David Bennett
Recentemente, tive a oportunidade de assistir a um ensaio aberto da Orquestra Sinfônica de Óregon. Tenho grande prazer em ouvir música clássica e, por ser de uma família de músicos, meu ouvido foi treinado para identificar os diferentes instrumentos, melodias e ritmos.
Mas o que me surpreendeu durante o ensaio foi o que o maestro conseguia ouvir, mas eu não percebia. Ele interrompeu a orquestra várias vezes para corrigir sutilezas e nuances que me passaram despercebidas. Em muitas áreas, precisamos ser treinados para ouvir.
Durante o fim de semana, li que dois neurocientistas do MIT descobriram que cantar evoca uma reação singular no cérebro humano. Eles identificaram no córtex auditivo um grupo de neurônios, até então desconhecidos, que reagem especificamente ao canto – não à fala ou a outros sons, nem mesmo à música instrumental. Apenas ao canto.
Deus nos programou para ouvir – de formas surpreendentemente específicas. E podemos nos aperfeiçoar na prática de ouvir. Mas também precisamos do desejo de ouvir.
A base bíblica para a prática de ouvir
Ouvir é parte da sabedoria divina. “Os ouvidos que ouvem e os olhos que veem foram feitos pelo Senhor”, diz Provérbios 20.12. Mais específico ainda, “O sábio ouve os conselhos” (Pv 12.15) e “Quem responde antes de ouvir, comete insensatez e passa vergonha” (Pv 18.13).
Em sua carta, Tiago aconselha: “Sejam todos prontos para ouvir” (Tg 1.19). A característica que distingue seus seguidores, diz Jesus, o Bom Pastor, é que eles ouvem a sua voz (Jo 10.27).
Precisamos adotar uma postura como a do jovem Samuel: “Fala, [Senhor,] pois o teu servo está ouvindo” (1Sm 3.10). Precisamos ouvir com o coração aberto como de uma criança. A atitude de ouvir caminha lado a lado com a fé bíblica.
Minha própria experiência sobre a prática de ouvir
Quando fui convidado para compartilhar algumas reflexões sobre o ato de ouvir, minha reação imediata foi protestar dizendo que outra pessoa deveria assumir essa tarefa, talvez alguém com formação em psicologia clínica ou um facilitador profissional com todo um conjunto de habilidades para ouvir.
Lembrei, então, que nos últimos cinquenta anos ou mais, eu conduzi vários projetos de pesquisa com base em entrevistas, incluindo duas dissertações sobre liderança da igreja e dois estudos comissionados na Índia. Além disso, sendo casado há quarenta e sete anos, com dois filhos e oito netos, e depois de ter pastoreado congregações com múltiplas equipes em três regiões diferentes dos EUA e nos últimos doze anos, servido à família global de Lausanne, percebi que tenho muita experiência em ouvir.
Então, pensei em dividir com vocês algumas coisas que aprendi sobre o ato de ouvir. Gostaria de compartilhar esses breves pensamentos como respostas a três perguntas.
1. O que a atitude de ouvir está comunicando?
Em primeiro lugar, ouvir é um gesto de humildade. Quando escuto, estou admitindo: “Não conheço todas as suas opiniões. Não conheço sua experiência de vida”. As convicções do outro e a forma como ele reage fazem muito mais sentido quando conhecemos sua história, sua origem, o que o moldou. Enquanto escuto alguém, devo conter o ímpeto de julgar e devo evitar as conclusões precipitadas.
Além disso, talvez eu não seja ignorante apenas a seu respeito, mas a respeito da situação sobre a qual estamos falando. Posso estar enganado. Posso ter pontos cegos. E seu conhecimento, sua perspectiva, suas percepções podem iluminar meu entendimento. Eu preciso aprender. Eu preciso do que você tem para compartilhar. Admitir isso e dispor-se a ouvir exige humildade.
Em segundo lugar, ouvir é um gesto de amor. Quando escuto, estou dizendo: “Você tem valor. O que você tem a dizer é importante. Quero conhecê-lo e compreendê-lo melhor. Você vale o investimento do meu tempo. Estou disposto a partilhar de suas alegrias e tristezas, enquanto você compartilha sua história”. Quando escuto, eu expresso amor.
E terceiro, ouvir é um gesto de esperança. Quando me disponho a ouvir alguém, estou comunicando que essa escuta mútua pode nos levar a um consenso. Podemos viver em paz um com o outro e seguir em frente juntos.
Por mais diferentes que sejamos um do outro quanto ao lugar de origem, cultura, idioma, experiência de vida, educação, posição social ou idade, ambos fomos criados à imagem de Deus. Cristo morreu para nos salvar, e juntos podemos ser transformados à imagem de Cristo e participar do avanço do reino de Deus. Juntos podemos ser melhores. Podemos encontrar uma base para a cooperação.
O ato de ouvir expressa amor, humildade e esperança.
2. O que devo ouvir?
Mas o que devo ouvir? Tenho três sugestões.
Primeiro, não ouça apenas as palavras, mas também as emoções que estão por trás delas. Esteja atento não apenas ao que a pessoa está pensando, mas também ao que ela possa estar sentindo.
Em segundo lugar, não ouça apenas o que é falado, mas também o que não está sendo dito. O que está faltando na linha do tempo? Quais pessoas ou circunstâncias você esperaria que fizessem parte da narrativa, mas não são citadas? A quais vozes – incluindo a de Deus – a pessoa tenta estar atenta e quais ela ignora? Às vezes, consigo extrair o que não foi dito fazendo perguntas complementares.
