Opinião
- 05 de setembro de 2023
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Prevenção, proteção e oportunidades para meninas e mulheres vítimas do tráfico humano na Índia
Por Irani Machado
O tráfico de mulheres e crianças é um dos negócios que mais movimentam dinheiro criminoso no mundo. De acordo com dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), 80% das vítimas de tráfico humano para exploração sexual são meninas e mulheres.
Essa realidade, que causa enorme impacto em todo o mundo, é uma forma estrutural de violência contra mulheres e meninas. Para revertê-la é necessário adotar estratégias preventivas e de cuidado, proteção e apoio; promover mudanças na sociedade que garantam dignidade para viver; e buscar soluções eficazes na erradicação do tráfico.
Irani Machado, parceira da Missão Amide, tem ampla experiência no trabalho de restauração de meninas e mulheres traficadas para exploração sexual na Índia. Durante treze anos, ela se dedicou ao acolhimento de vítimas como colaboradora na casa-lar RACE (Resgate e Cuidado) e à compreensão do significado da vida entre sobreviventes de tráfico sexual.1
Para Irani, mulheres resgatadas do tráfico sexual têm muitas barreiras para vencer, e não conseguem vencê-las sozinhas.
Como a pesquisa que fez sobre a restauração de meninas e mulheres traficadas pode se tornar útil para o contexto da Índia, de outros países asiáticos e mesmo do Brasil?
A pesquisa ajuda a entender quais fatores de risco deixam mulheres e meninas em posição de vulnerabilidade e o que fazer para prevenir o tráfico para a indústria do sexo e reagir a ele de maneira eficaz. Grande parte das sobreviventes diz que nada sabia sobre o tráfico de mulheres antes de serem traficadas.
A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que há mais de 30 milhões de mulheres e crianças vítimas de tráfico humano para a prostituição forçada na Ásia. A Índia é um dos países com o maior número de casos de exploração sexual comercial.
O tráfico sexual é um tipo de escravidão presente na sociedade moderna. O que não tem recebido muita atenção são os efeitos nocivos do tráfico na saúde psicológica e física das vítimas. Pesquisas sobre os fatores de risco revelam a pobreza como aspecto prevalente. Porém, há poucas pesquisas sobre o dia a dia, os traumas, a tortura etc. de uma mulher ou menina traficada.
O tráfico sexual afeta ambos os sexos, porém as mulheres estão representadas de forma desproporcional entre os sobreviventes. Noventa e oito porcento das vítimas são mulheres e crianças.
Mulheres de qualquer lugar do mundo quase sempre têm menos oportunidades econômicas e menos poder que os homens e status inferior ao deles. Isso contribui para a vulnerabilidade ao tráfico – traficantes podem facilmente enganá-las com falsas promessas de trabalho. Quando as mulheres conseguem emprego, quase sempre, trabalham por salários mais baixos do que os homens que ocupam a mesma posição.
Mulheres resgatadas do tráfico sexual precisam de cuidado psicológico e físico para voltar a uma vida normal. Precisam também de oportunidades para aprender uma profissão para viver de forma digna. Elas têm muitas barreiras para vencer, e não conseguem vencê-las sozinhas. Elas precisam de ajuda. Se a sociedade, o sistema de saúde e de educação etc, estiverem conscientes das necessidades dessas mulheres, poderão ajudá-las eficazmente.
Na sua experiência, qual o principal trauma das mulheres que foram traficadas?
O tráfico sexual tem um impacto negativo na saúde psicológica e física das sobreviventes devido à natureza cruel desse crime. A saúde psicológica das vítimas é a mais afetada, porque meninas e mulheres vítimas de tráfico sexual são desprovidas de direitos humanos fundamentais, como ter uma vida segura, protegida e digna, e perdem a autonomia sobre seus próprios corpos, o direito de fazer escolhas e a oportunidade de viver de forma respeitável e saudável. Mesmo após o resgate, a estigmatização, a falta de compreensão, o isolamento social e os meios de subsistência precários constituem problemas psicológicos proeminentes para as sobreviventes. As vítimas que tiveram a chance de deixar o tráfico sexual apresentam, geralmente, distúrbios psicológicos, como depressão, ansiedade, transtorno do pânico, tendências suicidas, abuso de substâncias e transtorno de estresse pós-traumático.
