Opinião
- 21 de julho de 2011
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Quem mora dentro de você?
Certa vez tive uma paciente que me perguntou se eu achava que ela era capaz de estudar uma língua estrangeira em outro país.
Eu lhe disse:
- Depende...
- Depende de que, doutora?
- Depende de quem for.
- Como assim?
- Se for a “Adulta”, engenheira, moça capaz e madura, acho que não haverá problema algum de ficar um mês estudando fora. Mas se for a sua “Menina Interna” de sete anos, que vive agarrada na barra da saia da sua mãe, em 24 horas você volta para casa.
- Ah, eu acho que entendi...
Todos nós temos “gente” que mora lá dentro. Se pararmos para ouvir, vamos poder ouvir as “vozes” de muitos deles. Tem uma que nos chama de “burra, burra” quando a gente erra; outra tem medo e nos impede de fazer as coisas, a “Medrosinha”. Alguns têm um “Ansioso” para ninguém por defeito e acabamos tomando péssimas decisões em função de acabar com a ansiedade ao invés de resolver o problema com prudência e sabedoria. E todos têm um “Médico Interno”.
Todos os dias a “Galera Interna” está presente na nossa vida. Pode ser que conheçamos alguns, mas às vezes há personagens que mandam em nossas vidas sem que nos demos conta. Quem estiver no banco do motorista da nossa vida é quem toma as decisões em determinados momentos. Mas se a nossa “Criança Interna” for quem estiver tomando decisões adultas, pode gerar mais complicações do que soluções.
“Eu levei muito tempo para entender que empréstimo no banco é só papel”, disse Juan, certa vez em uma consulta. “Cada vez que eu tinha que lidar com essas questões de aluguel, burocracia, empréstimo de banco, me dava um pânico total. Eu perdi bons negócios e até vendi um apartamento precipitadamente porque a ansiedade interna vinculada a estes processos me impedia de tomar boas decisões com tranquilidade. Quando eu finalmente entendi que era uma das minhas ‘Crianças Internas’ que entrava em ação sempre que precisava lidar com estas demandas, pude assegurá-la que empréstimo era coisa de gente grande e que eu, Juan Adulto, iria cuidar de tudo isso. Em uma sessão de psicoterapia com EMDR*, eu pude dimensionar a ansiedade infantil e transformar a ‘catástrofe burocrática’ em uma realidade adulta. Eu vinha de uma família de imigrantes, onde a gente teve que aprender uma língua estrangeira e todo mundo em casa ficava meio perdido na cultura e soterrado debaixo de um mundo de informação que não tinha sentido para um estrangeiro. Às vezes na escola, eu entendia as palavras, mas não entendia o sentido ou o contexto. Nunca me esqueço de ir para o banco falando baixinho, ‘Juan, empréstimo é só papel. É só papel. Um papel atrás do outro... é só papel...’, mas finalmente consegui lidar com isso sem ter um ataque de ansiedade”.
Nos últimos anos a ênfase do meu trabalho passou a ser na ajuda às pessoas com a cura de traumas e lembranças dolorosas. Quanto mais eu mexo com isso, mais eu me convenço de como os traumas – os grandes e os pequenos – vão afetando a nossa vida atual e a nossa capacidade de escolher respostas e reações sábias às situações que enfrentamos no dia-a-dia (lembram da mulher de Ló?). Fomos criados para um mundo perfeito, e realmente não sabemos lidar com a imperfeição, a violência, a morte, o rompimento das relações interpessoais, o desapontamento e a perda dos nossos sonhos e esperanças para um futuro melhor.
Precisamos entender a existência dessa tal “Galera Interna”: como estes papéis nascem e se desenvolvem dentro de nós, qual a função que cumprem em nossas vidas, as suas interações e algumas formas de curar as personagens feridas que nos impedem de viver plenamente. Também queremos aprender a celebrar aquelas que nos edificam, nos jogam para cima e para frente e nos servem de recursos positivos. Enfim, vamos desenvolver a “política da boa convivência”, só que dessa vez com as personagens que vivem dentro de nós.
* Eye Movement Desensitization and Reprocessing (Dessensibilização e Reprocessamento por meio de Movimentos Oculares) é um novo paradigma de psicoterapia que permite reprocessar lembranças dolorosas e traumáticas e modificar a percepção delas neuroquimicamente onde residem no cérebro.
Nota
Trecho do livro Curando a Galera que Mora Lá Dentro, previsto para ser lançado em agosto pela EMDR Treinamento e Consultoria Ltda.
__________
Esly Regina Carvalho é autora de Quando o Vínculo se Rompe, Saúde Emocional e Vida Cristã e Família em Crise, É psicóloga e trabalha como terapeuta especialista em psicodrama, e é coordenadora da Exodus América Latina. Visite também seu site.