E terceiro, não ouça apenas o que o outro está dizendo, mas as razões que apresenta para fazê-lo. Por exemplo, você pode perguntar: “Fale por que você se sente assim. O que o fez chegar a essa conclusão?” Talvez haja aspectos da história que podem ajudá-lo a entender melhor como a perspectiva do outro foi moldada.
3. Como me comunico com alguém a quem estou ouvindo?
Gostaria de listar brevemente oito práticas que considero úteis no ato de ouvir
e que aprecio ver quando alguém está me ouvindo.
Faça perguntas abertas. Posso expressar que estou atento fazendo perguntas para as quais não tenho como prever a resposta, pois muitas são possíveis. Essas perguntas são diferentes daquelas que controlam a conversa, como um advogado de acusação que já sabe as respostas antes mesmo de enunciar a pergunta. Assim, por exemplo, como um ouvinte atento, em vez de perguntar: “Quando você se tornou cristão?”, posso perguntar: “Você pode me falar sobre alguns dos principais passos em sua jornada espiritual?”
Não fale demais. Resista à tentação de preencher o silêncio. Deixe espaço para pausas na conversa. Quando ouço de fato, não fico apenas balançando a cabeça afirmativamente enquanto me preparo para soltar minha resposta ou compartilhar algum paralelo da minha própria vida. Quando ouço com atenção, o enfoque não está na minha história, mas na história do outro. Há tempo de calar (Ec 3.7) e ouvir.
Não seja reativo. Posso expressar que estou ouvindo não reagindo aos gatilhos intelectuais ou emocionais que talvez eu encontre nas palavras do outro. Como bom ouvinte, minha principal função não é debater pontos e contrapontos. Na minha experiência de pastor e de pai, aprendi que precisava ser imune a choques, pois não há forma mais rápida de calar alguém do que explodir de raiva ou indignação ou vergonha ou culpa dizendo: “Como você pôde fazer isso?” ou “Como ousou agir assim?”
Use uma linguagem corporal que expresse atenção. Isso pode variar de uma cultura para outra, mas na cultura americana isso inclui uma postura aberta, inclinando-se para a frente, fazendo contato visual, acenando com a cabeça, articulando breves confirmações verbais.
Foco. Posso comunicar que estou ouvindo quando permaneço concentrado – sem enviar mensagens de texto, ler outro material, assistir à TV ou verificar e-mails enquanto mecanicamente digo “Uhum”. É muito fácil dizer: “Ah, não se preocupe, ainda estou ouvindo”. Mas o próprio fato de o outro sentir necessidade de conferir se você está ouvindo ou de você achar necessário confirmar que está atento já é um sinal de alerta.
Repita o que o outro disse. Um conselho que recebi anos atrás e que considero uma excelente ferramenta é, antes de responder, repetir o que o outro expressou: “O que ouço você dizendo é…”, repetindo a afirmação e, em seguida, permitindo que o outro confirme ou corrija meu entendimento antes que eu dê minha resposta.
Convide-o a contar mais. Descobri que essa é uma maneira aparentemente simples, porém poderosa, de comunicar que estou ouvindo. Você pode simplesmente usar a frase “Conte-me mais” e esperar pela resposta. Talvez seja necessário dizer isso várias vezes antes que o outro revele completamente o que está pensando.
Faça anotações. Admito que isso depende do contexto. Em alguns casos, tomar notas pode ser uma distração. Em alguns casos, pode levantar suspeitas. Mas durante uma pesquisa na Índia que envolveu centenas de líderes em dezenas de cidades, expliquei que estava tomando notas porque queria lembrar com exatidão e revisar o que eles haviam dito, e que não podia contar com minha memória apenas. A maioria entendeu e apreciou isso. Mas tive de aprender a escrever rapidamente, mantendo um bom contato visual. Então, às vezes, sou o único que consegue decifrar minhas anotações!
Gostaria de acrescentar um comentário final sobre algo que aprendi e ainda estou aprendendo: certifique-se de ter ouvido bem antes de responder, avaliar, concluir ou agir. Lembre-se de Provérbios 18.13: “Quem responde antes de ouvir, comete insensatez e passa vergonha”. Essa sabedoria se faz necessária em todos os cantos do mundo hoje.
Nota da Editora: Nos últimos dois anos, o Movimento de Lausanne realizou extensos encontros virtuais com líderes evangélicos de todo o mundo para avaliar as prioridades da missão global neste período que antecede o congresso Seul 2024. Steve Moon e Eiko Takamizawa lideram uma equipe de escuta global (Global Listening Team) que elaborou um relatório completo com o resumo e a análise dessas conversas. Este artigo foi adaptado de uma palestra do autor feita a essa equipe sobre a importância de ouvir.
- David Bennett é o diretor associado global de colaboração e conteúdo do Movimento de Lausanne. Ele já serviu em locais como Califórnia, Óregon e Massachusetts como jovem obreiro, pastor associado, plantador de igrejas e como pastor sênior de igrejas com envolvimento global. É bacharel pelo MIT - Massachusetts Institute of Technology e tem mestrado em Divindade, um doutorado e PHD pelo Fuller Theological Seminary.
Saiba mais:
» Orgulho x Humildade, de Kléos Magalhães Lenz César
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