Em conversas com sobreviventes, percebi algo comum: elas perderam a fé na humanidade das pessoas. Uma grande maioria delas foi traída por pessoas em quem confiava. A decepção foi grande e a dor da traição gerou frustração. Só Jesus pode curar as suas feridas e transformar suas vidas.
Como isso é tratado?
Aconselhamento psicológico e psicoterapia têm ajudado as sobreviventes. A minha pesquisa mostra que as mulheres e meninas que estavam indo à igreja se recuperaram mais rápido e com resultados duradouros. Sabemos que a cura acontece em um processo pelo poder de Jesus – é o agir do Espírito Santo nelas, quando se convertem ao Senhor.
Na Índia, não há medidas ou esforços adequados para reabilitar, nem para reintegrar meninas e mulheres resgatadas da indústria do sexo. Há interesse em enviar as sobreviventes de volta para as suas comunidades e famílias, o que as coloca em risco de serem traficadas novamente por causa do retorno para a mesma situação de risco que as expôs ao tráfico. Como disse anteriormente, a pobreza aumenta a vulnerabilidade ao tráfico sexual. Por isso, a reabilitação econômica é um antecedente essencial para uma reintegração bem-sucedida.
Em sua opinião, qual é o meio mais bem-sucedido para alcançar meninas e mulheres que são alvo e vítimas de tráfico?
O contato com uma mulher ou menina que está na indústria do sexo é difícil, porque elas são isoladas da sociedade. Mas, quanto àquelas que são alvo, podemos ajudá-las a ter uma profissão para viver e livrá-las das táticas dos traficantes. Na casa-lar RACE, recebemos não só mulheres resgatadas da prostituição forçada, mas também as que estão em situação de vulnerabilidade. Oferecemos educação e introduzimos essas moças no mercado de trabalho.
Com a sua saída do país, como pensa em continuar oferecendo algum apoio a esse ministério importante. Quer falar de suas novas perspectivas de ministério?
Continuarei trabalhando na Índia à distância, por meio de aconselhamento oferecido às mulheres e meninas. Treinei uma irmã da igreja local para passar tempo com elas na casa-lar ouvindo suas histórias, aconselhando, discipulando e orando. A equipe de nacionais está preparada e disposta em continuar o ministério que começamos em minha ausência. O meu alvo juntamente com um pastor indiano é abrir uma extensão dos projetos da Índia no Sri Lanka. Trabalharei na Tailândia entre um e dois anos, e nesse tempo, visitaremos o Sri Lanka. Quando estiver tudo certo, irei para essa nação desenvolver projetos à longo prazo.
Que palavra você daria para cristãos vocacionados para o trabalho com meninas e mulheres que são alvo e vítimas de tráfico?
Esse é um ministério que exige uma vida emocional saudável, porque estamos trabalhando com mulheres e meninas machucadas psicologicamente. Leva tempo para ganhar a confiança delas. Por causa do medo de serem traídas de novo, elas constroem uma forte barreira emocional para se protegerem. Uma vez que ganhamos sua confiança, elas começam a falar de seus traumas. Uma das meninas, quando chegou à casa-lar, não gostava de conversar e não participava dos momentos de oração e leitura bíblica. Ela se perguntava: “Por que essas pessoas estão nos ajudando? O que elas querem em troca?”. No dia em que entendeu que o que nos motiva a ajudar é o amor de Deus, ela disse: “Eu quero esse amor”. Ela abriu o coração para Jesus e hoje é uma moça transformada pelo poder de Deus. Jesus tem poder para transformar o trauma em um testemunho que pode levar muitas outras meninas a conhecer o seu amor também.
É preciso atenção aos perigos e à vulnerabilidade ao abuso e tráfico sexual a que mulheres e crianças estão sujeitas. É preciso abordar esse tema nas igrejas e organizações. O tráfico sexual é um problema global e precisamos estar conscientes da necessidade de educar e alertar as pessoas quanto às ameaças dele. A igreja é a voz que Deus usa para educar a sociedade e para forçar as autoridades e órgãos mundiais a tomarem providencias cabíveis em relação a esse problema que atinge mulheres e crianças. Nossas crianças e mulheres não podem continuar sendo ignoradas. Todos somos responsáveis por representá-las e protegê-las.
Nota
1. Exploring meaningfulness of life among survivors of sex trafficking in India. Christ University. Bangalore, India, 2023. Disponível aqui.
Com a colaboração de Antonia Leonora van der Meer, Ariane Gomes e Délnia Bastos.
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