Eu lhe disse:
- Depende...
- Depende de que, doutora?
- Depende de quem for.
- Como assim?
- Se for a “Adulta”, engenheira, moça capaz e madura, acho que não haverá problema algum de ficar um mês estudando fora. Mas se for a sua “Menina Interna” de sete anos, que vive agarrada na barra da saia da sua mãe, em 24 horas você volta para casa.
- Ah, eu acho que entendi...
Todos nós temos “gente” que mora lá dentro. Se pararmos para ouvir, vamos poder ouvir as “vozes” de muitos deles. Tem uma que nos chama de “burra, burra” quando a gente erra; outra tem medo e nos impede de fazer as coisas, a “Medrosinha”. Alguns têm um “Ansioso” para ninguém por defeito e acabamos tomando péssimas decisões em função de acabar com a ansiedade ao invés de resolver o problema com prudência e sabedoria. E todos têm um “Médico Interno”.
Todos os dias a “Galera Interna” está presente na nossa vida. Pode ser que conheçamos alguns, mas às vezes há personagens que mandam em nossas vidas sem que nos demos conta. Quem estiver no banco do motorista da nossa vida é quem toma as decisões em determinados momentos. Mas se a nossa “Criança Interna” for quem estiver tomando decisões adultas, pode gerar mais complicações do que soluções.
“Eu levei muito tempo para entender que empréstimo no banco é só papel”, disse Juan, certa vez em uma consulta. “Cada vez que eu tinha que lidar com essas questões de aluguel, burocracia, empréstimo de banco, me dava um pânico total. Eu perdi bons negócios e até vendi um apartamento precipitadamente porque a ansiedade interna vinculada a estes processos me impedia de tomar boas decisões com tranquilidade. Quando eu finalmente entendi que era uma das minhas ‘Crianças Internas’ que entrava em ação sempre que precisava lidar com estas demandas, pude assegurá-la que empréstimo era coisa de gente grande e que eu, Juan Adulto, iria cuidar de tudo isso. Em uma sessão de psicoterapia com EMDR*, eu pude dimensionar a ansiedade infantil e transformar a ‘catástrofe burocrática’ em uma realidade adulta. Eu vinha de uma família de imigrantes, onde a gente teve que aprender uma língua estrangeira e todo mundo em casa ficava meio perdido na cultura e soterrado debaixo de um mundo de informação que não tinha sentido para um estrangeiro. Às vezes na escola, eu entendia as palavras, mas não entendia o sentido ou o contexto. Nunca me esqueço de ir para o banco falando baixinho, ‘Juan, empréstimo é só papel. É só papel. Um papel atrás do outro... é só papel...’, mas finalmente consegui lidar com isso sem ter um ataque de ansiedade”.
Nos últimos anos a ênfase do meu trabalho passou a ser na ajuda às pessoas com a cura de traumas e lembranças dolorosas. Quanto mais eu mexo com isso, mais eu me convenço de como os traumas – os grandes e os pequenos – vão afetando a nossa vida atual e a nossa capacidade de escolher respostas e reações sábias às situações que enfrentamos no dia-a-dia (lembram da mulher de Ló?). Fomos criados para um mundo perfeito, e realmente não sabemos lidar com a imperfeição, a violência, a morte, o rompimento das relações interpessoais, o desapontamento e a perda dos nossos sonhos e esperanças para um futuro melhor.
Precisamos entender a existência dessa tal “Galera Interna”: como estes papéis nascem e se desenvolvem dentro de nós, qual a função que cumprem em nossas vidas, as suas interações e algumas formas de curar as personagens feridas que nos impedem de viver plenamente. Também queremos aprender a celebrar aquelas que nos edificam, nos jogam para cima e para frente e nos servem de recursos positivos. Enfim, vamos desenvolver a “política da boa convivência”, só que dessa vez com as personagens que vivem dentro de nós.
* Eye Movement Desensitization and Reprocessing (Dessensibilização e Reprocessamento por meio de Movimentos Oculares) é um novo paradigma de psicoterapia que permite reprocessar lembranças dolorosas e traumáticas e modificar a percepção delas neuroquimicamente onde residem no cérebro.
Nota
Trecho do livro Curando a Galera que Mora Lá Dentro, previsto para ser lançado em agosto pela EMDR Treinamento e Consultoria Ltda.
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Esly Regina Carvalho é autora de Quando o Vínculo se Rompe, Saúde Emocional e Vida Cristã e Família em Crise, É psicóloga e trabalha como terapeuta especialista em psicodrama, e é coordenadora da Exodus América Latina. Visite também seu site.
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